Keira Knightley e Steve Carell | © FOX Portugal

Até que o Fim do Mundo nos Separe, em análise

 

Título Original: Seeking a Friend for the End of the World

Realizador: Lorene Scafaria

Elenco: Steve Carell, Keira Knightley

Género: Comédia, Romance, Drama

PRIS | 2012 | 101 min

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Aparentemente, o apocalipse nem sempre chega sob a forma de ataques alienígenas, pandemias de zombies ou conflitos militares sem precedentes, e o mundo pode despedir-se condignamente da vida sem efeitos especiais e óculos 3D, mas com coração aconchegado.

Segundo várias teorias científicas, já aconteceu antes, e poucos sobraram para contar a história que, por ironia no destino, volta a repetir-se.

Um asteroide com mais de 100 km de diâmetro encontra-se em rota de colisão com a Terra. Todas as tentativas de evitar o fatal embate falharam, e o fim do mundo, como tantos profetizaram vezes sem conta, chega dentro de 21 dias. O que termina também sem tréguas é o casamento de Dodge, um homem que sempre se resignou a jogar pelas regras e pelo seguro. Um dia, conhece Penny, a vizinha extrovertida mas de coração amolgado por nunca ter encontrado o Amor verdadeiro.

Estão lançadas as cartas e corpos celestes para uma jornada que tem como destino o reencontro familiar e dos amores perdidos… antes que o prazo de validade acabe e a mercadoria azede.

A sátira pouco convencional ao fim dos tempos de ‘Até que o Fim do Mundo nos Separe’ tem um tom mais meloso e calmo do que aquilo a que estamos habituados vindo deste quadro temático, sendo que a aderência à aventura agridoce de Dodge e Penny também pode ser determinada pela capacidade de encaixe cómico do espectador relativamente à fatalidade que envolve o enredo.

O conceito é mais forte do que a execução, o que poderá ser justificado pela parca experiência prévia da realizadora e argumentista no cargo, Lorene Scafaria, que se notabilizou em 2008 pela escrita do argumento da excêntrica comédia romântica ‘Nick e Norah – Playlist Infinita’. Em ambas as funções, Scafaria faz escolhas óbvias e nem sempre brilhantes, mas complementa-as com a presença de refrões ímpares.

A honestidade cortante de ‘Até que o Fim do Mundo nos Separe’ é especialmente palpável na primeira meia hora de filme, onde exploramos uma série de reações possíveis (muitas delas bem primordiais) ao prognóstico apocalíptico. O caos instala-se, e desde manifestações públicas de promiscuidade a pais a alimentarem os filhos a álcool, o mundo tenta absorver as últimas experiências que consegue alcançar. E é este tipo de verdades duras – porque talvez se revelasse assim, mais do que de outra forma – que tornam ‘Até que o Fim do Mundo nos Separe’ tão afetante. É a humanidade na sua mais gloriosa imperfeição.

Como vai sendo costumeiro na vaga indie, as escolhas musicais (Beach Boys, INXS, Scissor Sisters, Walker Brothers e muitos outros) são sempre inspiradas e prontas a dizer algo nas entrelinhas sobre o que se desenrola na literalidade da ação.

Steve Carell faz o que sabe e traz-nos o homem de sempre – o loser amoroso – com menos pitadas cómicas do que o costume. Do outro lado da barricada, Keira Knightley, numa rara oportunidade de contracenar nos tempos modernos, orienta o personagem mais interessante e misterioso do duo, numa performance bem condimentada pelo espírito livre e natureza otimista. A faísca cómica entre ambos está lá, a romântica… não parece tão clara. Fica sempre no ar a questão – e se eles tivessem sido mesmo e, apenas e só, amigos? O trilho do romance não é um dano irreparável, mas é uma das escolhas convencionais que acaba por enfraquecer ligeiramente o poderio da mensagem.

Pelo caminho conhecemos ainda brevemente uma série de personalidades cativantes veiculadas pela presença de cameos da mais alta qualidade e bem auxiliadas pelos dizeres certos.

‘Até que o Fim do Mundo nos Separe’ não é um filme perfeito, seja lá o que isso for, seguindo um arco de road movie algo convencional baseado na noção que é, inclusive, discutida no filme, de que os opostos se atraem. Mas é fácil, demasiado fácil até, desvalorizá-lo como “mais um filme sobre as malvadas profecias Maias” ou uma comédia romântica aparentemente desajustada. Se podíamos ter uma dinâmica relacional diferente entre os protagonistas, uma sátira mais azeda sobre a sociedade ou um final mais irónico? Podíamos. Mas Scafaria cria algo que respeita a inteligência de quem assiste, numa narrativa que não vê necessidade em ser assistida por coincidências pouco credíveis, twists bizarros ou finais batoteiros.

O que acabamos por receber está, na verdade, inteiramente explícito no título original (‘Seeking a Friend for the End of the World’): uma rendição adorável e honesta sobre a incessante procura humana pelo contacto e intimidade. E esse não é, nem deve ser um propósito menor. Nem hoje, nem no último dia das nossas vidas.