O fim de uma era? ©20th Century Studios

Avatar: Fogo e Cinzas | O Espetáculo no Limite

Pode este “Avatar: Fogo e Cinzas” salvar as salas de cinema ou está James Cameron a filmar o fim da era que ajudou a inventar?

James Cameron volta a Pandora como quem regressa ao local de um milagre antigo para confirmar se ele ainda funciona. “Avatar: Fogo e Cinzas” estreou num momento delicado: a frequência de espectadores nas salas continua frágil, as pré-vendas não entusiasmaram e o público já não corre para o cinema só porque alguém lhe promete “o maior espectáculo do ano”. vamos ver como vai correr o primeiro fim de semana de estreia, se consegue cobrir os 200 milhões de ‘investimento.

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A pergunta, portanto, não é se o filme é tecnicamente impressionante isso é um dado adquirido. A verdadeira questão é outra: este terceiro “Avatar: Fogo e Cinzas” ainda consegue trazer pessoas para as salas ou é apenas a confirmação de que o blockbuster clássico chegou ao seu limite histórico?

Avatar: Fogo e Cinzas
Este terceiro “Avatar: Fogo e Cinzas” já não é uma revolução. © 2025 20th Century Studios

O último dos gigantes

Durante meio século, desde “Tubarão”, o cinema americano viveu da ideia de que um grande filme podia arrastar multidões e redefinir hábitos. Cameron foi um dos seus maiores herdeiros: “O Exterminador Implacável”, “Aliens-O Reencontro Final”, “Titanic”, e claro “Avatar”. Tudo filmes caros, excessivos, tecnicamente pioneiros, mas também profundamente populares. O problema é que esse modelo dependia de uma coisa que hoje já não existe da mesma forma: a exclusividade emocional da sala de cinema.

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“Avatar: Fogo e Cinzas”, nasce já em desvantagem simbólica. Não é uma revolução como “Avatar” (2009), nem um regresso redentor como “Avatar: O Caminho da Água” (2022) em plena ressaca pandémica. Este terceiro filme, surge num tempo em que o público calcula, compara, espera. E, sobretudo, desconfia.

Pandora como metáfora do próprio cinema

Curiosamente, o filme parece saber disso. Pela primeira vez um filme da saga “Avatar” abandona o tom messiânico puro e mergulha no niilismo. Os Na’vi do fogo não acreditam em Eywa, colaboram com os humanos, vivem da destruição. É uma viragem temática clara: o inimigo já não é apenas externo. O mal vem de dentro.

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É difícil não ver aqui um espelho da própria indústria. O cinema que acreditava em si próprio — em salas, público, ritual colectivo — começa a retratar personagens que perderam a fé. Cameron filma mundos digitais exuberantes, mas povoados por figuras cansadas, ressentidas, descrentes. Pandora já não é apenas um paraíso ameaçado; é um sistema em falência ideológica.

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Pandora é um sistema em falência ideológica, como o mundo. © 2025 20th Century Studios

O espectáculo ainda impressiona, mas já não basta

Tecnicamente, “Avatar: Fogo e Cinzas” continua a ser um prodígio. O 3D funciona, os ambientes vulcânicos são deslumbrantes, o som é esmagador. Cameron continua a justificar o grande ecrã como poucos. O problema é que o espectáculo deixou de ser argumento suficiente.

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Três horas longas, estruturas narrativas repetidas, arcos emocionais previsíveis: o filme exige muito de um espectador que já não está disposto a entregar-se cegamente. O que antes era experiência tornou-se compromisso. E o público moderno foge de compromissos longos, sobretudo quando sabe que, mais cedo ou mais tarde, tudo acabará numa plataforma.

Avatar Fogo e Cinzas
São três horas de estruturas narrativas repetidas. © 2025 20th Century Studios.

Salvar as salas? Talvez. Salvar o sistema? Não.

“Avatar: Fogo e Cinzas” pode, sim, salvar algumas salas durante algumas semanas. Pode provar que ainda existe espaço para eventos cinematográficos. Pode reforçar o circuito premium (IMAX, 3D, formatos especiais). Mas não resolve o problema estrutural: um modelo de cinema dependente de filmes com orçamentos titânicos, feitos por meia dúzia de autores-marca, não é sustentável. Se apenas James Cameron, Christopher Nolan ou um ou outro conseguem mobilizar público, então o blockbuster deixou de ser um modelo industrial e passou a ser uma excepção de luxo.

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Avatar Fogo e Cinzas
Ainda haverá espaço para grandes e caros acontecimentos cinematográficos. © 2025 20th Century Studios.

James Cameron encurralado

Porém, aqui entra o verdadeiro drama. James Cameron passou décadas a provar que a tecnologia podia servir a emoção. Agora encontra-se numa posição paradoxal: é simultaneamente o maior defensor da sala de cinema e o prisioneiro do gigantismo que ajudou a normalizar. Para continuar, precisa de fazer filmes cada vez maiores, mas o mundo já não parece disposto a acompanhá-lo. Não é um fracasso artístico. É um beco histórico. Cameron não perdeu talento; perdeu contexto.

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James Cameron, um realizador encurralado.  © 2025 20th Century Studios. All Rights Reserved. / Crédito editorial: Fred Duval / Shutterstock.com (2235737263)

Um majestoso crepúsculo

Talvez “Avatar: Fogo e Cinzas” fique para a história não como o filme que salvou o cinema, mas como aquele que registou, com honestidade involuntária, o fim de um ciclo. Um blockbuster que ainda acredita no público, num tempo em que o público aprendeu a viver sem ele. No final, saímos da sala impressionados, cansados, ligeiramente atordoados. Ainda vivos, sim. Mas com a sensação clara de que acabámos de assistir não a um recomeço,  mas a um majestoso crepúsculo.

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