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Café Society, em análise

Depois de dois filmes a captar Emma Stone, Woody Allen abre portas ao seu vibrante Café Society com Jesse Eisenberg e Kristen Stewart. 

Argumentista, realizador, ator, comediante de stand-up, apreciador e músico de jazz (toca clarinete), todos nós conhecemos o inigualável e inesquecível Woody Allen. Conhecemos a sua maneira de ser: homem de porte frágil, bastante magro, baixo com cabelo grisalho e com óculos  redondos, sempre com discurso pautado por um certo nervosismo, que surpreende pelo humor inteligente. Conhecemos a maneira pela qual as suas personagens se expressam – com profunda excessividade gestual, por vezes próxima do melodrama -, encontrando na persona do seu criador algumas marcas, especialmente nas suas neuroses (que são muitas). Conhecemos os artistas que o influenciaram como Ingmar Bergman, Federico Fellini, Charles Chaplin, ou os irmãos Marx. Para além disso, conhecemos as temáticas que repensa em permanência como o existencialismo, a religião, o sexo, a morte, as condições sociais (e, por sua vez, familiares), e o materialismo.

Portanto, e como não poderia deixar de ser, no seu mais recente filme Café Society – a sua 46ª longa-metragem para cinema, que abriu a última edição do Festival de Cannes – retoma as temáticas habituais. Porém, em vez de maçar de tédio um ou outro espetador (Allen pode até não ser dos cineastas mais populares entre os jovens dos dias de hoje, mas tem uma legião de fãs muito exigente), este projeto deflagra-se como uma lufada de ar fresco, num momento em que saímos das ditas temporadas embebidas em blockbusters.

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Embora já não seja ator nas suas produções – sobretudo pelos escândalos em que esteve envolto e, como refere, pelas ‘desculpas da idade’ – , os seus 80 anos (comemora 81 no próximo 1 de dezembro) colocam-no entre os realizadores americanos mais velhos ainda no ativo, ao lado de Clint Eastwood (86 anos) ou Martin Scorsese (73 anos), apresentando por regra um filme por ano há 40 anos. Em Café Society tão pouco cruzamos com um Allen ‘distraído’, a querer usufruir dos bem merecidos dias de reforma, mas a refletir sobre a América do passado, a América dos anos 30. Somos seriamente apresentados a Allan Stewart Konigsberg a redigir a sua história de vida. Não a real, mas a fantasia que desejava ter vivido, naquela era respetiva.

Assim, opta por filmar ao estilo das suas melhores produções europeias (Magia ao Luar [2015], Meia-Noite em Paris [2011], Vicky Cristina Barcelona [2008], Match Point [2005]) quase que as transportando para o lugar de onde tiveram origem. Transpõe a melancolia dos dois primeiros, as dificuldades de escolha do terceiro e os assassinatos do último, da Europa para a América. Aponta igualmente a muitos dos seus filmes nostálgicos, rodados nos Estados Unidos como A Rosa Púrpura do Cairo [1985], Os Dias da Rádio [1987], Balas sobre a Broadway [1994] ou Através da Noite [1999]que tanto enaltecem o American Dream, como o desacreditam. Não é por acaso que nestes últimos filmes a arte é o principal pano de fundo, onde decorre o verdadeiro confronto com a realidade, crua e dura. Em Café Society tal intensifica-se, afinal lidamos com o universo de Hollywood e com um pouco de gossip ao virar de cada esquina.

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Café Society começa com narração (em voz-off) do próprio Woody Allen, onde desvenda essa cidade de todos os sonhos e ilusões. O filme segue o ambicioso e destemido nova-iorquino Bobby Dorfman (o brilhante Jesse Eisenberg, que já trabalhara com Allen em Para Roma Com Amor [2012]), um jovem judeu que decide mudar-se sozinho para Los Angeles, na esperança de colaborar na agência onde seu tio Phil (Steve Carell) tem o privilégio de representar nomes como Joan Crawford, Judy Garland ou Ginger Rogers. Lá, Bobby descobre os segredos da alta-socidade hollywoodiana (sempre com muito glamour) e apaixona-se pela humilde e empenhada Vonnie (Kristen Stewart, que deixou de ser a menina aborrecida de Crepúsculo), transformando-se na estrela dos seus sonhos. Como também é hábito, o amor sentido pelo casal protagonista será colocado à prova, afinal “o amor não é racional. Quem se apaixona perde o controlo”.

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De facto, a subtileza de Allen navegar pelas cidades que lhe são íntimas afeta o desenvolvimento das suas personagens, aqui de intensas emoções, com que o espetador facilmente simpatiza. Bobby quer conhecer detalhadamente Hollywood (a personagem acaba por visitar as assombrosas mansões de celebridades onde o sol não para de resplandecer) e vive fascinado com a estética cinematográfica (assistindo a musicais – como Swing Time com a dupla Astaire e Rodgers – ou a filmes-noir – como Women in Red, com a mítica femme-fatale Barbara Stanwyck, celebrando dois dos maiores géneros do pós-depressão, que oferecem algum escape ao real). 

Allen cria igualmente contradições entre os cenários de Nova Iorque e Los Angeles, seja nos usos e costumes, na música (suavemente composta por Vince Giordano) ou na maneira como os judeus são representados. No bairro de Brooklyn, a família está preocupada com a religião, já nos palácios de cinema todos estão preocupados qual a próxima estrela a descer dos céus e torna-se Deus entre os mortais.

Salvaguarda-se ainda as distintas tonalidades das cidades. As cores douradas são exclusivas de Hollywood, prova talvez de muito narcisismo submerso no star-system. Um dos momentos marcantes, para que não revelemos demasiado, é quando o casal protagonista conversa e as luzes apagam-se, a fim de provavelmente enfatizar um tanto de inocência dos mesmos. Já o cinza mostra as árduas condições de vida as personagens levam em Nova Iorque e o lado negro da família de Bobby, nomeadamente, o seu irmão ‘ovelha negra’ Ben (Corey Stoll), um gangster que não olha a meios para atingir os seus fins. Sem tardar, depreende-se que Café Society dispõe de umas das melhores direções de fotografia da carreira de Woody Allen, podendo mesmo valer uma nomeação ao Óscar a Vittorio Storaro.

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Outro aspeto curioso é forma como a estrutura narrativa se constrói, sem seguir uma matriz dita clássica (de início, meio e fim), mas preferindo quebrar a linha do tempo. Num instante, seguimos Bobby, como rapidamente cruzamos com sua irmã Karen (Sheryl Lee, a Laura Palmer de Twin Peaks), através de uma simples troca de correspondência, ou saltamos para qualquer figura socialité como foco. À vista disso, o filme de Woody Allen funciona como uma metáfora, embora que romanceada, em si mesmo. É como se se tratasse de um espelho da imprensa e das redes sociais contemporâneas,  onde é possível ter igual acesso à esfera privada e à esfera pública das celebridades (não foi Allen o realizador de Celebridades [1998], re-imaginação de La Dolce Vita?).

A câmara do cineasta movimenta-se pelas festas requintadas, de forma muito relaxante, mas sem deixar de nos surpreender e questionar como bem precisa. Destaque também aos momentos em que congela as suas estrelas femininas no ecrã. Por incrível que pareça, Woody Allen parece muito interessado em (re)conhecer o mundo das mulheres na sua obra (a ver Interiores, Blue Jasmine ou Setembro), salientando-se a opulência dos rostos de Kristen Stewart, Sheryl Lee e claro de Blake Lively, sem esquecer a figura materna discreta de Jeannie Berlin como Rose Dorfman, que influenciam as atitudes do protagonista.

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Café Society é um misto de elementos nostálgicos da carreira de Allen, que nos faz percorrer  todas as suas contradições: entre a comédia e o drama, faz-nos olhar para o passado devido à complexidade do presente e faz-nos caminhar na ponte que separa a fantasia da realidade. E no final da projeção? É bem provável que uma lágrima dourada percorra o seu rosto, significando essas lamentações de um determinado dia onde a fantasia, agora esvanecida, poderia ter assumido as proporções da própria realidade.

O MELHOR – O poder da narração melodramática de Woody Allen.

O PIOR – Esperar ainda um ano pelo próximo projeto do cineasta, que deverá contar com Kate Winslet e Justin Timberlake.


Título Original: Café Society
Realizador:  Woody Allen
Elenco: Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Blake Lively, Corey Stoll, Steve Carell, Parker Posey, Jeannie Berlin, Ken Stott
NOS | Comédia, Drama, Romance | 2016 | 96 min

Café Society
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VJ

 

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