Fernando Coimbra: O lobo está em cada um de nós…

 

O realizador brasileiro Fernando Coimbra estreia agora a sua primeira longa-metragem, ‘O Lobo Atrás da Porta’, um filme policial, com muito suspense passado nos subúrbios do Rio de Janeiro

Formado em Cinema pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), o realizador brasileiro Fernando Coimbra tem no seu currículo mais de 9 curtas-metragens algumas delas estreadas em Portugal no Festival Luso-Brasileiro de Santa Feira, além de experiência nos palcos como ator na Oficina Teatral. Estreia agora aqui a sua primeira longa-metragem, ‘O Lobo Atrás da Porta’, um filme policial, com muito suspense passado nos subúrbios do Rio de Janeiro, que conta a história do desaparecimento de uma criança que culmina num triângulo amoroso de mentiras, crimes e traição. Considerado pela crítica um dos melhores filmes brasileiros da actualidade ‘O Lobo Atrás da Porta’ coleciona prémios no Festival do Rio, San Sebastián, Miami e Havana e passou no Festival de Toronto 2014. Esta é uma entrevista exclusiva de Fernando Coimbra que fala do seu filme e da força deste seu trabalho sobre o lado selvagem que aproxima os humanos dos lobos.

MHD: Qual é a origem desta história de ‘O Lobo Atrás da Porta’?

Fernando Coimbra: O filme é baseado numa história real, passada no Rio de Janeiro em 1960. Na época ficou famosa (no mau sentido, claro!), pelo Brasil inteiro. Fiz uma pesquisa maior na imprensa da época, e agora acabei por fazer um filme livremente inspirado nessa história verídica.

MHD: A história tem um tom quase de tragédia clássica, um misto de Eurípedes, com as peças do dramaturgo Nelson Rodrigues…

FC: É verdade. Nas primeiras versões do argumento tinha muitas coisas do Nelson Rodrigues, porque se passava na época. Quando passei para os dias de hoje, esse tom caiu bastante, mas continua a ser uma ‘tragédia carioca’, com um pé na ‘Medeia’, de Eurípedes.

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MHD: Os casos de sequestros de crianças são frequentes no Brasil?

FC: Neste caso está mais relacionado com um crime passional. Isto acontece mais no Rio de Janeiro, do que no resto do Brasil. No entanto, quando estávamos a rodar o filme aconteceu uma história muito parecida com a nossa, nos arredores do Rio de Janeiro: a mãe sequestra o filho do amante para fazer chantagem; na verdade casos como estes acontecem muito pelo Brasil inteiro.

MHD: A estrutura do filme assenta nos ‘flashbacks’ dos depoimentos na polícia. Porquê esta opção em vez de contar a história de uma forma mais linear?

FC: Quando tive acesso ao processo jurídico, os depoimentos eram todos contraditórios. Então dicidi contar esta história segundo pontos de vista diferentes. Os personagens manipulam cada um à sua maneira porque são interrogados pelo delegado da polícia (Juliano Cazaré). Não existe uma verdade absoluta, mas a versão de cada um. Em vez de começar pelo sequestro preferi iniciar na delegacia da polícia com os personagens a darem os seus depoimentos. Tenho um facto: o sequestro, tenho os envolvidos e depois o espectador vai decifrando aos poucos os personagens e a relação entre eles.

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MHD: ‘O Lobo Atrás da Porta’ tem poucos exteriores e a câmera esta sempre em cima dos personagens. A história passa-se nos subúrbios do Rio de Janeiro. Isso é relevante?

FC: A história é universal poderia passar-se em qualquer país. É uma história sobre a relação deles e principalmente sobre a sua intimidade. Tentei filmar em grandes planos sequência sem cortes, para dar a ideia de que tudo está a acontecer em tempo real. Ao mesmo tempo fornecendo detalhes, desde a forma como se vestem aos ambientes, relativamente às casas e às pessoas, que são muito fiéis aquilo que são os subúrbios do Rio de Janeiro. Embora seja uma história universal houve a preocupação de pertença a um lugar. Tem muitas coisas que são específicas das vidas do subúrbio, onde as pessoas se relacionam na rua, na vizinhança: a maneira como se conhecem, o comboio, a mulher chega à porta da outra e pede um copo de água. Há uma certa intimidade que era impossível ter na grande cidade ou num país como por exemplo a Suíça, onde as pessoas são mais fechadas.

O Lobo Atrás da Porta

MHD: A Leandra Leal, faz uma papel extraordinário, embora todos os actores estejam na mesma linha de interpretações. Escreves-te este filme a pensar nestes actores?

FC: Quando escrevi o filme não pensei em ninguém. A construção da Leandra Leal (Rosa), como uma garota do subúrbio diferente foi propositada. Ela não está adaptada ao subúrbio. Está desempregada, mora lá com os pais, não é uma pessoa relacionada, não tem amigos e até fisicamente é diferente das outras mulheres como Sylvia (Fabíula Nascimento). Cortou o cabelo curto deixou-o meio ruivo. De facto, a Rosa é uma figura atípica do subúrbio. Quando Bernardo (Milhem Cortaz) vê aquela mulher no comboio fica logo atraído pela sua maneira de se comportar. Eu queria que a Rosa, fosse alguém mais misteriosa e difícil de decifrar…

MHD: Como a mãe da Rosa que aparece sempre na penumbra…

FC: De facto não vimos muito a mãe da Rosa, mas ouvimo-la falar e não se parece nada com uma mulher do subúrbio. Vimos muitas vezes o pai que está com Alzheimer, mas quase nunca a mãe. Não era propositado, mas acabou por ficar já que estes personagens na verdade eram mais desenvolvidos no filme. Mas acabei por concentrar a narrativa no triângulo Rosa-Bernardo-Sylvia. A família da Rosa é algo periférico. Quando Rosa chega a casa fala com a mãe, mas não comunicam muito. O pai está ali meio isolado pela doença mas é a única pessoa com quem se relaciona e tem alguma cumplicidade. Parece que o pai está ali fora do mundo real, mas por vezes pelas suas expressões acabam por ligar-se e comunicarem olho no olho. A mãe pelo contrário está ali falando, mas não percebe nada do que está a acontecer.

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MHD: O que é que ‘O Lobo Atrás da Porta’, tem a ver com a historia? Quem é o Lobo e quem é o Capuchinho Vermelho?

FC: O Lobo são todos. O Lobo está em cada um de nós, todos temos esse lado selvagem, negro, instintivo, mais animal, que numa situação limite pode vir ao de cima. A Rosa passa por isso. O Capuchinho Vermelho não está neste filme. Todos são vítimas e carrascos, maus e bons.

MHD: ‘O Lobo Atrás da Porta’, pode ser considerado um thriller?

FC: Digamos que é uma espécie de ‘flirt’ com a estrutura do thriller, mas foge foge dos clássicos, onde se sabe claramente onde está o bem e o mal, porque quem vamos torcer e quem vai ser castigado no final. Aqui as personagens têm os dois lados.

MHD: O filme tem circulado por muitos festivais internacionais…

FC: É verdade o filme estreou no Festival de Toronto 2014 (Canadá), que não é competitivo , mas tivemos teve uma recepção maravilhosa, depois esteve no Festival de San Sebastian 2014 (Espanha), onde ganhou o Prémio da Secção Horizontes Latinos, depois ganhamos no Festival de Havana (Cuba) e Festival do Rio…

JVM


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