"De Ilusão Também Se Vive" | © Twentieth Century Fox

Cinema Natalício | De Ilusão Também Se Vive (1947)

Também conhecido como “Miracle on 34th Street,” há poucos clássicos de Natal tão amados como “De Ilusão Também Se Vive.” Realizado por George Seaton a partir de uma história de Valentine Davies, o filme tem as suas origens na Hollywood do pós-guerra, tendo marcado a estreia de Thelma Ritter no grande ecrã e o primeiro papel de relevo da pequena Natalie Wood. O elenco conta ainda com Maureen O’Hara, John Payne e Edmund Gwenn que, pela sua prestação como Kris Kringle, ganhou o Óscar para Melhor Ator Secundário. O filme ainda ganhou dois prémios da Academia pelo seu argumento e foi nomeado para Melhor Filme. Em 1994, foi feito um remake com Mara Wilson e Richard Attenborough nos papéis principais.

Em 1947, uma América a recuperar do flagelo da Segunda Guerra Mundial caminhava seguramente para uma nova era de prosperidade e conservadorismo. Aliados a esses fatores, também uma nova cultura definida pelo consumo se afigurava no horizonte. O importante é o capital, a acumulação de riquezas e a compra desenfreada de tudo e mais alguma coisa. Em certa medida, estas ideias sempre tiveram posição central na identidade nacional dos EUA, mas o período específico parecia inspirar maiores extremos. Veja-se, por exemplo, como o Natal foi repensado nestes meados do século XX, a ditadura do presente impondo-se perante qualquer outro valor.

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© Twentieth Century Fox

Nesta conjetura, deparamo-nos com um filme onde as festividades são reconfiguradas como uma questão de fé, contrastando com a iconografia de uma América perdida nas compras com um fervor quase religioso. Por isso mesmo, faz todo o sentido que a narrativa tenha início no desfile do Dia de Ação de Graças todos os anos organizado pela Macy’s, essa grande loja que todos conhecem e que se converterá no mais importante cenário da trama. Enfim, tudo começa nessa parada, quando o Pai Natal contratado para ocupar um carro alegórico aparece podre de bêbado. O seu estado chama atenção de um velhote chamado Kris Kringle que depressa se queixa aos organizadores do evento.

Com sua barba branca e expressão afável, o senhor indignado é um perfeito substituto para o trabalho, depressa tornando-se no Pai Natal residente da loja na Rua nº 34 em Manhattan. Sem origem certa, Kringle depressa chama as atenções por boas e más causas. Por um lado, ele é um píncaro de virtude, ajudando os clientes independentemente das diretrizes dos chefes. Contudo, esses mesmos atos deixam colegas desconfiados e causam transtorno. Em negócios, não há lugar para espírito natalício. Além disso, tudo chega a um impasse quando, certo dia, Kringle insiste ser o verdadeiro Pai Natal perante as perguntas de uma menina curiosa.

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Ela é Susan, a filha de Doris, mulher pragmática que foi quem contratou o senhor misterioso em primeiro lugar. Ela tem vindo a educar a menina para não acreditar no Pai Natal e, perante a teimosia de Kringle, ameaça despedi-lo. Um drama desenrola-se nos bastidores do Macy’s, com ordens superiores para não se livrarem do homem que a clientela tanto adora, enquanto inquéritos psicológicos investigam a sua potencial loucura. Quiçá, no mundo moderno, ser-se caridoso, boa pessoa e tanto demais, é prova de insanidade – uma das conclusões mais inquietantes de um filme que, de forma geral, está aqui para confortar o espetador em jeito de abraço caloroso.

Depois de uma agressão, Kris Kringle é enviado para um hospital psiquiátrico e acaba por se ver num julgamento onde tem que lutar pela sua liberdade. A história de Doris e Susan volta a colidir com os problemas do Pai Natal com o envolvimento de Fred Galley, advogado com quem a mãe solteira está enamorada. Acontece que, com as atenções mediáticas, o caso em tribunal tornou-se num circo em que a existência da figura mágica se torna na questão principal. Será possível provar que o Pai Natal é ilusão? Será que isso é bom? Afinal, de ilusão também se vive e a crença em algo maior é fonte de esperança, de propósito necessário para continuar e seguir em frente.

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© Twentieth Century Fox

Apesar de se centrar no maior ícone do Natal laicizado, o filme torna-se numa das histórias mais espirituais da Hollywood Clássica, ponderando a irrelevância da verdade quando se fala de fé. Há certamente muito na trama que aponta para a magia de Kris Kringle, mas a dúvida persiste, chegando-se à conclusão que independentemente de ele ser ou não ser Pai Natal, há valor e muito para amar no conto-de-fadas. Não obstante o sentimentalismo que trespassa o projeto, estas complexidades são bem articuladas pelo guião, moduladas por um realizador hábil e, acima de tudo, chegam ao rubro através de um elenco insuperável.

Aplaudimos todos os atores, mas dois merecem especial celebração. Em primeiro lugar, temos Natalie Wood que aqui concebe um dos melhores desempenhos infantis na História do Cinema. Entre incredulidade e a vontade infantil de experienciar algo mágico, sua evolução dá um arco narrativo à fita e, pelo fim, serve como veículo para a emoção forte, avassaladora, assombrosa. Edmund Gwenn também impressiona e bem mereceu o Óscar. No trabalho do intérprete, duas ideias coexistem – Kris Kringle como o verdadeiro Pai Natal e como um senhor ardiloso a fingir ser o rei da quadra. Há muito carisma em jogo, mas o que mais surpreende é a ambiguidade retratada. Fazer da bondade algo eletrizante é difícil em cinema, mas Gwenn fá-lo como se fosse o gesto mais fácil do mundo. Não admira que, de entre todos os homens que já interpretaram a personagem, ele ainda seja por muitos considerado o melhor, o Pai Natal definitivo.

“De Ilusão Também Se Vive” está disponível no Disney+. Também podes encontrar o filme, para aluguer ou compra, no Apple iTunes, Google Play e Youtube.

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