Bangla Festa do Cinema Italiano

12ª Festa do Cinema Italiano | Bangla, em análise

Desenrolando-se no bairro mais multicultural de Roma, “Bangla” é uma comédia romântica de linhas clássicas que está em competição na 12ª edição da Festa do Cinema Italiano.

“Bangla”, o filme de estreia de Phaim Bhuiyan tem vindo a ser comparado com “Amor de Improviso” e “Master of None” desde a sua passagem pelo Festival de Cinema Roterdão. Quando ponderamos as especificidades desta divertida obra italiana, é fácil perceber o porquê de tais analogias. Tal como Kumail Nanjiani e Aziz Ansari, Bjuiyan, um italiano filho de pais que imigraram vindos do Bangladesh, explora uma versão ficcionada da sua vida e identidade através das fórmulas da comédia romântica tradicional. Por outras palavras, ele apaixona-se por uma jovem caucasiana e é forçado a confrontar as barreiras culturais de tal união. Convém, contudo, confessar que “Bangla” não é, de todo, beneficiado por esta comparação.

Num monólogo inicial que viola a quarta parede e se dirige diretamente ao espectador, Bhuiyan apresenta-se a si mesmo e ao seu mundo de um modo que parece ter sido copiado de milhares de outros filmes, todos eles bem melhores que esta sobremesa romana sem grande valor nutritivo. Ele fala de um ambiente doméstico dominado pela tradição e conservadorismo asiático, da diversidade do bairro de Torpigna onde ele cresceu e tem a honra de ser a zona mais multicultural de Roma. Pela palavra do cineasta, conhecemos sua família e amigos, colegas de trabalho e colegas de banda.

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Um romance à moda antiga com uma nova perspetiva pessoal.

Acima de tudo, Bhuiyan fala muito dos dilemas de ser um muçulmano praticante, cujas regras de abstinência e virgindade antes do casamento não coalescem muito bem com os desejos típicos de um jovem acabado de sair da adolescência. Para facilmente captar a atenção e cumplicidade do espectador, o cineasta revela tais detalhes em tom trocista, sempre pronto a encontrar absurdismo em si mesmo e naqueles que orbitam à sua volta. Esta pretensão de humildade, de autocrítica cabisbaixa em função de humor, é uma técnica conhecida de muitos comediantes.

Ao falar das inseguranças que o afetam e do tipo de estereótipo racial que a sociedade italiana associa a pessoas como ele, Bhuiyan está a construir uma ponte para o espectador. Ele tira possíveis insultos das mãos da audiência, mas fá-lo através da confirmação dessas mesmas palavras pejorativas. Ao validar os preconceitos de um espectador potencialmente hostil, Bhuiyan ganha o direito de falar, pois está a vestir-se com uma armadura de falsa humildade e consciência das suas mesmas “falhas”. O realizador de “Bangla” está no direito de usar tais mecanismos a seu belo prazer, é evidente. Contudo, de um ponto de vista crítica, é bom questionarmos o modo como esta dinâmica funciona.

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No seu especial de stand-up chamado “Nanette”, a comediante australiana Hannah Gadsby explicou como, para quem está às margens da sociedade, este gesto trocista autorreflexivo não se trata de autocrítica. É auto-humilhação. Para ter acesso a certas plataformas e serem aceites por audiências mainstream, performers de todos os géneros e feitios, fazem das armas de preconceito que podem ser viradas contra eles, chaves de acesso e escudos. O problema, é que para fazer isto, têm de perpetuar esses mesmos preconceitos.

Não existe uma norma moral que nos defina quando é que este tipo de abordagem cómica é ou não prejudicial para as comunidades marginalizadas em questão. Contudo, é certo que, para quem pensa em tais questões, este tipo de humor pode muito facilmente deixar um gosto amargo que envenena o resto da experiência de entretenimento. Se há uma regra a seguir é a que comédia deve ter piada. “Bangla” tem piada. Contudo, seu melhor humor não devém da confirmação de estereótipos sobre “cappuccinos étnicos” ou imigrantes que mal sabem falar italiano. “Bangla” e Bhuiyan brilham quando suas piadas florescem do afeto.

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Uma belíssima carta de amor ao bairro mais multicultural de Roma.

O retrato que o cineasta faz do seu bairro é o aspeto mais interessante de todo o filme. Mesmo quando o humor é mais arriscado, há sempre aí um conforto terno, respeito e admiração, um olhar atento ao detalhe humanista que está ausente da restante narrativa. Isso manifesta-se na filmagem das cores dos ambientes domésticos, das paisagens musicais e gastronomia diversa. Certamente não se manifesta na prestação do elenco.

Apesar de poder ser um bom comediante, Phaim Bhuiyan não é grande ator ou grande realizador de atores. Só Carlotta Antonelli, no papel do interesse romântico de Phaim, é que deixa uma boa impressão. Ela é charmosa e carismática, capaz de dar a entender ao espectador como é que o protagonista se pode deixar enfeitiçar tão rapidamente pelos seus encantos. O que Antonelli não consegue é fazer da progressão da relação dos dois namorados algo orgânico e entendível.

Ao contrário de “Amor de Improviso” e “Master of None”, o enredo de “Bangla” é mais motivado pelo advento de convenções narrativas do que pelo comportamento natural das personagens. Além disso, a nível formal, esta comédia revela como Bhuiyan é um novato sem grande experiência ou uma linguagem estética particularmente sofisticada. Enfim, não é todos os dias que vemos uma comédia romântica do ponto de vista de um jovem muçulmano. Pelo menos, por isso, temos de dar algum valor a “Bagla” e aplaudir os esforços do seu jovem criador.

Bangla, em análise
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Movie title: Bangla

Date published: 10 de April de 2019

Director(s): Phaim Bhuiyan

Actor(s): Phaim Bhuiyan, Carlotta Antonelli, Nasima Akhter, Fabian Durrani, Alessia Giuliani, Sanija Shoshi Haque, Simone Liberati, Milena Mancini, Pietro Sermonti, Raja Sethi

Genre: Comédia, Romance , 2019, 84 min

  • Cláudio Alves - 50
50

CONCLUSÃO:

“Bangla” apresenta um protagonista cujas especificidades étnicas, nacionais e culturais o colocam numa posição de novidade dentro do panorama dos heróis de comédias românticas. Contudo, essa perspetiva não é suficiente para redimir um argumento cheio de clichés e fórmulas cansativa. Já vimos esta história base ser contada por mil outros cineastas. Pelo menos algumas paisagens urbanas interessantes e uma atriz carismática dão algum interesse ao projeto.

O MELHOR: Carlotta Antonelli a passear-se por um museu, brincando com os alarmes num gesto de provocação para com Bhuiyan.

O PIOR: O trabalho inexpressivo e tonalmente monótono de Phaim Bhuiyan enquanto ator.

CA

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