Do Livro à Tela – A Vida de Pi

 

a vida de pi

Do Livro à Tela

A Vida de Pi

É um dos livros mais falados dos últimos anos e chegou agora ao cinema para nos deslumbrar. Muitos diziam que seria impossível adaptar este livro ao cinema (muitos disseram o mesmo sobre “O Senhor dos Anéis” e “Cloud Atlas”), mas Ang Lee provou o contrário.

Aplaudido pela crítica como um dos grandes livros sobre a solidão humana, a obra de Yann Martel é adorada por muitos e evitada por outros. Ang Lee não tinha um trabalho fácil pela frente mas as 11 nomeações para os Oscars, onde se inclui “Melhor Argumento Adaptado”, mostram o excelente trabalho do realizador e dos argumentistas.

Mas então, quais são as diferenças? Iremos perceber um pouco o que difere entre as obras, tentando não revelar muito da história, o que não será fácil.

Em primeiro lugar devemos dizer o seguinte: existem várias diferenças, mas a grande maioria com pouca importância para o desenrolar da história. Outro ponto a assinalar é que essas mudanças são quase todas compreensíveis, tendo em conta estarmos perante uma forma de arte que tem de nos dar muito em pouco mais de duas horas, tendo um “tempo de vida” muito inferior ao livro.

A parte inicial do filme, onde personagens e mundo são apresentados, é muito mais pequena do que no livro. Martel usou muitas páginas, e bem, para desenvolver a personagem Pi, desde as suas experiências de infância, passando por traumas e amizades. Esta diferença, compreensível devido ao “tempo”, faz com que a ligação a Pi seja muito mais forte no livro, e isso influenciará a forma como iremos olhar para a sua história. No entanto esta diferença teria de existir, e no global devo dizer que a adaptação consegue transmitir o essencial ao público.

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A segunda diferença está na introdução da rapariga antes de Pi começar a sua viagem.  No livro, Pi está muito mais “virado” para os seus amigos e religião, mas no filme temos o aparecimento de uma rapariga, que ajuda a criar uma maior sensação de separação quando Pi começa a sua viagem. Também a relação entre Pi e a sua mãe está alterada, e novamente está mais forte no filme, levando a momentos de tristeza mais fortes. Posto isto, é seguro dizer que a primeira parte da história é mais sentimental no filme enquanto o livro explora mais os pensamentos de Pi sobre a vida/religião.

Uma das maiores diferenças está em tudo o que o livro nos ensina sobre a vida selvagem. Pi apresenta-se como um grande conhecedor sobre animais e este fator perde-se no filme, levando a uma diferença significativa: no livro, Pi consegue um controlo maior sobre o seu companheiro tigre. Sendo assim, aos pouco nota-se que a tensão entre os dois vai desaparecendo muito mais depressa do que no filme, levando a certos momentos em que sentimos nestas páginas uma certa confiança entre os dois.

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Esta relação terá um grande momento quase no fim da história, sendo que este não aparece no filme, e se torna numa das maiores diferenças: Devido a fome e sede, no livro Pi perde a visão e a relação entre ambos torna-se quase metafísica. Este pequeno capítulo é o primeiro momento em que Pi se mostra como um narrador no qual não podemos confiar, pois a sua mente perdeu o controlo. Esta pequena injeção de desconfiança à mente do leitor será muito importante para o que virá a seguir e poderá levar-nos a tirar outras conclusões, pois estaremos mais atentos.

Também graças ao fator “tempo” a ligação entre Pi e o seu companheiro selvagem torna-se mais forte, e tal facto nota-se no pouco tempo em que Pi fica na ilha. No livro essa estadia é muito maior, aumentando a ligação entre ambos.

O filme, com paisagens deslumbrantes e momentos de rara beleza (todos recordarão por muito tempo uma baleia…) consegue ser mais belo do que o livro, tornando-se por vezes quase paradisíaco dentro do possível para esta história. O livro, apesar de ter descrições de grande beleza, fica atrás do filme, pois a verdade é que este filme é mais soft. O livro é duro, por vezes cruel, e mostra o que é preciso fazer para se sobreviver, e aqui o realismo atinge o leitor com descrições fortes e que nos levarão a pensar sobre os limites que poderão ser quebrados perante a necessidade de sobrevivência.

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Para acabar, o final parece-me melhor no filme. A forma como Ang Lee “monta” os minutos finais torna mais fácil a compreensão do leitor e dirige-nos mais facilmente para a questão principal que não irei aqui revelar. No entanto, no filme existe uma diferença na forma como Pi acaba a sua narrativa, e este pequeno pormenor poderá levar-nos a ideias diferentes sobre o que realmente aconteceu. E mais não revelaremos sobre este tema.

No geral o filme é mais belo e menos doloroso. A falta de contacto direto com os pensamentos de Pi, aos quais temos acesso no livro, tornam o filme menos íntimo (na relação que temos com Pi) e também menos angustiante, pois na leitura sentimos de forma mais marcante o quanto custa sobreviver e tudo o que Pi teve de fazer para conseguir comer e beber…

São duas obras de grande qualidade. O livro retrata a solidão/sobrevivência humana com grande realismo, e o filme leva-nos para um mundo onde a beleza se mistura com angústia, levando-nos a questionar muito… não só o que vemos, mas também onde se misturam física e metafísica.

Se gostaram do filme, o livro será uma excelente compra para aprofundar algumas questões.

 

LP

 

 

5 thoughts on “Do Livro à Tela – A Vida de Pi

  • Bom dia. Novamente parabéns por este texto, que juntamente com as críticas de cinema, é algo que não perco. Gostaria que me esclarecessem uma dúvida: o blog Ler y Criticar do Sr. Luis Pinto, autor desta rubrica, é o mesmo blog que está em votação para melhor do ano no site Aventar na categoria de Livros e Literatura? Apesar de achar que sim, reparei que a Mag HD não incentivou ao voto e por isso faço a pergunta.
    Se sim, terei todo o gosto em votar e acho mesmo que a Magazine deveria incentivar o voto para juntar à sua lista de prémios.

    Aguardo a vossa resposta.

    Felicitações!

  • Bom dia. Novamente parabéns por este texto, que juntamente com as criticas de cinema, é algo que não perco.
    Gostaria que me esclarecessem uma dúvida: o blog Ler y Criticar, do Sr. Luís Pinto, autor desta rubrica, é o mesmo blog que está em votação para Melhor blogue do Ano no site Aventar na categoria de Livros e Literatura? Apesar de achar que sim, reparei que a Mag HD não incentivou os seus leitores a votarem e por isso a dúvida se será o mesmo.

    Se sim, terei todo o gosto em votar e acho mesmo que a Magazine deveria pedir aos seus leitores para votarem e seria fácil ganhar sendo esta uma comunidade tão grande. Também seria mais um excelente prémio para juntar aos que a Magazine HD já venceu também a nível nacional.

    Aguardo a vossa resposta.

    Felicitações!

  • Ainda não li o livro mas tenciono ler, para poder comparar com o filme, de que gostei muito. Este comentário ajudou bastante. Tb descobri que houve uma grande polémica à volta do livro, porque Yann Martel foi acusado de plagiar o escritor brasileiro Moacyr Scliar, que escreveu em 1981 “Max e os Felinos”. Moacyr faleceu em 2011.

  • É sempre com muito gosto que apoiamos um elemento da nossa equipa. E quando são dois, como foi o caso ainda melhor …
    Obg

  • Em geral, concordo. O filme é, de facto, menos íntimo e angustiante. No livro, o leitor fica muito mais preso à história e à personagem. Tem a capacidade de criar uma proximidade única entre a vítima e o leitor, mas suponho que seja natural que todos os livros tenham essa vantagem em comparação com as suas adaptações cinematográficas. Em relação à angústia que provoca, no entanto, sinto que é necessária e é o que torna a história tão marcante para quem a experiencia. O livro provoca um certo choque, principalmente no final, mas tal não só é necessário como confere mais beleza e pujança a uma história de sobrevivência. O filme prima sobretudo por aproveitar o dom da imagem ao máximo, superando tudo o que poderemos ter imaginado ao ler a descrição verbal. De um modo geral, considero o livro melhor, até porque o ritmo da história adapta-se melhor a esta forma, mas o filme está também muito bem conseguido.

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