As Minhas Fitas – Crónica de uma Cinéfila

Dando início às crónicas duma apaixonada pelo grande ecrã, que dispensa o protocolo mais “técnico” e impessoal da chamada crítica de cinema, partilharei a partir de hoje as minhas impressões sobre alguns filmes que me marcaram neste mês: alguns vistos no cinema e outros acompanhados a partir de casa, sentada no sofá.

O filme que mais recentemente me marcou foi o “Dá Tempo ao Tempo” (About Time), que escolhi ir ver ao cinema ontem e que me embargou os olhos com lágrimas que não queria largar. Desejava acolhê-las em mim e deixá-las escondidas, para que ninguém as visse. Afinal, este filme é classificado como uma comédia! O que na verdade me cativou pela sua aparente essência de descontração, acabou por se revelar muito mais do que isso: um misto de humor com uma profundeza de sentimentos tão envolventes que não me deixaram indiferente.

about-time

A base da história assenta numa capacidade extraordinária que os homens de uma família possuem em viajar atrás no tempo. Enquanto me encaminhava para a sala, pensava que iria desfrutar de um leve momento cinematográfico, baseado em algo que nem sequer existe na vida real – essa capacidade de viajar no tempo. Porém, o que parece ser tão banal ou mesmo descontraído é recolhido por mim, como espetadora, como um poço de ensinamentos, de sentidos, de peças carregadas de emoção que se enrolam na minha garganta como algo que quero levar comigo para fora das salas de cinema. E que levei. O que mais me cativou foi a decisão da perda, do futuro e a forma como são feitas as escolhas diárias – a escolha de viver de uma maneira ou de outra; a forma de nos relacionarmos, de sentirmos, de sermos ou não felizes.

Há uma cena particularmente engraçada – que, no meio de tantas outras até parece insignificante – que se desenrola num restaurante às escuras, no qual o amor acontece. Ali, sem ver, apenas sentindo e escutando, uma relação começa a nascer e é finalmente cristalizada no exterior do restaurante – à luz e no cruzar vivo dos olhares.

Falando em linguagem não-verbal, “Gravidade” (Gravity), que decidi ir ver ao cinema por ser um filme tão bem anunciado e criticado no panorama cinematográfico, é um excelente exemplo dos gestos sem fala. De facto, não me desiludiu. Na verdade, o meu coração esteve em desassossego durante os 91 minutos de fita. Senti o meu peito ser empurrado pelas batidas que teimavam em não acalmar. Mas, ao mesmo tempo, os meus olhos não queriam fechar-se perante aquelas imagens e aqueles dois únicos corpos que dão vida a um filme que mexe tanto connosco ao ponto de sentirmos a ansiedade na nossa pele.

gravity

O som, esse, parecia diluir-se naquele espaço gigantesco o que me transportou para aquele local, o que me fez sentir a ansiedade que as personagens sentiram. Mas, agora, quero rasgar esse som e substitui-lo pela música “Lover’s spit”. Pertencendo à banda sonora de um dos filmes que vos apresento, dispara contra mim recortes de “Half Nelson – Encurralados” (Half Nelson) uma teia desenhada para quem procura a beleza da representação misturada com a dureza de uma realidade presente.

hnelson
“Half Nelson” apresentou-me, num acaso e em DVD, Ryan Gosling que, com a sua extraordinária interpretação me roubou o fôlego. Arrancou-o com as mãos, com o olhar, com as palavras. Vestiu a personagem de Dan, um professor de história e de basquetebol de uma escola localizada num bairro problemático da América. A sua profunda individualidade salta, de imediato, do ecrã e traz-nos pedaços de uma diferenciação que não são possíveis de ignorar: a sua posição perante a política; a relação que estabelece com os alunos – principalmente com uma aluna chamada Drey e excecionalmente representada por Shareeka Epps – e o seu problema de toxicodependência. As várias cenas explodem sensibilidade, humanismo e sinceridade. Na verdade, por vezes parece que estamos tão envolvidos no tecido da história que sentimos o nosso estômago ser esmurrado por mãos inexistentes mas que nos magoam como se fossem reais.

E foi a partir daí que decidi acompanhar os filmes nos quais Ryan Gosling participa, o que me levou ao cinema para, “na primeira fila”, assistir ao “Como Um Trovão” (The Place Beyond The Pines). O enredo tem momentos surpreendentes. A história aparece dividida em três momentos distintos mas que se integram na perfeição. É como na vida real, uma sequência de acontecimentos que se reproduzem no tempo: os atos têm consequências. Na mesma base assenta outro filme que reencontrei no Videoclube da minha TV e que me aliciou há uns anos atrás no cinema simplesmente através do seu poster: “A Estranha Em Mim” (The Brave One). A protagonista é, agora, uma grande Senhora do cinema americano, Jodie Foster, que dá alma a uma locutora de rádio que vê a sua vida ser alterada com um evento inesperado que nos prende ao ecrã, logo desde o início: a cruel morte do seu namorado. Ao longo do filme, fiquei amarrada ao desenrolar da vida de Erica, ao modo como viveu os seus dias e a toda a explosão de linguagem não-verbal que tanto me cativou. Se forem sensíveis a estas questões, sentirão, com toda a certeza, os olhos secarem perante a realidade que vos será apresentada, tão crua como doce, tão evidente como extranatural.

Para ser honesta, em todos os filmes, senti-me ainda mais viva. E, em todos eles, a corrida que as personagens fazem é contra elas mesmas. Elas procuram-se, perdem-se e encontram-se. Mas encontrar-se-ão para sempre?

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