"Krampus: O Lado Negro do Natal" | © NOS Audiovisuais

Cinema Natalício | Krampus: O Lado Negro do Natal (2015)

O terror natalício já é tradição em Hollywood, remontando aos anos 70 quando filmes como “Black Christmas” ajudaram a redefinir o género. Um exemplo mais recente desse fenómeno é “Krampus: O Lado Negro do Natal,” uma fantástica comédia negra com muita carnificina e monstros horripilantes, efeitos imaginativos e um toque de tragédia festiva. Michael Dougherty realiza, enquanto o elenco de luxo conta com nomes tão sonantes como Adam Scott e Toni Collette. Se queres celebrar o Natal de forma inortodoxa, quiçá com cheirinhos de Dia das Bruxas metidos pelo meio, este é o filme perfeito para ti.

Dando uma olhadela à filmografia do cineasta Michael Dougherty, o crítico poderia diagnosticar uma certa obsessão com as festividades mais amadas pelo público Americano. Até hoje, dois dos seus projetos de maior sucesso são comédias de terror centradas em celebrações distorcidas por forças sobrenaturais. Em “A Noite de Todos os Medos” foi o Halloween, e em “Krampus” é o Natal. Retrocedendo ainda mais na sua carreira, encontramos curtas-metragens como “Season’s Greetings” no mesmo tipo de exploração, contrapondo a miséria infligida às personagens com uma época onde se presume a felicidade de todos.

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Esse paradoxo é a ideia basilar de “Krampus,” o filme que aqui discutimos. De facto, muita da fita se dedica à evisceração de um certo tipo de alegria superficial, apelando à iconografia natalícia num esforço subversivo. Indo ainda mais longe, diríamos que o advento do terror não é o primeiro ponto de expetativas contrariadas. Muito antes do primeiro ataque da criatura titular, já a comédia ganhou o gosto pela sátira, num tom abrasivo mais próximo da paródia do que do idílio. O alvo das piadas sublimadas, neste caso, é o próprio aparato do ‘filme de Natal’ enquanto conceito comercial. A mestria de Dougherty está no balanço entre amor à imagética e sua interrogação temática.

Por outras palavras, podemos gozar muito com a vacuidade das Boas Festas, mas o amor pela quadra não é por isso obliterado. A tensão rege a estética de “Krampus” e delineia também o arco narrativo das personagens. São elas um clã disfuncional que, como tantas outras famílias, se reúne em tempos de Natal para celebrar. Encontramo-los num cenário digno de postal, esses bairros suburbanos cobertos de neve que aparecem em todas as histórias deste tipo. Se recuássemos um pouco no tempo, poderíamos situar “Sozinho em Casa” neste mesmo milieu de classe-média-alta Americana, onde as superfícies contam mais do que a realidade das coisas.

Sarah e Tom Engel são os donos do casarão, um casal perfeitamente vulgar com origens austríacas no lado dele. De facto, Omi, a mãe do marido, vive no domicílio e ajuda a tomar conta dos netos que muito ama. São eles Beth, uma adolescente com queixume sempre na ponta da língua, e Max, um rapaz estranho e cabisbaixo cuja relação com as festas tem-se vindo a deteriorar. Não só ele ainda acredita no Pai Natal, mas também insiste em seguir todas as tradições da época, inspirando o escárnio dos seus primos. Esses parentes indesejados vêm passar a Ceia a convite de Sarah, trazendo mais um quinteto de almas infelizes para debaixo do mesmo telhado.

Há um grande jogo de arquétipos nas dinâmicas familiares, tensões pintadas a traço grosso e brilhantemente interpretadas por um elenco capaz de conjugar melodrama com humor afiado. Através do seu trabalho, as personagens alcançam credível humanidade, transcendendo a natureza cartoonesca do seu fado. Como Sarah, Toni Collette é especialmente magnífica, complicando a vacuidade classista da personagem até desenterrar dores antigas nos esboços de snobismo. Adam Scott faz bom trabalho como seu marido cinematográfico, enquanto David Koechner e Allison Tolman carregam no pedal, levando as suas personagens numa direção cáustica e corrosiva.  O melhor de tudo é que até os miúdos sucedem na performance.

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Especiais aplausos para Emjay Anthony que, em Max, tem que delinear uma personalidade derrotada pela pressão familiar, levado a um epíteto de misantropia tal que o seu desejo tem o poder de convocar o Krampus. No instante em que a inocência do menino esvanece, também morre o último vestígio de espírito natalício na família Engel – crime capital a ser punido por um juiz do além. Ao princípio, não vemos esse monstro do folclore Austro-Bávaro que é uma espécie de anti-Pai Natal. Conseguimos somente denotar uma neblina espessa a cobrir a casa. Com ela vem uma tempestade de neve imensa, a perda de eletricidade e gradual destruição da realidade em si.

A cada minuto que passa, mais o filme se afunda num poço de fantasia sórdida, efeitos estapafúrdicos suplantando o drama familiar sem nunca o apagar por completo. Esse esqueleto emocional ajuda “Krampus” a manter os pés assentes na terra, fazendo com que cada perda seja sentida. O sentimento de luto anda de mão dada com a iconografia pervertida do monstro e seus ajudantes, seu ataque inspirando uma claustrofobia atroz que alcança seu máximo potencial numa coda trágica. Tendo a produção sido concebida para escapar às designações ‘só para adultos’ no mercado Americano, algumas concessões criativas tiveram de ser feitas, sacrifícios de gore e violência. Felizmente, Dougherty e a equipa conseguem caminhar essa corda bamba, chegando ao fim com um filme de que se podem orgulhar. Se houvesse justiça no mundo, “Krampus” seria um clássico moderno da época festiva.

“Krampus: O Lado Negro do Natal” está disponível no SkyShowtime. Também podes alugar o filme através do Apple iTunes, Google Play, Rakuten TV e Youtube.

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