Anna Karenina, em análise

 

  • Título Original: Anna Karenina
  • Realizador: Joe Wright
  • Elenco: Keira Knightley, Jude Law e Aaron Taylor-Johnson
  • Género: Drama/Romance

ZON | 2012 | 129 min

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Abre-se o pano e rapidamente somos levados para um impressionismo visual proeminente. Os cenários são banhados a talha dourada e compostos por acessórios pintados a tonalidades vibrantes e quase opostas. O guarda-roupa de época é escolhido com uma delicadeza e exuberância tal, que a união dos seus elementos e tons cria um sublime contraste que vai mais além do que as meras sensações visuais.

Em coadjuvação dos figurinos, surge um design de produção barroquista que para além de associar as várias artes no mesmo frame (a pintura, a literatura, o teatro estão ininterruptamente presentes), revela um sentido de oportunidade de conjugação de luzes, sombras e espelhos que se traduzem num ensaio fotográfico demasiado belo para ser descrito.

Por momentos, somos capazes de pensar que os nossos falaciosos olhos transmitem à nossa mente que aquilo que vemos é made in Baz Luhrmann (“Moulin Rouge”). Apenas até darmos pela presença do criativo argumento de Tom Stoppard e da magistral segurança de Joe Wright atrás das câmaras a filmar o século XIX como só ele sabe… aí, os olhos, objeto de deslumbramento puro, começam a captar também os notáveis diálogos, o vigoroso desempenho do elenco e… o amor.

Desde o amor maternal, perfeitamente concebido, ao amor latente e apaixonado, doente e infetado, eloquente e fatal. A adaptação do clássico “Anna Karenina”, de Leo Tolstoy, é uma exaltação do conceito de amor. E os amores que Anna Karenina (Keira Knightley) junta no seu interior são incompatíveis no seu mundo. A paixão ardente que sente pelo Conde Vronsky (Aaron-Taylor Johnson) exila o seu coração do seu amor de mãe e afasta-a continuamente do respeitoso e contratual sentimento que nutre pelo seu marido, Karenin (Jude Law), uma incompatibilidade trágica.

Anna Karenina é uma personagem bipolarizadora: a dama indefesa e angustiada ou a mulher traidora e egoísta? Daí que a solicitação a Keira Knightley foi máxima. Algo que ela correspondeu completamente construindo a sua personagem com uma elevada densidade de sentimentos, e quase nunca querendo persuadir o espectador a estimá-la verdadeiramente ou a sentir pena pela sua fatídica jornada. Também em bom nível exibe-se Jude Law levando na sua expressão facial uma mistura homogénea de estoicidade e bondade, um aparente vilão que na realidade é a santidade máxima da narrativa. A mancha negra no elenco é mesmo Aaron-Taylor Johnson (“Kick Ass”) com gestos demasiado modernizados e expressividades pouco profundas, erguendo uma personagem dramaticamente oca e demasiado jovial se comparado com a idade real de Anna Karenina.

No elenco mais secundário encontramos presenças muito competentes e vitais para que a mensagem de Tolstoy fosse transmitida ao espectador em pleno. Kitty (Alicia Vikander) e Levin (Domhnall Gleeson) alicerçam a sua relação no amor puro, mais sentido do que desejado e mais sincero do que copioso. A crítica à crise de valores da sociedade faz-se por comparação com este casal cuja conduta para com comunidade se traduz numa fidelidade matrimonial mútua. Era esta a afeição que Karenina gostaria de ter vivido com Vronsky, mas não foi capaz.

A badalada obra de Leo Tolstoy sobre um romance extramatrimonial numa sociedade austera é aqui revisitada com uma originalidade cénica impressionante. Isto porque o engenho inovador de Joe Wright coloca o filme e as suas acções dentro de um teatro que se transfigura de cena para cena, e onde a transição entre o campo e a cidade de Moscovo na aristocrática Rússia, é realizada através da transmutação de cenários. Os primeiros momentos do filme são puro deleite visual auxiliados por uma refinada banda sonora de Dario Marianelli, conferindo à narrativa o classicismo técnico que necessitava.

Joe Wright já tinha feito “Expiação” e “Orgulho e Preconceito”, duas obras passadas em universos temporais semelhantes e de cariz dramático bem mais robusto do que este “Anna Karenina”, mas muito provavelmente não serão tão envolventes no que respeita a outros elementos.

Talvez no fim, Keira Knightley seja a única fonte trágica. O argumento não acompanha a absorção que ela fez da mente conturbada de Anna Karenina, e pedia-se um pouco mais de audácia em expor o abalo trágico, físico e psicológico, dos personagens. É aqui que o filme perde alguma habilidade.

Embora tenha sido espezinhado pela crítica norte-americana por ser excessivamente extravagante, é esse ar mais luminoso do cinema de Joe Wright que apreciamos aqui em “Anna Karenina”. A valsa encenada de Wright é o nosso contentamento.

DR


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