Dumbo © NOS Audiovisuais

Dumbo, em análise

Dumbo” é o novo remake de um clássico Disney assim como a mais recente obra de Tim Burton, que já havia também sido responsável por reinterpretar “Alice no País das Maravilhas” numa nova versão live-action em 2010.

Hoje em dia é difícil acreditar que Tim Burton alguma vez foi uma das vozes criativas mais idiossincráticas e audazes no panorama do cinema americano. Outrora um animador desiludido a trabalhar para a Disney, Burton abandonou esses estúdios icónicos para arriscar ser um cineasta independente e veio a desenvolver uma estética que muito ia buscar ao expressionismo alemão e aos clássicos de terror de Hollywood. O macabro e o grotesco andavam, no seu cinema, de mãos dadas com sensibilidades infantis e um gosto pelas possibilidades mais fantasiosas da sétima arte. Suas histórias de párias sociais chegaram rapidamente ao mainstream, com blockbusters requintadamente desenhados e estrelas de cinema a rebentar pelas costuras.

Contudo, aclamação e abundância de recursos nem sempre beneficiam uma mente criativa. Um cineasta que outrora brilhava pela originalidade tornou-se num realizador repetitivo, dependente de fórmulas, sem contenção ou disciplina. A última década na carreira de Burton tem sido marcada por filmes visualmente ostentosos, mas vazios, histórias de pessoas marginalizadas que são hipocritamente produzidas pelos estúdios mais poderosos da indústria. “Dumbo” não foge à regra, representando também mais um exemplo da falta de criatividade patológica da Disney atual, onde remakes e sequelas ganham precedência acima de qualquer tipo de gesto original.

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A magia Disney anda um pouco carente em termos de originalidade artística.

Com tudo isso dito, tanto dentro do panorama de remakes Disney como da filmografia de Tim Burton, este “Dumbo” com atores de carne e osso não representa nenhum cataclisma sem precedentes. De facto, trata-se de um exercício nostálgico com alguns charmes e até umas quantas escolhas que demonstram alguma fricção entre o cineasta e o tipo de produção anti criativa promovida pela empresa com ambições de monopólio que recentemente comprou a 20th Century Fox. Nem tudo é bom, há que dizer, mas nem tudo é desesperante. Na escala de mediocridade que tem marcado os mais recentes filmes deste realizador, “Dumbo” está mais perto dos prazeres simples de “Frakenweenie” do que do suplício dos filmes de “Alice no País das Maravilhas”.

Pelo menos assim é quando o cineasta se recorda que o seu protagonista é um elefante mudo e não os humanos que orbitam em sua volta. Na boa tradição dos remakes de clássicos Disney, o argumento escrito por Ehren Kruger complica uma história cujo mérito em muito depende da sua simplicidade infantil. Ao invés de o filme seguir exclusivamente as aventuras de um pequeno elefante bebé com proclividades voadoras, este novo “Dumbo” passa muito do seu tempo a documentar as dinâmicas de uma trupe circense caída em desgraça no rescaldo da 1ª Guerra Mundial. Nomeadamente, a narrativa foca-se bastante em Holt Farrier e seus dois filhos, o inocente Joe e a inteligente e muito ambiciosa Milly.

Quando a história começa, Holt acaba de regressar da Europa, sua silhueta manchada pela falta de um braço perdido em batalha. Com uma mulher perdida pela doença e uma carreira como domador de cavalos perdida pela amputação, este é um viúvo desesperado e incapaz de lidar com as necessidades emocionais dos filhos. Eles, por seu lado, tentam ajudar o pai e até demonstram algum entusiasmo pela sua nova posição enquanto tratador dos elefantes. Certamente, Joe e Milly são as únicas pessoas do circo que não rejeitam de imediato um novo paquiderme recém-nascido cujas orelhas enormes fazem dele uma abominação aos olhos de muitos. É mesmo graças a eles que as habilidades especiais do elefante pequeno são reveladas. Com a ajuda de uma pena, um espirro e alguma motivação, Dumbo consegue voar.

Antes de tais talentos serem descobertos pelos outros circenses, o pequeno elefante sofre a perda da sua mãe, vendida pelo dono da trupe. É a promessa de que um dia a irá ver outra vez que lhe dá coragem para atuar em frente a multidões, resultando na repentina fama do circo. Essa fama atrai parasitas como V.A. Vandevere, um empreendedor nova-iorquino que se oferece para contratar a trupe circense, dando-lhe uma nova casa num enorme parque de diversões construído em Coney Island. Para ele, Dumbo é uma mina de ouro à espera de ser explorada, especialmente quando se considera a adição de Colette Marchand, uma habilidosa trapezista parisiense que Vandevere praticamente força a aprender a voar nas costas do elefante..

Novamente se reforça a ideia que este novo “Dumbo” é demasiado complicado para o seu próprio bem. O filme de 1941 é uma das longas-metragens mais curtas no cânone Disney, assim como uma das suas produções mais perfeitas. Não há um único momento morto nessa animação clássica, nada de supérfluo ao conto de dor e perda, de crescimento e abuso ao longo do qual Dumbo se ergue resiliente. O mesmo não acontece neste remake perfeitamente pejado de informação desnecessária e personagens humanas que quase são esquecidas assim que saem de cena. O facto de que muito do elenco parece incapaz de compreender o tipo de registo que Burton requer dos seus atores também não ajuda nada esta história.

As grandes exceções são Eva Green e Michael Keaton, dois veteranos do cinema de Burton que estão em perfeita sintonia com as loucuras dele, mesmo quando esta se encontra castrada pelas demandas comerciais da Disney. Como Vandevere, o antigo Batman é uma delícia de trejeitos vilanescos e jovialidade artificial que o fazem parecer uma espécie de perversão demoníaca de Walt Disney. Essa impressão é muito auxiliada pelo facto do seu parque de diversões parecer um protótipo da Disneyland. Até é difícil crer que esta companhia multimilionária tenha deixado que o filme pintasse de forma tão descarada este tipo de parques temáticos como fábricas de entretenimento faustoso apoiado na exploração cruel e desumanidade. Enfim, se “Dumbo” tiver muitos lucros não imaginamos que a Disney se preocupe muito. Se calhar até pode fazer do parque de Vandevere uma nova atração da Disneyland.

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Eva Green é a musa perfeita para o cinema de Tim Burton.

Green, ao contrário da caricatura deliciosamente venenosa de Keaton, é um píncaro de teatralidade elegante, uma fada circense que tanto deslumbra uma criança inocente como está disposta a ser uma presença materna. Suas cenas e guarda-roupa desenhado por Colleen Atwood são uma das grandes mais-valias do projeto. Diríamos mesmo que sempre que Burton desiste de tentar elaborar um drama humano e simplesmente se rende ao espetáculo sensorial, o filme triunfa. Veja-se a sua interpretação abstrata da dança dos elefantes cor-de-rosa, por exemplo, ou os voos do protagonista cujo design negoceia relativamente bem o artifício da fantasia e o realismo exigido por estas adaptações live-action. Como dissemos, “Dumbo” não é um desastre. Por vezes, até é bom. Contudo, com um enredo entediante, uma duração insustentável de quase duas horas e uma rejeição de necessária simplicidade condenam este filme a nunca chegar aos píncaros artísticos do original.

Dumbo, em análise
Dumbo

Movie title: Dumbo

Date published: 4 de April de 2019

Director(s): Tim Burton

Actor(s): Colin Farrell, Michael Keaton, Eva Green, Danny DeVito, Alan Arkin, Nico Parker, Finley Hobbins, Roshan Seth, Lars Eidinger, Deobia Oparei, Joseph Gatt, Zenaida Alcalde, Miguel Muñoz Segura, Douglas Reith, Phil Zimmerman, Sharon Rooney, Frank Bourke, Ragevan Vasan, Michael Buffer, Sandy Martin

Genre: Aventura, Família, Fantasia, 2019, 112 min

  • Cláudio Alves - 60
  • Rui Ribeiro - 90
  • Daniel Rodrigues - 30
  • Marta Kong Nunes - 60
  • José Vieira Mendes - 50
  • Luís Telles do Amaral - 75
  • Inês Serra - 55
60

CONCLUSÃO:

“Dumbo” é um esforço relativamente prazerosos de um estúdio em grave carência de criatividade. Tim Burton recicla muitas das ideias que tem vindo a repetir ao longo das últimas décadas sem grande mérito artístico. Um guarda-roupa primoroso, maquilhagens divertidas, um elefante adorável e cenários ocasionalmente belos combatem contra a pátina plástica da fotografia, efeitos visuais pouco convincentes e um argumento desastroso. Eva Green, como sempre, parece ser incapaz de cometer um passo em falso e até nos momentos mais rebuscados consegue encontrar o equilíbrio perfeito entre sinceridade amistosa e a doçura da falsidade teatreira.

O MELHOR: As homenagens a Busby Berkeley que Burton inclui nalgumas das sequências de espetáculo circense. Nessas ocasiões, até parece que estamos a ver uma obra do realizador de “Ed Wood” e “Eduardo Mãos de Tesoura” e não mais um produto desinspirado do homem que trouxe “Alice Através do Espelho” ao grande ecrã. Isso e a encantadora banda-sonora de Danny Elfman.

O PIOR: Tudo o que tem que ver com Holt Farrier, a prestação pueril de Colin Farrell, seu sotaque oscilante e arco narrativo tão aborrecido que é capaz de por a dormir um elefante.

CA

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