O Quarto ao Lado, a Crítica | Pedro Almodóvar retrata a doença terminal com cores vibrantes
Estreou esta semana nas salas de cinemas portuguesas o mais recente filme de Pedro Almodóvar. A sua última longa-metragem foi em 2021, Mães Paralelas.
“O Quarto ao Lado” é a mais recente longa-metragem de Almodóvar, em inglês, que junta Julianne Moore e Tilda Swinton. O filme estreou no Festival de Veneza este ano e deu a Almodóvar o Leão de Ouro de Melhor Filme, conta a história do reencontro de Ingrid (Moore) com a sua amiga de longa data Martha (Swinton) que sofre de um cancro terminal.
Esta é uma narrativa carregada de tensão emocional e intimidade psicológica, explorando temas difíceis como o isolamento, a perda e a amizade, que gira em torno de uma realidade delicada e emocional: a eutanásia. Martha, diante de um sofrimento insuportável e da inevitabilidade da sua condição, decide recorrer à ajuda da sua amiga para terminar com a sua vida de uma forma que considera digna.
A trama explora a relação entre as duas, explorando as camadas de amor, lealdade e a dolorosa complexidade de se tomar uma decisão tão difícil. Com diálogos intensos e um ambiente intimista, Almodóvar constrói um espaço onde o espectador é convidado a refletir sobre a vida, a morte e os limites éticos e emocionais de se viver no limiar de ambas.
“O Quarto ao Lado”, enquanto cenário principal, torna-se um símbolo carregado de significados: um lugar de transição, onde Martha se confronta com a finitude da sua existência, e Ingrid, com a profundidade da sua própria humanidade. Almodóvar, com a sua habitual sensibilidade, combina o minimalismo narrativo com uma estética poderosa, utilizando cores e composições para expressar o que as palavras muitas vezes não conseguem.
As performances de Tilda Swinton e Julianne Moore
As duas atrizes, já bem conhecidas em Hollywood, suportam completamente o filme, talvez por este se focar tão-somente nas duas e na relação de amizade incondicional que retomam e reconstroem ao longo da película. Apesar de ambas interpretarem personagens com muita densidade, com uma presença forte e pelas quais é impossível não nutrir uma profunda empatia, parece, de alguma forma, ser difícil ligarmo-nos a elas num plano mais pessoal, pois parecem inalcançáveis.
Os diálogos, ainda que bonitos, são um pouco artificiais, o que é uma surpresa para os filmes do Almodóvar, tão célebres por diálogos realistas e cristalinos. Em “O quarto ao Lado” parece que a audiência não consegue entrar em contacto com as personagens, com os espaços que frequentam, com os diálogos que têm. E é verdade, o cinema não tem (nem deve) ser mimético da vida quotidiana, mas, mesmo numa dimensão estranha, o filme parece não ter coragem para ser invulgar.
Ainda assim, a química entre as duas atrizes é notória e transparece um evidente trabalho de reconhecimento das personagens que representam e dos temas duros aos quais dão vida. É uma narrativa sui generis e, nesse sentido, temos duas personagens que vão completamente ao encontro do proposto e prometido pelo realizador, pois, como disse o realizador espanhol, ambas carregam o filme às costas.
Almodóvar no cinema technicolor
Poucos cineastas utilizam a cor de forma tão expressiva e carregada de significado quanto Pedro Almodóvar. Nas suas obras, a paleta cromática não é apenas estética, mas sim uma linguagem própria que comunica dimensões emocionais e simbólicas mais profundas. Através das cores, Almodóvar transcende o óbvio e cria uma camada subliminar que envolve o espectador, evocando emoções difíceis de descrever.
Neste filme é muito notória a presença do vermelho e do azul, cores bastante contrárias e que refletem a dicotomia que dá razão de ser à narrativa: a vida e a morte. O vermelho e o azul não apenas coexistem, mas dialogam entre si, criando uma tensão visual que espelha os dilemas das personagens. O vermelho, vibrante e pulsante, é a manifestação da vitalidade que ainda resiste — seja no amor, nas memórias ou na conexão humana. Já o azul, frio e distante, sugere o inevitável, representando o silêncio, a aceitação e a despedida. Essa dualidade cromática é central para a narrativa, pois reforça a luta interna das personagens entre o que é presente e o que é final.
Sem dúvida que a cor é um dos grandes pilares no que diz respeito a atribuir algum tipo de conceito ao filme que, apesar de trazer temas tão atuais e simultaneamente tão avassaladores, e de forma tão bonita, é incapaz de fugir ao peso da sua própria melancolia, criando um contraste poderoso, mas por vezes insuficiente, entre a beleza visual e a profundidade emocional que domina a narrativa.
The room next door ou La habitación de al lado?
A língua é um elemento fundamental no cinema, moldando não apenas a narrativa, mas também a emoção transmitida ao espectador e o caso de Pedro Almodóvar não é exceção, visto que se trata de um cineasta cuja obra é profundamente enraizada na cultura espanhola.
A escolha de realizar “O Quarto ao Lado” em inglês representa um desafio arriscado, pois Almodóvar sempre foi reconhecido pela sua capacidade de criar atmosferas carregadas de emoção, onde o idioma espanhol desempenha um papel essencial na cadência, no ritmo dos diálogos e na autenticidade das interações. A mudança para o inglês, entretanto, parece ter criado uma barreira que diluiu a intensidade emocional característica dos seus trabalhos, quase como se tivesse em si um bloqueio emocional.
O inglês, talvez pela sua estrutura mais direta e menos melódica, muitas vezes carece da mesma profundidade emocional, especialmente quando usado em contextos que originalmente não foram concebidos para o mesmo. Mesmo com traduções cuidadosas, o subtexto cultural e a carga simbólica que permeiam os diálogos em espanhol podem se perder, resultando em performances mais mecânicas.
No caso de “O Quarto ao Lado”, a escolha do inglês pode ter funcionado como uma barreira entre Almodóvar e a sua conexão visceral com as personagens e o público. O idioma parece ter introduzido uma camada de distanciamento, tornando os diálogos menos envolventes e reduzindo a intensidade que normalmente define as suas histórias. Almodóvar está profundamente conectado com cultura espanhola, e o seu trabalho sempre refletiu isso com autenticidade.
A transição para o inglês, mesmo que bem-intencionada, pode ter-se afastado dessa essência, resultando numa obra que, embora tecnicamente bem executada, carece do impacto emocional que era suposto ter.
Aproveita o fim de semana para ires ao cinema!