Hora do Desaparecimento (Weapons) – Análise
Depois de “Bárbaro,” Zach Cregger traz nova assombração para os cinemas. Desta vez será “Hora do Desaparecimento,” também conhecido como “Weapons,” onde um mistério tenebroso abala os subúrbios e as portas de casas familiares se abrem como buracos negros prontos a tudo engolir. O elenco conta com Julia Garner, Josh Brolin, Alden Ehrenreich, Benedict Wong, Austin Abrams, o pequeno prodígio de Cary Christopher e a glória grotesca de Amy Madigan.
Era uma vez um sítio chamado Maybrook, onde as pessoas viviam em grandes casas ladeadas por belos jardins no idílio dos subúrbios, muito parecido com tantos outros pelo mundo fora. Como em todos os locais do género, segredos e mentiras escondiam-se atrás de sorrisos e boas maneiras, os marginalizados sofriam nos becos escuros e esquálidas florestas, alguns bebiam e outros deixavam-se levar pela raiva. Mas nada de mais, nada de especial ou fora do vulgar. Até que, certa quarta-feira, quando a professora da terceira classe Justine chegou à sala de aula, deparou-se com dezassete cadeiras vazias. Onde estava a turma? Ninguém sabe.
Pelas 2:17, os meninos acordaram, levantaram-se, desceram as escadas e saíram porta fora, na direção do breu. Segundo as imagens capturadas por câmaras de vigilância, não havia força alguma a obrigar ou guiar as crianças, todas elas agindo pelo que parecia ser escolha própria. Muitos inquéritos foram feitos, mas o mistério lá permaneceu sem resposta. Ainda abalada pela perda coletiva e a falta de explicação, a comunidade viu-se forçada a seguir em frente com as suas vidas.
Um mês depois de fechar portas, a escola reabriu. Assim começa o novo filme de Zach Cregger, espécie de conto-de-fadas moderno que traz a mística do terror folclórico para um cenário suburbano. É “Hansel e Gretel” no século XXI, um “Flautista de Hamelin” americano.
O misticismo do folclore chega aos subúrbios.
Ao som de narração infantil e “Beware of Darkness” de George Harrison, o prólogo que Cregger orquestrou é um exercício formidável em estabelecer o tom que domina sua “Hora do Desaparecimento.” Inquietante e instável, até dado à transformação tragicómica. Porque da mágoa surge o absurdo no limiar da farsa, a possibilidade de palhaçada sobrenatural de mãos dadas com as angústias comuns de cada dia. Isso torna-se clarividente logo no primeiro de seis capítulos, cada um dedicado à perspetiva de uma só personagem, levando à revisitação cíclica dos mesmos momentos ao longo de uma narrativa fragmentada, mas linear.
O realizador mencionou “Magnolia” como inspiração, mas a forma final está mais perto de “Rashomon.” Enfim, Justine protagoniza essa passagem inicial, relatando a vitimização da professora perante uma comunicada que, no seu pânico, decide atirar as culpas para cima de uma mulher que sabe tanto como eles – ou seja, nada. De seguida virá o outro lado da moeda, a história de Archer cujo filho desapareceu naquela noite e cujas tristezas se têm manifesto numa fúria difícil de conter. O polícia Paul tem direito a um capítulo solo também, assim como o sem-abrigo toxicodependente, James.
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O diretor da escola, Marcus, aparece no capítulo que começa a desvendar o mistério, mas é no fragmento dedicado a Alex, o único menino da turma que não desapareceu, onde Cregger explica tudo à audiência. De facto, explica em demasia, sacrificando o terror do desconhecido por uma conclusão bem definida que deixa poucas dúvidas acerca do sucedido dentro da narrativa. O que salva a “Hora do Desaparecimento” e a faz vingar é mesmo aquele tom quimérico de que falei antes, essa capacidade para arriscar o ridículo na procura da maior visceralidade possível. E não podia ser de outra forma, não fosse este projeto nascido do luto prestado a um comediante.
Muito antes de “Bárbaro” lhe ganhar fama como um novo mestre do terror contemporâneo, Zach Cregger fez carreira no mundo da comédia, criando a trupe The Whitest Kids U’ Know com alguns dos seus amigos. Trevor Moore era um desses companheiros e tornou-se no principal colaborador criativo de Cregger durante muitos anos. Tudo mudou no verão de 2021, quando a luta de Moore com o alcoolismo teve um fim muito triste. Embriagado, o comediante caiu da varanda de sua propriedade Los Angelina, sofrendo feridas graves que resultariam na sua morte. O choque desta tragédia repentina inspirou o amigo a tentar articular os seus sentimentos na arte, no terror, no mistério destas crianças desaparecidas.
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Weapons: Um filme pessoal, marcado pela perda.
Por isso mesmo, o tema do abuso de substâncias aparece entrelaçado na conceção de muitas das personagens, unindo-se ainda às memórias de uma infância passada com pais dependentes do álcool. “Hora do Desaparecimento” está carregado com toda esta carga pessoal, emoções fortes muitas vezes manifestas em imagética que só faz sentido ao nível intuitivo sem, necessariamente, coerir em termos intelectuais. O simbolismo presente não tem significados concretos, com significantes caóticos até onde a vista alcança, mas há mil possibilidades e nenhuma delas erradas. Pensemos no legado traumático dos tiroteios escolares ou na ideia das gerações mais velhas em sustento vampírico através dos jovens.
Este último detalhe manifesta-se principalmente na figura da Tia Gladys, personagem sobre a qual não direi muito com temor do spoiler. Fica a ideia de uma excentricidade ilusória e a maquilhagem garrida de um cadáver pintado para o velório. Fica uma prestação maravilhosa de Amy Madigan cujo figurino colorido não implica a abordagem ao papel nos mesmos tons. Na intimidade de um lar pervertido pela sua presença, ela é fria e direta, uma lâmina afiada sem ornamentos a atrapalhar a sua passagem cortante. Há quem já fale em prémios para atriz, o que, não sendo provável, também não seria imérito.
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Gladys recorda o legado do hagsploitation dos anos 60 e 70, o legado da Minnie que valeu um Óscar à “Semente do Mal,” e todas aquelas mulheres no cânone do terror cuja feminilidade envelhecida prova ser pesadelo para muito cineasta. Tal herança de tradição misógina poderá fazer desta “Hora do Desaparecimento” uma delícia amarga e difícil de engolir para muitas audiências.
Não culpo quem rejeite o filme nesses termos, mas prefiro criticar a obra pela estrutura que limita o potencial dramático do exercício, condenando a história a uma série de solavancos. É evidente, contudo, que falhas assim jamais invalidam os prazeres ímpios da “Hora do Desaparecimento,” a inquietação que causa calafrios e um clímax sangrento que tanto tem de mórbido quanto de carnavalesco.
Hora do Desaparecimento
Conclusão:
- Nascido dos sentimentos de perda do seu realizador, “Hora do Desaparecimento” predica o evangelho do bruxedo, trazendo ideias do folclore para os subúrbios americanos do século XXI. O filme parte-se em seis capítulos, um prólogo e epílogo narrados, mas pouco beneficia dessa estrutura além da qualidade de conto-de-fadas conferida por tais afetações pseudoliterárias. Enfim, é um problema forte sem ser daqueles transtornos que ofuscam as mais-valias do projeto inteiro.
- De facto, trata-se de uma das grandes delícias do terror em 2025, almejando a proporção de um épico e a tragicomédia de uma piada macabra. As reflexões sobre alcoolismo são especialmente marcantes, desde a figura de uma professora que tenta anestesiar as mágoas com vodka até à metáfora sobrenatural de dois pais atordoados por uma qualquer malignidade.
- O elenco é especialmente notável, com destaque para dois atores em pontos opostos do espectro geracional. Temos Cary Christopher numa prestação de invulgar claridade dentro do contexto infantil, estoico e credível, mesmo quando a história se precipita para o fundo de um abismo absurdista. E depois há Amy Madigan, atriz veterana que aqui mostra talentos nunca antes vistos na sua carreira.