As minhas fitas – Crónica de uma cinéfila

 

A crónica deste mês dedica-se ao evento mais proeminente da indústria cinematográfica: os Óscares. Selecionei alguns filmes, pelo interesse que me suscitaram, e aqui vos apresento a minha visão sobre quatro películas de ouro.

Esta maratona cinematográfica começou com “12 Anos Escravo” (12 Years a Slave), um filme absolutamente arrebatador que cumpre as expetativas de quem espera encontrar um retrato fiel da escravatura americana. As representações são extraordinárias e, não há dúvida, que nos permitem saborear cada cena como se fosse real. Porém, o sabor que sentimos é amargo, acre. Dei por mim com os pulsos cerrados sobre os braços da cadeira azul. Os meus olhos… esses foram consumidos por lágrimas de uma ira que não consegui traduzir em movimentos nem em palavras, apenas na muda fixação por aquela enorme tela que se espalhava pela sala, engolindo-me. Mais duro do que conhecer os factos é encarar, mesmo que num filme, momentos que marcaram a pele e o coração de tantos inocentes. Extraíram-lhes o âmago, pisaram-lhes as virtudes, esmagaram-lhes a candura. Como poderemos permanecer sentados e não sentir qualquer tipo de revolta?

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12 Anos Escravo

O filme que se seguiu quebrou este sentimento tão intenso de amargura e de impotência que ainda me acompanhou durante alguns dias. “Golpada Americana” (American Hustle) traduz-nos um enredo bem construído que segue os movimentos de um vigarista e da sua sedutora amante que, mais tarde, são coagidos a colaborar com um agente do FBI. São, assim, arrastados para um universo de poder e de máfia. Aqui, a corrupção tem o seu lugar num pódio que aparenta ser inquebrável. Ninguém parece conseguir tocar no arquétipo construído, exclusivamente, para ganhar. Mas afinal, quem é que o ergueu?

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Golpada Americana

A terceira fita a rolar pela minha passadeira vermelha ofereceu-me 180 minutos de privilégio: “O Lobo de Wall Street” (The Wolf of Wall Street) . Leonardo DiCaprio interpretou, notavelmente, Jordan Belfort. O retrato foi pintado sem pressa mas com a delicadeza de quem quer granjear um bom quadro. A construção do guião agradou-me particularmente: a fala na primeira pessoa, a envolvência dos vários momentos da vida de Belford e a intensidade com que foram vividos; o sentir, o não sentir, os escrúpulos ou a falta deles, a persistência e a tenacidade de uma mente que, apesar de tudo, não deixa de ser brilhante. Não foi dada uma ênfase exaustiva à investigação por parte do FBI o que, apesar da sua evidente importância, permitiu abrir espaço para uma tela mais intimista, na qual pudemos ver o lado do próprio Belford, o modo como este viveu as várias intimações e as situações de alerta e de perigo. No final, se tempo é dinheiro, fiquei mais rica.

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O Lobo de Wall Street

O último filme ainda está bem vivo na minha memória e, ao assentar, mais uma vez, em factos verídicos, transportou-me para uma realidade que sempre me captou a atenção. Em “Filomena” (Philomena) viajei para um protegido mundo de uma fé que me transtorna. Arrepio-me ao ver tantas mãos erguidas para o altar, mãos essas que, fora das grossas e frias paredes das igrejas, mergulham em pecados não reconhecidos e ignorados pelas próprias. São ignóbeis ações, disfarçadas por rituais que escalavram a profunda crença que muitos depositam em Deus. No centro de tudo isso, os corpos esgotados sobrevivem e, com a pouca força que têm, ainda rezam pelos seus ditos pecados. São almas roubadas mas cuja essência defende a integridade que outras dissimulam.

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Filomena

Para terminar, este mês ofereceu-me uma extraordinária panóplia de unicidade. E foi todo esse prazer que tentei imprimir nas palavras, uma a uma.

 


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