"Tarados de Todo" | © TriStar Pictures

Cinema Natalício | Tarados de Todo (1994)

Também conhecido como “Mixed Nuts,” “Tarados de Todo” é uma comédia estrambólica de origens gálicas. Realizado e escrito por Nora Ephron, o projeto caracteriza-se por um humor muito negro e um elenco de luxo que inclui Steve Martin, Madeline Kahn, Rita Wilson, Rob Reiner, Juliette Lewis, Liev Schreiber e Adam Sandler num dos seus primeiros papéis com projeção. Em 1994, o filme foi recebido com hostilidade pela crítica mundial, mas, com a passagem dos anos, alguns cinéfilos têm vindo a redescobrir a paródia, concedendo-lhe nova vida. Pelo menos, os American Comedy Awards reconheceram alguma qualidade na produção, nomeando a maravilhosa Kahn para o seu Prémio de Atriz Mais Divertida.

Em meados dos anos 90, parecia que Hollywood estava a viver uma nova moda – fazer remakes em Inglês de comédias de origem estrangeira. “Casa de Doidas” de Mike Nichols é o exemplo mais famoso, transpondo a narrativa drag da Riviera Francesa para uma Miami em tons pastel. Contudo, antes desse triunfo, outras tentativas haviam sido estreadas com menos aclamação ou amor, tanto dos críticos como das audiências. Referimo-nos a “Tarados de Todo,” tentativa trapalhona de reimaginar “Le Père Noël est un ordure,” originalmente estreado em 1982 com realização de Jean-Marie Poré, Anémone e Josiane Balasco nos papéis principais.

cinema natalicio tarados de todo mixed nuts
© TriStar Pictures

Esta versão da narrativa leva-nos para a solarenga Califórnia, paisagens costeiras mergulhadas num inverno que mais parece verão. Por entre patinadores a transportar árvores de Natal pela avenida junto à praia, Philip emerge como um herói inusitado e muito pouco pronto para a glorificação de protagonista. Apesar da época festiva, ele tem muito trabalho pela frente, sendo que trabalha numa linha telefónica de auxílio para pessoas com ideação suicida. Tempos de festa são sempre temporada ocupada para os trabalhadores, mas os seus problemas não se ficam por aí. Afinal, estamos perante uma paródia em jeito screwball – o caos é rei!

Não obstante as boas intenções da agência caridosa, o senhorio está desejoso de os expulsar do apartamento virado escritório. Há meses que não pagam a renda e o circo de neuroses que compõe a força laboral não será especialmente atrativo para os outros inquilinos. Mal começa o dia e já Philip está em paroxismos de stress, tentando sacar uma ajuda financeira da namorada que prontamente termina a relação. Há novo amante no horizonte, um verdadeiro psiquiatra que não passa a vida em telefonemas sem fim. Enfim, Philip e os colegas podem servir de ombro amigo a suportar o choro de estranhos, mas quem parece pronto a chorar são eles mesmos.

Lê Também:   20 filmes odiados pelas razões erradas (Parte I)

Pior ainda, as crises alheias são poucas e mais estranhas que nunca. Aparentemente, há um serial killer nas redondezas e uma mulher misteriosa está a tentar obter a localização dos escritórios de Philip e companhia. A certa altura, junta-se ao tumulto uma mulher grávida em perseguição do seu namorado ex-presidiário e depois torna-se o elevador do prédio numa cela para uma das telefonistas azaradas. Cada cena traz nova loucura, mais um percalço a precipitar as personagens para um clímax ensandecido onde a metáfora natalícia tudo consome qual buraco negro em tons de verde e vermelho. O último tableau, por exemplo, é versão paródica de um presépio pop, completado com Pai Natal fugidio.

Apesar do que o material promocional promove, Steve Martin não é especialmente estapafúrdio no papel de Philip, representando um centro de sanidade neste turbilhão lunático, sua ansiedade servindo como o olho do furacão. Isso não quer dizer que a estrela é menos brilhante do que o costume. Muito pelo contrário, Martin tira partido do papel mais reativo para trabalhar na química com os colegas de cena, extraindo humor da energia errática do elenco em comunhão. Rita Wilson está muito mais perto dos rubros da loucura como uma das colegas de trabalho enquanto Juliette Lewis é uma Virgem Maria pervertida no papel da hedonista engravidada.

cinema natalicio tarados de todo mixed nuts
© TriStar Pictures

É o esforço interpretativo que redime alguns dos elementos mais duvidosos do enredo, conferindo mais humanidade ao remake Americano do que se registava no original Francês. Este segundo filme é mais gentil para com as personagens, algo que resulta da escrita, mas principalmente dos atores. Liev Schreiber podia ter feito de mulher transgénera com odiosos exageros, mas até consegue encontrar um tenor de sinceridade. Muito o ajuda Adam Sandler, em gazeta do “Saturday Night Live” e dando os seus primeiros passos no mundo do cinema. Seu semblante apaixonado é o perfeito de açúcar para esta receita ácida onde a depressão sazonal é o ingrediente principal.

Contudo, não há maior triunfo em “Tarados de Todo” que a maravilhosa Madeline Kahn. Ela é razão suficiente para se recomendar o filme, singrando aqui um dos seus últimos grandes desempenhos antes da morte prematura em 1999. Como a Sra. Blanche Munchnik que fica presa no elevador, a atriz é um espanto de timing afiado e improvisações delirantes. A seriedade inusitada é uma das suas melhores armas, mas a espiral de angústia exacerbada pelo prédio a cair aos bocados é o verdadeiro píncaro da personagem. Sozinha na sua prisão de sobe-e-baixo, Munchnik converte os pedidos de ajuda em canção, gritos subsumindo numa canção de gente doida. Que delícia, que genial comediante, que prestação estupenda. Verdade seja dita, o filme esteve mais próxima de Razzie do que de Óscar quando estreou, mas Kahn merecia um homenzinho doirado pelos seus esforços.

Podes alugar ou comprar “Tarados de Todo” no Apple iTunes. Apesar da má reputação, dá-lhe uma chance e quiçá tenhas uma surpresa agradável.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *