Eurovisão 2025: “A Fragilidade, o Medo, a Ternura”, entrevista a Lucio Corsi da Itália
A participação de Lucio Corsi no Festival de Sanremo 2025 apanhou muitos de surpresa — e talvez tenha sido precisamente essa surpresa a torná-la tão marcante. Num panorama cada vez mais moldado por estratégias de marketing e imagens cuidadosamente construídas, a ascensão quase mágica deste cantautor de 31 anos, vindo do coração rural da Toscana e claramente desligado da música feita após os anos 2000, trouxe um verdadeiro choque de autenticidade.
Lucio não venceu o festival da canção italiana — o troféu foi para Olly, com “ballorda nostalgia” —, mas, devido a compromissos profissionais, Olly teve de abdicar da representação italiana na Eurovisão, deixando o caminho livre para Lucio. E o país aplaudiu: era este o nome que muitos queriam ver no palco internacional. Afinal temos um artista fora dos padrões habituais, à semelhança do nosso estimado Salvador Sobral, movido apenas pela música e pela verdade.
Lucio Corsi canta “volevo essere un duro”
Lucio conquistou o seu país com uma simplicidade desarmante e prepara-se agora para conquistar a Europa. Num festival conhecido pelos seus excessos e explosões, Lucio optou por permanecer fiel a si mesmo — alguém que dispensa o mediatismo e que quer, acima de tudo, oferecer ao mundo a sua versão mais honesta. Com gestos pequenos mas carregados de significado foi-se aproximando, passo a passo, do coração do público.
A sua canção, “volevo essere un duro“, é um hino a quem foi alvo de bullying e tentou ser algo que nunca seria — até perceber que bastava ser apenas quem é. Uma música que transmite vulnerabilidade e uma forma quase ingénua e pura de estar no mundo. Lucio Corsi tornou-se uma raridade na música italiana contemporânea. É uma voz com alma, que escreve letras que não são só canções, mas fragmentos de uma vida vivida com simplicidade. Vamos conhecê-lo um pouco melhor nesta entrevista que poderás ler a seguir.
MHD: Como é que se sentes ao estar na Eurovisão?
Lucio Corsi: Esta é a minha primeira vez na Eurovisão e estou muito feliz por poder vivenciar esta experiência grandiosa. Sinto que esta oportunidade vai ensinar-me muito e ajudar-me a fazer o meu trabalho de uma forma ainda mais autêntica e profunda. É também a minha primeira vez em Basileia, embora já tenha estado em Lugano três vezes, sempre para apresentar a minha música. Para mim, a música e os instrumentos são uma forma de me libertar das minhas dificuldades, e é isso que levo comigo para cada palco onde me encontro.
Qual a mensagem de “volevo essere un duro”?
“volevo essere un duro” surgiu de um pensamento simples, mas que me acompanhava há muito tempo: a ideia de força que todos tentamos representar, especialmente na adolescência. A canção fala sobre como o mundo nos quer inquebráveis, perfeitos como flores ou sólidos como rochas, e sobre como, muitas vezes, sonhamos ser algo que, na realidade, não é muito melhor do que aquilo que já somos. Queremos parecer invencíveis, não mostrar medo, não nos preocupar com o futuro… mas isso nunca foi verdade para mim. Escrevi esta música porque também tenho medo do escuro. E se me metesse numa briga, provavelmente acabava no chão.
A música é quase como um poema infantil, porque é simples, direta, com uma certa inocência. Mas por trás disso, está a ideia de que a verdadeira força vem de sermos quem somos, com tudo o que isso implica: a fragilidade, o medo, a ternura. Há uma parte da letra que diz: “Não perdi tempo foi o tempo que me deixou para trás.” E, para mim, essa é a imagem perfeita de crescer, quando percebemos que não precisamos correr atrás de nada nem provar nada a ninguém. A única coisa que precisamos é estar bem com a nossa própria história.
Será que nos poderias explicar um pouco as tuas origens?
Nasci e cresci em Maremma, uma região rural no coração da Toscana, onde o tempo parece passar mais devagar e os dias são feitos de silêncios, bichos, árvores e céu. Aquilo que muitos poderiam chamar de “falta de estímulo”, para mim foi a melhor escola possível. Costumo dizer que aprendi a imaginar porque aprendi, antes disso, a estar aborrecido. Não havia muita coisa para fazer, então a cabeça começava a inventar histórias, sons, personagens. O mundo que não via à minha volta, criava-o por dentro. E isso nunca mais me deixou.
Comecei como muitos começam: a tocar na rua. Com uma guitarra e um chapéu virado para cima. E foi ali, nas praças, no meio das pessoas, que percebi o verdadeiro valor da música, que ela existe quando encontra alguém. Quando alguém para para ouvir, para sentir, para sorrir. Essas primeiras experiências como artista de rua foram essenciais. Ensinaram-me a escutar o público, a criar uma ligação direta, sem filtros nem artifícios. Até hoje, é isso que procuro manter.
Lucio Corsi no palco da Eurovisão 2025
MA tua presença em palco é de uma extrema simplicidade, ao mesmo tempo que nos transportas para um teatro…
Em palco, procuro uma presença que parece simples à primeira vista, mas que é cuidadosamente desenhada — quase como uma peça de teatro onde cada gesto, cada silêncio, tem o seu lugar. Gosto dessa forma de expressão que mistura o natural com o simbólico, sem nunca perder a leveza. Não me interessa criar uma personagem distante de quem sou, mas antes transformar o quotidiano em algo poético, quase mágico. Fora do palco, vivo com ironia e simplicidade, e acredito que a espontaneidade tem uma força silenciosa que, quando bem equilibrada com a intenção artística, pode tocar de forma genuína quem está a assistir.
Que conceito queres trazer para o palco da Eurovisão?
Na Eurovisão, quero levar um pedaço do meu mundo, criar um palco que, embora grandioso, me faça sentir em casa. Para isso, escolhi rodear-me de instrumentos e amplificadores de tamanho quase desproporcional. São objetos que me acompanham desde sempre, que me ajudaram a encontrar a minha voz quando eu ainda não sabia como me expressar. No palco, estarei acompanhado pelo Tommaso Ottomano, e, juntos, teremos uma guitarra elétrica, a Wandrè, um instrumento italiano mágico dos anos 50, além de um piano e uma harmónica.
Lucio Corsi canta Tu sei il mattino
Num espaço tão imenso e com tantos olhos voltados para mim, preciso dessa familiaridade, dessa proteção quase mágica que a música me proporciona. Não se trata apenas de estética, mas de criar um abrigo. Quero mostrar que, por detrás de todo o espetáculo, está alguém que se agarra à música da mesma forma que se agarra à vida.
Porque razão pintas a cara de branco no palco? Parece-nos tão distante.
Pinto a minha cara de branco porque, para mim, o palco é como uma máscara. Quando estou rodeado por tantas câmaras, não sou visto pelos olhos das pessoas, mas sim pelos olhos frios da câmara, e isso pode ser intimidante. A máscara ajuda-me a criar uma barreira, uma proteção, que me permite estar mais confortável nesse ambiente. Mas, ao mesmo tempo, é uma maneira de me transportar para um outro lugar, onde consigo desligar da realidade e entrar numa outra dimensão, mais íntima e simbólica. No palco, sinto que posso ser alguém diferente, alguém mais livre, e a pintura é uma forma de me permitir essa transformação.
Lucio Corsi canta Situazione Complicata
Qual o estilo visual por detrás dos teus álbuns? São capas sempre visualmente diferentes…
O universo visual dos meus álbuns é, para mim, tão importante quanto a minha música. Desde o início, quis que tudo o que fizesse tivesse uma coerência poética, que quem olhasse para uma capa sentisse que estava a entrar no meu mundo, mesmo antes de ouvir uma nota. Todas as capas dos meus discos são pinturas feitas pela minha mãe. Ela tem um olhar muito próprio, sensível e cheio de mistério, e crescer rodeado pelas suas pinturas influenciou-me imenso. É uma forma de manter a criação em família e de dar à minha música um rosto que é também parte das minhas raízes.
Para além disso, trabalho de forma muito próxima com o Tommaso Ottomano, que é o meu diretor criativo, fotógrafo e também parceiro musical. Com ele, tudo se constrói em conjunto, os videoclipes, as sessões fotográficas, o imaginário que acompanha cada canção. É uma colaboração profunda, onde existe uma partilha de referências e emoções. O que se vê e o que se ouve andam de mãos dadas, e o resultado é um mundo visual que não ilustra apenas as músicas, mas que as prolonga e completa. No meu novo álbum, “Volevo essere un duro”, as influências das músicas italianas dos anos 60 e 70 são uma parte importante, e isso também se reflete no estilo visual que escolhemos para a Eurovisão. Ouve o mais recente álbum de Lucio Corsi aqui.