Rabo de Peixe T2 | Entrevista com José Condessa e Augusto Fraga
Em 2023 a série portuguesa “Rabo de Peixe” chegou à Netflix e tornou-se um fenómeno. Não só em Portugal, em que a série é adorada, como em vários pontos do Mundo, em que “Rabo de Peixe” chegou ao Top10 da Netflix.
Agora, passados dois anos, “Rabo de Peixe” regressa à Netflix com uma nova temporada. É já no dia 17 de outubro que estreia a segunda temporada, com o elenco formado por José Condessa, Helena Caldeira, Rodrigo Tomás, Kelly Bailey, André Leitão, Maria João Bastos e Paolla Oliveira.
Nesse sentido, a MHD teve a oportunidade de estar à conversa com o elenco e realizador da série. Apresentamos, hoje, a primeira parte da entrevista, com o protagonista, José Condessa, e o realizador, Augusto Fraga. Podes também ver a entrevista integral, em formato vídeo.
O sucesso de Rabo de Peixe e novidades da série
MHD: Depois do sucesso, também das críticas e dos elogios da primeira temporada, o que é que quiseram trazer de novo para esta segunda temporada?
José Condessa: Tudo. Não quisemos repetir a fórmula da primeira. Acho que a primeira foi um sucesso por termos acreditado desde o início no processo e termos feito uma série que vivia muito, no meu ponto de vista, do nosso grupo.
Também o tempo de preparação que felizmente tivemos e que foi graças a um projeto desta dimensão, da Netflix, que permite ter este tempo de criação artística, de reescrita de guiões. E a segunda foi exatamente não repetir. Baseando na mesma fórmula, mas não repetindo os sítios onde achámos que foi o sucesso. Foi tentar encontrar caminhos novos, novos desafios para as personagens, histórias completamente diferentes e, acima de tudo, novos monstros. Cada personagem tem os seus novos demónios.
Augusto Fraga: Sim, eu estou de acordo. Diria que nós tentámos pôr as personagens em sítios muito desconfortáveis. O Eduardo, na primeira temporada, tem claro aquilo que quer e porque é que quer. E, na segunda, tem muitas dúvidas e sofre uma introspecção constante sobre se este é o melhor caminho realmente.
Continua com o mesmo objetivo, mas por motivos diferentes do que na primeira. A personagem da Sílvia, que na primeira temporada era mais frágil, decidimos pô-la numa posição de liderança, porque é um contraste com o que ela naturalmente fazia. E a mesma coisa fizemos com o Carlinhos, com o André Leitão. A alegria do Carlinhos, nós atirámo-la para um sítio escuro. O que foi um desafio para os atores, mas por outro lado também torna a série mais interessante. Eu acho que a segunda temporada é uma série sobre consequências, sobre stakes mais altos, perigos maiores e, por isso, decisões mais relevantes.
Preparação para a nova temporada
MHD: No primeiro episódio há uma cena em que o Eduardo está a discutir com o Uncle Joe, uma discussão acesa, e começa a escorrer-lhe uma lágrima. Isso define a personagem. É uma personagem que está em constante luta com ele próprio, como é a preparação para uma personagem com este range emocional?
José Condessa: A personagem não é nada linear e nesta segunda temporada eu acho que o arco da personagem ainda é maior. O meu método costuma ser muito específico mas este aqui foi um bocadinho mais preciso. Primeiro porque era uma longa viagem, tinha que se preparar bem. Mas depois eu tenho sempre o meu guião cheio de notinhas e desenhos e coisas. E é muito bom porque eu sinto-me confortável aí. Eu estudo muito para depois poder esquecê-lo e ficar simplesmente com a filtragem daquilo que eu acho que é realmente importante para a cena.
E nessa cena em específico era muita coisa importante. Era o culminar de uma desilusão, de um sonho de ir para a América que não correu bem e que acaba por não ter ninguém porque cada um está para o seu lado. Também não tem onde viver porque a casa está destruída, que é um pouco a simbologia da vida dele naquele momento. E o Uncle Joe, que é a pessoa que estava com ele, também há um conflito. E, se calhar, ir outra vez é o que ele mais quer, mas há um conflito interno também.
Há muita coisa que ficou mal resolvida. E eu acredito que mesmo que fosse possível ir, ele não iria. Porque há ali um lado humano que, apesar de tudo, também luta contra ele mesmo. luta contra o desiludir os outros. E em último caso, ele é orgulhoso. E não vai embora com o rabinho entre as pernas para que os amigos pudessem um dia dizer “Vêem como ele nos abandonou”. Por isso é que também há aqui um lado de crescimento do Eduardo para um lado mais violento, como tu dizes. Mais de bater o pé, de dar o pontapé na porta. E antes ele pedia licença para estar presente. E acho que essa revolta vem também do que ele viveu, do sonho destruído.
Augusto Fraga: O Eduardo só existe por causa do Zé Condesa. Há notas e indicações no guião, mas essa construção, de ele tentar evitar mostrar ao tio o que está a sofrer, mas depois sem conseguir evitá-lo, é uma construção dele, do Zé. Que consegue transformar aquelas palavras que estão no guião numa verdade que não existia se não fosse um bom ator.
MHD: E voltaste a Rabo de Peixe antes das gravações, como fizeste na primeira temporada ou como é que foi a diferença na preparação para esta vez?
José Condessa: Eu já tinha voltado lá entre a primeira e a segunda temporada. Por lazer e por matar a saudade de algumas pessoas, já que estava na ilha. É incrível a forma como as coisas também foram mudando. Nós fomos ganhando a confiança das pessoas, que sempre nos receberam de porta aberta. E se já tinha sido incrível a primeira temporada, a segunda mais incrível foi.
Sentimos uma grande diferença também na forma como Rabo de Peixe era visitado por pessoas de fora. O próprio turismo também mudou. E isso é um motivo de orgulho para nós. Tirando o lado de ficção e tirando o lado profissional, o lado humano. Sentimos que, de alguma forma, houve uma influência positiva naquelas pessoas. O receio, aquele estigma que sempre existiu mudou completamente.
E ter os miúdos, o Ivan e o Dani, que são os miúdos que eu conheci nessa primeira viagem, antes de começar a fazer a primeira temporada, já mais crescidos agora, mas com imenso orgulho de dizer que são de Rabo de Peixe. Orgulho de serem do sítio daquela série que os representa tão bem em relação a sonhos, em relação a dificuldades e em relação às coisas que foram mais difíceis mas que não os envergonham mais, Isso é maravilhoso. É o lado humano que não há como pagar. Eu não sou açoriano, mas aquela ilha mágica, como chamo, tem um lugar muito especial no meu coração.
As metáforas da nova temporada de Rabo de Peixe
MHD: No início do primeiro episódio há uma cena que marca a temporada. A cena da prisão, em que está a cair neve. Essa neve é um presságio para tudo o que viria a descarrilar a partir daí? Um paralelismo com a cocaína?
Augusto Fraga: Há várias coisas. Primeiro, é normal que dois açorianos, naquela altura, não tenham visto a neve. A neve era uma coisa inacreditável, assim como a cocaína era uma coisa inacreditável. E era uma oportunidade, mas isso rapidamente pode transformar-se numa coisa perigosa.
E a ideia foi passar muito rapidamente de um momento poético para um momento que marca a temporada toda. Marca a separação entre eles dois. E não deixa de ser irónico, uma coisa tão mágica como ver a neve pela primeira vez, presos nos Estados Unidos.
MHD: Como é que se navega entre a realidade e a ficção, principalmente agora que ainda estão a sair mais da história inicial?
Sim, a segunda temporada e a terceira, felizmente, já não têm a obrigatoriedade da realidade. A primeira era inspirada no que aconteceu, no evento do italiano. A segunda, foca-se nas nossas personagens. Realmente o que ficou desta história foram as personagens que nós criamos. Os documentários são sobre o evento real. Acho que é interessante, é bom de ver.
Expectativas para a nova temporada
MHD: Por fim, qual é a vossa expectativa de como é que o público vai receber esta temporada?
José Condessa: Eu sou suspeito, mas acho que vai ser muito bom. Nós há pouco falávamos também do tempo que passou entre a primeira e a segunda. Poderia ser uma coisa negativa ou não. Eu acho que não. Acho que quem gostou e quem realmente viu a série, acho que a série marcou de alguma maneira. Eu acho que nunca estarão zangados o suficiente para dizer que não vão ver porque passou muito tempo.
Porque eu acho que a série tem a sua essência, tem uma linguagem tão própria e tão bonita que conquistou as pessoas. Pelas personagens, pela história em si, pelo lado humano. E depois eu acho que a 2ª temporada cresce em vários sentidos técnicos também. E isto aqui também é dizer ao Augusto que o trabalho dele é incrível. Ele é um realizador extraordinário. As cenas de ação estão lá porque ele sabe contar a história em 2 segundos, o que não tem que ser explicado em 10 segundos de fala.
Augusto Fraga: Do meu lado, a minha expectativa é que as pessoas se divirtam. Ou seja, é só uma série. E não pretendo fazer mais do que passar um bom momento, e obviamente passar uma mensagem, criar alguma emoção, continuar a haver uma relação com os personagens, que eu acho que é uma coisa que importa.