Isaki Lacuesta © Curtas de Vila do Conde

28ª Curtas de Vila do Conde | Isaki Lacuesta em entrevista exclusiva

A 28ª edição do Curtas de Vila do Conde tem inicio no próximo dia 3 de outubro e a MHD entrevistou Isaki Lacuesta, cineasta espanhol em retrospetiva. 

A edição do Curtas de Vila de Conde 2020 tem início no próximo dia 3 de outubro e apresentará em retrospetiva o trabalho de Isaki Lacuesta, cineasta catalão reconhecido pelo seu trabalho no documental, na ficção além de ser produtor, cenógrafo, ensaísta, escritor e curador. A projeção dos seus filmes na secção InFocus será acompanhada pela inauguração da sua exposição.

Tudo isto acontece a partir das 16h no próximo dia 3 de outubro, onde a “Solar – Galeria de Arte Cinemática” irá expor os trabalhos de Lacuesta. A exposição realçará a diversidade da obra do artista e cineasta catalão, responsável por filmes como “La Leyenda del Tiempo” (2006), “Los Pasos Dobles” (2011), “La Próxima Piel” (2016) ou “Entre dos Aguas” (2018). A apresentação de alguns dos seus filmes acontecerá desde o dia 6 ao dia 9 de outubro. Para fechar o ciclo, precisamente no dia 9, o realizador estará no Teatro Municipal de Vila do Conde para um debate com o público marcado para as 16h30. Segundo a organização do Curtas:

Isaki Lacuesta é um artista e cineasta com uma obra considerável, tanto no campo do cinema, com filmes que granjearam vários prémios importantes, como no das artes-plásticas, com um currículo de exposições nalguns dos mais importantes centros de arte contemporânea. Multifacetado, prolífero, cuja obra se vai desenvolvendo segundo a metamorfose do processo criativo, Isaki Lacuesta agrega muitas influências, por exemplo do cinema expressionista alemão, e beneficia de diversas colaborações, sobretudo de músicos, mas também, por exemplo, da bailarina e coreógrafa Rocío Molina.

Abaixo, poderás ler a conversa da Magazine.HD com o cineasta, onde falamos sobre a sua cinematografia, a exposição do seu trabalho no Curtas de Vila do Conde e até, as suas principais referências.

Entrevista a Isaki Lacuesta no âmbito do Curtas

Isaki Lacuesta
Israel Gómez Romero em frente, Isaki Lacuesta ao centro e Francisco José Gómez Romero atrás na rodagem do filme “Entre dos Aguas” © BTeam Pictures

MHD: Como é que se sente com a apresentação dos seus trabalhos (filmes e exposição) na secção “InFocus” da 28ª edição do Curtas de Vila do Conde?

IL: Sinto-me bastante animado e até grato. Nunca estive em Vila do Conde, mas durante anos vários colegas contaram-me sobre a estrutura e a programação do festival. Sei mesmo que vários dos meus cineastas favoritos já passaram pelo festival, como por exemplo, Apichatpong Weerasethakul, Gus Van Sant, Tcherkassky ou minha colega Lois Patiño. É um prazer estar na cidade e num festival com tanto renome.

MHD: Quão interessante seria chegarmos à bilheteria de um cinema e comprar um bilhete para uma sessão só de curtas metragens? Isto não acontece muitas vezes, por isso acha que as curtas-metragens ainda agradam ao público? 

IL: Como podem ver pela minha própria filmografia, nunca penso no cinema em termos de duração ou dimensão, mas sim de intensidade. Vários dos meus filmes favoritos da história do cinema são curtas-metragens, como “One Week“, de Buster Keaton (que recentemente celebrou o 100º aniversário do início das suas filmagens), “Window Water Baby Moving” de Stan Brackage, “Um cão andaluz” de Luís Buñuel ou muitos dos melhores filmes de Maya Deren, Agnès Varda, Chris Marker, etc. De qualquer forma, é uma lista sem fim, mas que vale a pena mencionar porque só a partir dela poderiam ser programadas infinitas sessões de cinema que conquistariam qualquer pessoa.

MHD: Então porque é difícil ver curtas-metragens no cinema comercial? 

IL: Talvez porque entrar em novos mundos a cada dez minutos requer mais concentração e uma mente mais aberta do que assistir uma série por várias semanas. Pelo mesmo motivo, os livros de contos interessam menos do que os romances e, apesar disso, Jorge Luis Borges, que nunca escreveu romances, continua a ser um autor essencial. Em todo caso, é importante entender que nem tudo tem que chegar ao grande público, o importante é que os telespectadores (poucos ou muitos) sejam os certos para provocar uma reação em cadeia.

MHD: Até agora já fez cinema e televisão e trabalhou noutras áreas artísticas. Onde considera ser mais fácil assumir uma linguagem de autor e onde é mais fácil assumir uma linguagem comercial? Onde o financiamento entra nesses domínios?

IL: Gosto de fazer incursões no cinema, na televisão, no teatro, nos museus, em qualquer lugar. Neste sentido, convém contornar os algoritmos das plataformas: entender qual é o público que nos espera e dar-lhe algo estranho, pertencente a outros campos culturais diferentes ao seu. Se não trabalharmos assim, não poderá haver alargamento. O cinema de autor para um público alternativo pode ser tão inócuo quanto o cinema comercial para um público mainstream.

Nestes tempos em que tudo está programado, para que possamos interagir apenas com pessoas da nossa mesma classe social, da nossa ideologia política e com os mesmos gostos, gosto da ideia de trabalhar com o inesperado, com mentalidades e tradições que sejam alheias às nossas.

Isaki Lacuesta
Isaki Lacuesta por Isa Campo © Isa Campo

MHD: O seu estilo cinematográfico tem muito de documental, de ficção e até de realismo como fica evidente em “La Leyenda del Tiempo” e na sua sequela “Entre Dos Águas”. Onde estão as diferenças entre estes estilos de cinema e onde estão as suas semelhanças? 

IL: Às vezes interessa-me transmitir uma grande sensação de hiper-realismo, como em “Entre Dos Águas” e às vezes pretendo trabalhar a partir da fábula e do mito, como em “Los Pasos Dobles“. Não me parecem categorias estagnadas, mas sim uma questão de grau, como nos ensinaram os irmãos Lumière e George Méliès.

Palavras como documentário e ficção são tão polissémicas que cada pessoa as usa de forma diferente, o que as tornou praticamente ininteligíveis. Lembro-me perfeitamente quando dava aulas que era mais útil trabalhar certas relações terminológicas entre o “previsto / imprevisto” ou entre o “escrito / não escrito”, “retrato / relato”, etc. Tenho feito filmes cujo género, na verdade, é o do retrato, um género comum na pintura que, por outro lado, curiosamente, nunca aparece nas designações do cinema, embora a presença do retrato seja muito frequente. Penso, por exemplo, no retrato de John Wayne que, por meio do western, acabou por participar em vários filmes de John Ford, com quem filmou ao longo de algumas décadas.

MHD: Como é o seu processo de criação artística? Onde termina o autor e onde começa Isaki Lacuesta como cidadão político e intervencionista, muito visível no filme “Los Condenados”?

IL: Não sigo processos fixos e estou sempre a mudar de metodologia. Parece-me cada vez mais claro que uma missão importante dos cineastas é trabalharem como infiltrados, como agentes duplos encarregues de disseminar ideias e formas contrárias às que se esperam de nós num determinado contexto.

MHD: Em Portugal temos muitos festivais de cinema com filmes nacionais que fazem sucesso, mas quando os filmes são lançados nas salas mais comerciais acabam por ser esquecidos ou nem sequer chegam a todas as cidades portuguesas. Por que isso está acontecer a na Espanha e em Portugal? 

Acho um erro usar o pensamento dos grandes centros comerciais e do cinema comercial para julgar os resultados de um filme com vocação artística. É como se o pobre Steven Spielberg não conseguisse dormir e se sentisse um fracasso por não o terem programado em Vila do Conde ou por não o terem seleccionado nos programas de filmes experimentais. Quando penso em Monteiro, Pedro Costa ou João Pedro Rodrigues, que me parecem muito claros que as suas carreiras são de um sucesso estrondoso e extraordinário. São realizadores que marcaram a vida de muitas pessoas em todo o mundo. E, além disso, haveria que pedir-lhes algo tão vulgar como ganhar dinheiro?

Isaki Lacuesta

MHD: Qual a tua memória mais antiga em relação ao cinema e quais são os teus filmes preferidos?

A minha primeira recordação do cinema é algo confusa, pois lembro-me perfeitamente de “Star Wars” , embora o meu pai insista que a primeira vez me levou ao cinema foi para ver uma reposição do “2001 – Odisseia no Espaço”. Acho que esta confusão involuntária, em que não sabemos quem tem razão, acabou por ser a chave do que procuro no cinema. Sobre os meus filmes favoritos, já mencionei vários, mas como estamos em Portugal, posso acrescentar “Branca de Neve” de Monteiro, ou os filmes de Raoul Ruiz durante o seu período português.

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