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Django Libertado, em análise

 

Django Libertado - Poster Título Original: Django UnchainedRealizador: Quentin Tarantino

Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio e Samuel L. Jackson

Género: Western/Ação

CTW | 2012 | 165 min

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Narra a lenda que Wotan, um poderoso e irado Deus, aprisionou por qualquer razão a sua bela filha Broomhilda no cume de uma grande montanha. Uma porção de terra permanentemente guardada por um dragão vigilante e trancada por um anel de fogo mortífero. Reza ainda a lenda que Broomhilda deverá permanecer na montanha até que um destemido herói a consiga libertar. Siegfried é esse herói. Sobe a montanha porque não a teme. Mata o dragão porque não o teme. E atravessa o fogo porque Broomhilda vale a pena.

O conto popular alemão que Dr. King Schultz (Christoph Waltz) relata a Django (Jamie Foxx) não poderia descrever melhor aquilo que é “Django Libertado”.

Não nos enganemos pelo ilusório carácter hiperbólico da lenda em oposição à nova obra de Tarantino. Na verdade, a montanha é apenas a metáfora da escravatura. Escravatura penosa, dolorosa, desgastante, que Django decide atravessar porque não tem medo dela. E o imponente dragão cuspidor de fogo é a personificação de Stephen (Samuel L. Jackson), o guardião de Candyland, que Django mata porque não tem medo dele. O fogo é simplesmente a recriação lendária de Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), o único ser que desagrega Django de Broomhilda. Mas Django atravessa-o porque Broomhilda vale a pena.

Apesar de todas as homenagens cinematográficas e referências históricas, “Django Libertado” é, no seu esqueleto narrativo, uma simples e inquebrável história de amor. Porque é, na sua essência, a jornada de um Siegfried Negro, pela libertação da sua Broomhilda.

Django Unchained

Sendo assim, estamos perante o escravo Django (Jamie Foxx), que é  libertado pelo caçador de recompensas alemão Dr. King Schultz (Christoph Waltz), tornando-se seu ajudante, na tarefa de amealhar corpos vivos ou mortos dos criminosos do Sul dos Estados Unidos. Em troca, o Dr. Schultz promete ajudá-lo a libertar sua esposa Broomhilda (Kerry Washington), que foi vendida como escrava para o excêntrico Calvin Candie (Leonardo DiCaprio).

Por dentro dos seus exímios diálogos que fluem através de um argumento virtuoso (como é habitual em Quentin Tarantino), há uma história que apesar de ser apresentada de uma forma muito convencional, é capaz de surpreender pela sua riqueza cultural. É essa imensidão de alusões culturais que transformam “Django Libertado” numa obra dotada de uma índole clássica.

É por demais evidente a homenagem de Tarantino aos  westerns spaghetti (zooms agressivos nos rostos dos personagens, violência proeminente e nada sensível, os pistoleiros, anti-heróis e justiceiros…) apesar de haver uma deslocação da ação da Europa para o Texas e Mississippi para que Tarantino possa aprofundar um dos temas mais importantes e contraproducentes da História norte-americana, a escravatura. Há também referências clarividentes ao movimento cinematográfico blaxploitation, que surgiu nos anos 70 na América do Norte, ou até aos westerns americanos, seguindo-se à risca as leis do faroeste.

 

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E toda essa homenagem visual e conceptual auxilia o génio de Tarantino a ridicularizar (no bom sentido do termo) a desconstrução histórica que cria em diversas passagens. Tal como em “Sacanas Sem Lei” onde Quentin Tarantino refaz a história da morte de Hitler, num sensacional rasgo de inspiração, aqui coloca nas mãos de um negro a cavalo a capacidade de fazer justiça contra a escravidão negra. E se isso não for suficiente, relembremos a manipulação histórica na referência aos Ku Klux Klan (que na verdade só surgiram cerca de 7 anos após o espaço temporal do filme) mas que resultam numa das cenas mais hilariantes de toda a obra.

Jamie Foxx, a fazer lembrar Clint Eastwood nos wasterns de Sergio Leone, recria um Django pouco conversador, mas sempre capaz de expor os seus sentimentos (para o bem e para o mal). Mas o destaque nem vai para Jamie Foxx. Christoph Waltz, que já havia brilhado em “Sacanas Sem Lei”, é notável como o culto ‘dentista’ Dr. King Schultz; Leonardo DiCaprio (o que terá de fazer mais para cair nas graças da Academia?), como vilão malévolo e extravagante é assombroso; e Samuel L. Jackson, num dos seus melhores papéis da carreira, compõe com magnificência o papel de um negro que consegue ser mais racista do que os brancos.

 

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Com temas reciclados de algumas composições de Ennio Morricone e outras sonoridades mais atuais, a banda sonora de “Django Libertado” é uma miscelânea de sons que, embora não pareçam sempre bem entrosados com a narrativa, transpiram de qualidade, como aliás todas as componentes técnicas, onde se destaca também a sanguinária e paisagística fotografia.

Não é por ser o mais longo dos filmes de Tarantino, mas em “Django Libertado” sente-se o tempo a passar. E esse sentimento adensa-se perto do fim, no qual a narrativa sofre de falsos finais que prolongam consideravelmente o arco narrativo de Django. O filme beneficiaria de menos 15 ou 20 minutos que deveriam ter sido cortados na sala de montagem (o cameo do realizador americano deveria ter ficado de fora, porque exacerba todas as suas debilidades enquanto algo que não é – ator).

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Temos ainda um cameo delicioso de Franco Nero (o Django original do filme de 1966) que a certa altura pede a Django (Jamie Foxx) que lhe diga o seu nome. Após soletrar letra por letra, conclui: “The ‘D’ is silent”. Ao qual o Django de Nero responde: “I know”.

É mais do que um cameo, é ironia. Um Django a ensinar a Django como se diz o próprio nome.

O mesmo acontece no cinema de Tarantino. “Django Libertado” transpira a Tarantino (que parece cada vez mais assumir um género particular no cinema contemporâneo). Não precisamos de falar da violência, do sangue ou dos diálogos e citações memoráveis. Isto é Tarantino e não precisa de ser explicado. Nós já sabemos.

DR

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