Eu, Viciado | Entrevista a Javier Giner, responsável pela minissérie do Disney+
Depois do sucesso em Espanha, Javier Giner conta à Magazine.HD os desafios que encontrou ao produzir “Eu, Viciado”, disponível no Disney+.
Após cair em uma espiral de vícios relacionados com álcool e droga, Javier Giner voluntariou-se para ser internado numa clínica de reabilitação. Determinado em sair curado, o realizador de trinta anos decidiu procurar a chave para mudar o estilo de vida destrutivo que vivia há anos. Assim, durante o período de reabilitação, Javier conhece Anais, uma assistente social que se disponibiliza a ajudá-lo ao longo do processo de cura transformativo.
Esta é uma história verídica vivida por Javier Giner que, mais tarde, escreveu as suas memórias no livro “Yo, Adicto“. Agora, as suas palavras foram transformadas numa minissérie. O projeto espanhol “Eu, Viciado” já está disponível no catálogo do Disney+. Entretanto, a Magazine.HD esteve à conversa com Javier Giner e descobriu os principais desafios encontrados na produção da minissérie.
A série “Eu, Viciado” já está disponível no Disney+
Magazine.HD: “Eu, Viciado” é uma história que o próprio Javier vivenciou. Pode-nos contar um pouco mais sobre esta série?
Javier Giner: Bem, basicamente, é uma história real sobre o meu vício, principalmente, em álcool, cocaína e sexo. E mais do que lidar com o período de vício, é sobre os meses que se passaram. Eu internei-me numa clínica de desintoxicação para superar a minha doença. Por isso, a série é sobre todas as terapias e os colegas que conheci lá, porque é um lugar muito desconhecido. [As clínicas] são lugares muito privados, então é um lugar muito desconhecido para as pessoas em geral.
E houve um impulso para dizer a verdade e dar acesso a todos os espectadores em geral, para explicar verdadeiramente o que é essa doença e o que um processo terapêutico de desintoxicação realmente significa. Nesse sentido, é claro, acredito ou confio que quanto mais honestos formos, quanto mais falarmos a partir da ferida, mais mostramos o ser humano por trás de todas essas camadas de julgamento, marginalização ou rótulos. Acredito que é nesse espaço que a empatia e a compreensão emergem.
Para mim, era muito importante ‘destigmatizar’ os dependentes químicos, esses espaços de que falo, as clínicas de desintoxicação e os doentes mentais. Por exemplo, quando a série estreou na Espanha, eu gostava de dizer que não era uma série sobre pessoas doentes, mas sim sobre pessoas, e acho que há uma nuance muito importante nisso.
A minissérie é uma adaptação do livro homónimo
Magazine.HD: Pedro Almodóvar referiu-se ao livro como “doloroso, libertador, inspirador e necessário”. Foi doloroso filmar a série e vivenciar tudo de novo no ecrã?
Javier Giner: Sim, não vou negar, houve alguns dias difíceis de filmagem que foram muito emocionantes. Mais do que doloroso, foi muito emocionante filmar, tanto para mim quanto para todos os que fizeram parte da série. No final, é uma aventura criativa única porque, como diretor, tenho Oriol Pla (“Diz-me Quem Sou”), que interpreta a mim mesmo, e Nora Navas (“Libertad“), que interpreta a assistente social que salvou minha vida, e houve muitos momentos muito emocionantes no set, como assistir ao Oriol e à Nora a realizar uma sessão de terapia e sentar atrás do grupo a própria Anais e eu.
Mais do que doloroso para mim, foi comovente, foi muito emocionante. Tu assistes à série e sentes que sofremos muito, que foi extremamente difícil, que foi angustiante. Obviamente, como em qualquer filmagem, esses momentos existem, mas são muito menos frequentes do que tu imaginas quando assistes à série. Justamente porque sabíamos que o material era tão delicado, nós abordámo-lo como se fosse de uma luz. Havia tanto, tanto carinho nessa filmagem!
Oriol Pla é o protagonista de “Eu, Viciado”
Magazine.HD: Na série, o Oriol dá vida ao próprio Javier. Como foi feita essa escolha e qual é a sensação de ver o Oriol a interpretar a história que é sua?
Javier Giner: Bom, eu conhecia o Oriol… Quer dizer, eu tinha visto o trabalho dele e tudo mais, sempre no cinema, teatro e televisão. E ele sempre foi um daqueles atores que te faz pensar ‘uau, estou diante de uma força da natureza, e espero que chegue o dia em que eu possa trabalhar lado a lado com ele’. Por isso, a escolha foi feita de forma muito instintiva. Eu sou uma pessoa muito instintiva em todos os sentidos.
Então, eu fiz-lhe o teste e, de repente, vi coisas que o meu eu interior, de alguma forma, me dizia que era ele, e mergulhei de cabeça. E, claro, ensaiámos por um ano, e muitos desses ensaios não foram realmente ensaios. Quer dizer, eu abri as portas da minha vida para o Oriol e ele entrou, ele abriu as portas da dele para mim e eu entrei, e hoje somos como irmãos. Por outras palavras, tem sido um relacionamento que vai muito além do puramente profissional. E, claro, gosto de dizer que, nessa relação simbiótica entre nós dois, ele tornou-me num diretor muito melhor, e ele diz que eu o tornei um ator muito melhor. Acho que o grande pilar fundamental desta série é que a atuação do Oriol está no auge, porque ele está com o Javier o tempo todo.
Então, curiosamente, desde o início tomámos uma decisão um tanto nerd, porque eu disse-lhe ‘não quero que me imites. Não sou uma pessoa pública, não sou uma pessoa famosa, ninguém sabe como eu falo, exceto as pessoas que me conhecem’. E eu disse-lhe que a personagem do Javier Giner teria que ser como o filho que ele e eu nunca teremos. Quer dizer, ele tem que ter muito de mim, mas também tem que ter muito dele. E nós referimo-nos a esse Javier na terceira pessoa, ele era como uma entidade distinta. Ou seja, nós referimo-nos a ele como uma personagem, na verdade. E eu acho que essa decisão, que foi instintiva também, foi muito saudável, emocionalmente falando, porque me permitiu uma distância para dirigir e permitiu ao Oriol uma distância para atuar.
Javier Giner revela os maiores desafios da minissérie
Magazine.HD: Que outros desafios encontrou ao filmar a série, que é uma adaptação de um livro?
Javier Giner: Bem, primeiro, o livro é obviamente um ensaio confessional em alguns aspectos, mas não tem uma estrutura narrativa dramática propriamente dita. Então, é claro, que um dos grandes desafios foi transformar esse tipo de monólogo interior numa série. Outro dos grandes desafios é justamente esse – a jornada de uma desintoxicação é profundamente interna. E como todos sabemos, em produções audiovisuais, funciona se for externo. Esse foi um dos grandes desafios.
Outro desafio muito importante para mim e para todos os atores foi alcançar uma espécie de sinfonia de atuação onde tu, como espectador, não saberias, ou melhor, duvidarias às vezes se o que estavas a assistir era, para dizer o mínimo, um documentário ou um filme de ficção. Por exemplo, na Espanha, muitas pessoas me perguntaram, se as personagens secundárias são pacientes reais, mulheres doentes reais, etc. Então, alcançar esse tipo de tom, essa conexão coral, essa família com os atores também foi um dos maiores desafios.
Ao fim e ao cabo, é uma representação, sentimos a responsabilidade de representar milhares e milhares de pessoas no mundo que passaram pelo que essas personagens estão a passar. Então, enviar essa mensagem de que tu não estás sozinho… Eu gosto de dizer que é uma espécie de sacrifício público que faço, no sentido de me colocar a serviço de dar voz a muitas pessoas que não têm voz. Então, ser justo, ser empático, ser um jogador de equipa e abraçar todas essas pessoas à distância foi um grande desafio e uma grande responsabilidade para nós.
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