Gianna Gissi e Lorenzo Baraldi

11ª edição da Festa do Cinema Italiano | Entrevista a Lorenzo Baraldi e Gianna Gissi

A equipa da MHD teve o privilégio de entrevistar duas mentes criativas do filme “O Carteiro de Pablo Neruda”. O diretor de arte Lorenzo Baraldi e a figurinista Gianna Gissi marcam a história do cinema italiano. 

Ciao cinefilo! Já estás preparado para a Festa do Cinema Italiano? A 11ª edição deste festival começa oficialmente esta quarta-feira, 4 de abril, com o filme “Sicilian Ghost Story”, que dá as honras de abertura no Cinema São Jorge pelas 21h3o. Mesmo assim, a equipa da MHD já teve um dos seus melhores momentos nesta Festa do Cinema Italiano, que todos os anos celebra o melhor da cultura italiana.

Sentámo-nos na FNAC Chiado na passada segunda-feira, 2 de abril, para conversar com Lorenzo Baraldi e Gianna Gissi, os principais responsáveis pela direção de arte e pelo guarda-roupa do filme “O Carteiro de Pablo Neruda”.

A presença destes talentosos italianos não se fez ao mero acaso, realizando-se no âmbito da inauguração da exposição “Il postino, Salina – A Metáfora da Poesia”. A equipa da MHD e o público presente tiveram oportunidade de conhecer os segredos por detrás dos esboços originais do guarda-roupa e dos cenários do filme, que rodeavam a sala.

Cinema Italiano
Massimo Troisi e Philippe Noiret

Baseado no romance de Antonio Skármeta, “O Carteiro de Pablo Neruda”, foi realizado Michael Radford (e co-realizado por Massimo Troisi), e foca-se na relação do poeta chileno, Nobel da Literatura, com o seu carteiro, na ilha italiana de Salina, onde se estabelecera. O filme foi o derradeiro projeto do realizador, produtor e também protagonista do filme Massimo Troisi, intérprete do carteiro, que morreu logo depois da rodagem.

Tanto Lorenzo Baraldi e Gianna Gissi revelaram-se animados e, como italianos que são, bastante acolhedores com a equipa da MHD. A carreira de Lorenzo Baraldi, de 77 anos, e Gianna Gissi, 75 anos, duas “estrelas ocultas” da equipa de produção de “Il Postino”, pode ser conhecida aqui.

A nossa entrevista focou-se não só no trabalho em particular destes artistas, mas também na colaboração em equipa, com Massimo Troisi e Michael Radford. Procurámos também preservar algumas expressões da língua italiana, cuja sonoridade nos deixam completamente rendidos. Andiamo?

MHD:  Como contemplam o vosso trabalho, aqui exposto, 24 anos após a estreia de “Il Postino”? E como se sentem ao vê-lo exposto através da Festa do Cinema Italiano?

GG: Eu penso que é uma coisa muito bella para nós os dois. É muito importante que o público entenda o que há detrás do filme e aquilo que é o seu lado criativo. Não falo só por mim, Gianna, ou pelo Lorenzo, mas por todos os profissionais que trabalham no set de qualquer filme.

LB: Na verdade, eu e a Gianna temos uma associação dos diretores de arte e figurinistas italianos, integrada na Cinecittà, e queremos promover o trabalho por detrás de qualquer filme. Procurámos fazê-lo tanto junto da academia, mas também junto das escolas. E este é um trabalho que ainda poucos conhecem.

GG: É importante perceber que esta é a primeira vez que promovemos o nosso trabalho fora de Itália. 24 anos depois esta é a primeira vez que expomos o nosso trabalho fora do nosso país!

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Cinema Italiano
Lorenzo Baraldi (esq.), Stefano Savio, diretor da Festa do Cinema Italiano (centro) e Gianna Gissi (dir.)

MHD: Como foi trabalhar na produção de “Il Postino”? E como foi a vossa colaboração com Michael Radford e com Massimo Troisi, também ele co-realizador, produtor e protagonista do filme?

GG: O Massimo Troisi, que já no momento de produção estava muito doente, quis para este filme um realizador americano, mas não queria um filme italiano pitoresco. Ou seja, queria uma abertura internacional do projeto, de preferência para dar outra visão, sem o frequente cliché dos filmes italianos. Mas a verdade é que Michael Radford era britânico e não sabia nada de cinema italiano, nem de Itália naquela época em particular, os anos 50. Embora soubesse ler, escrever e falar italiano, não tinha experiência nenhuma na nossa cultura. Radford estava habituado ao que poderemos designar de método anglo-saxónico do storyboard. Aí entrámos nós os dois. Eu e o Lorenzo, juntamente com o Massimo Troisi, acompanhávamos Radford pela região onde o filme foi filmado, a ilha de Salina, e acabaríamos por explicar-lhe como era a verdadeira Itália.

LB: O meu trabalho foi fundamentalmente de começar a trabalhar com o Michael Radford na criação de um imaginário da Itália. Razão pela qual lhe tenha mostrado fotografias, sequências de outros filmes, e alguns recortes de jornais. Embora estivesse habituado a viajar, porque era filho de um general britânico a residir na Índia, não tinha qualquer contacto com Itália. O nosso objectivo era que o Michael Radford tivesse o conhecimento suficiente sobre a situação política, social e cultural da Itália.

MHD: Sentem algumas diferenças na produção do cinema italiano de outrora, aquele em que se formaram, e o cinema italiano de agora?

LB: (risos) Pergunta difícil. O cinema daquela época, dos anos de ouro, era muito diversificado. Refiro-me ao cinema de Federico Fellini, Michael Antonioni, Luchino Visconti, Elio Petri, etc. etc. O certo é que era um período histórico esplêndido, de cinematografia especial, excepcional e ainda funcional. A razão para isto eram as produtoras, e os seus produtores que eram privados que tinham sabedoria para desenvolver e selecionar certos projectos. No cinema de hoje é impossível ter a mestria de colaborações entre produtores e realizadores italianos que funcionou lindamente durante quase vinte anos.

Isto acontece porque atualmente os principais produtores de cinema em Itália são as televisões, a Rai, a La7 e a Sky. Não são os privados. Portanto, o cinema italiano passou a ser um cinema institucionalizado, cuja visão sobre a arte é reduzida. Todos podem ser bastante competentes para decidir o que é um bom argumento daquilo que não é, mas limitam a criatividade.

GG: Vero (risos).

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Esboços dos figurinos do filme “Il Postino”, de Gianna Gissi

MHD: Como começou o vosso percurso, como figurinista no caso da Gianna, e como director de arte no caso do Lorenzo?

GG: (suspiros). Eu vou ser breve. Eu sou uma filha da guerra , no qual o único entretenimento era ir ao cinema. Fazia-o para sonhar e custava pouco, muito pouco. Tínhamos tanto por onde escolher! (sorrisos) Entre cinema de primeira categoria, o de segunda categoria, terceira, e assim sucessivamente. E eu ia ao cinema todos os dias. Quando chegava a casa perguntava-me como é que poderiam fazer aquilo! E o guarda-roupa, como seria? Eu mesma era uma pessoa que desenhava bastante, talvez porque o meu pai tinha o dom de desenhar. Eu tive a sorte de viver no sítio certo, em Roma, que era a capital da cultura cinematográfica italiana. Naquela altura, como não havia televisão, produziam-se 300 filmes por ano. Mesmo assim, depois de me formar como figurinista, tive novamente muita sorte em encontrar emprego. A oferta de trabalho era até maior do que a procura.

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LB: Para mim foi a mesma coisa. Eu queria desenhar e queria saber como se fazia cinema, interessando-me pelos cenários. Arranjei emprego ao entrar em contacto, por telefone, com um cenógrafo em Roma. Como ia pela rua sempre com os meus desenhos numa pasta, a oferta foi imediata (pausa para reflectir). Era mesmo outra coisa.

MHD: Não precisavam de e-mail, nem de aguardar por vários dias pela resposta. Isso assim era tão fácil…

LB: Non, non, non (gargalhadas).

GG: Era più semplice. 

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Esboços dos cenários do filme “Il Postino”, de Lorenzo Baraldi

MHD: Gostam de saber que o cinema italiano é celebrado por Portugal e por outros países como Angola, Moçambique ou Brasil? E se o cinema italiano fosse mais além na sua ligação com a cultura lusófona?

GG: Claro que sim. Entre a cultura portuguesa e a cultura italiana existem pequenos aspectos que as ligam imenso. Um deles é que ambos somos povos que ao longo da história sofreram imenso. Para mais, eu penso que todos os temas e morais do cinema italiano são universais. Provavelmente não são indiferentes não só a Portugal, como também não serão indiferentes aos países lusófonos, as vossas ex-colónias. Eu até espero, e o Lorenzo espera provavelmente, que ainda possa existir uma co-produção filmada aqui em Lisboa. Alguma coisa que possa unir os nossos espectadores. Seria o próximo passo, bastante inovador: creare un film italo-portoghese.

LB: Nós já estivemos em Portugal nos anos 80 para tentar filmar um filme italiano. No entanto, naquela época o cinema português não tinha capacidade de suportar o orçamento de certas produções estrangeiras. Por isso decidimos filmar em Espanha, perto da zona de Trás-de-Montes. Passados cerca de 30 anos, gostaríamos de saber que as coisas mudaram e que há novas oportunidades para rodar cá. Eu acho que os franceses, os italianos, os espanhóis deveriam vir filmar a Portugal, um país bellíssimo. Se encontrámos a ilha de Salina na Itália, acredito que aqui poderíamos encontrar o mesmo em Portugal.

MHD: Grazie mille.  

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Il Postino

A equipa da MHD gostaria de agradecer à equipa da Festa do Cinema Italiano, pela prontidão da resposta em conseguirmos conversar com o Lorenzo Baraldi e a Gianna Gissi. Premiado com o Óscar de Melhor Banda-Sonora, “Il Postino” | “O Carteiro de Pablo Neruda” será reposto no Cinema São Jorge, em Lisboa, no próximo dia 8 de abril, em que Lorenzo Baraldi e Gianna Gissi estarão presentes. 

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