15ª Festa do Cinema Italiano | Lei mi parla ancora, em análise

“Lei mi parla ancora,” também conhecido como “We Still Talk,” é uma das obras selecionadas para a 15ª edição da Festa do Cinema Italiano. O filme de de Pupi Avati conta com Renato Pozzetto, Fabrizio Gifuni e Lino Musella nos papéis principais.

Adaptado a partir de um romance de Giuseppe Sgarbi, “Lei mi parla ancora” é um exercício em sentimentalismo à moda antiga, cheio de nostalgia e embevecida memória. Tudo começa no presente, contudo, fora do plano da recordação. Aí, encontramos Nino e Caterina, casados há 65 anos e ainda apaixonados. Certa noite, ela sente-se mal, como que avassalada pelo presságio do fim. Na escuridão, testemunhamos como o casal é separado, ela na ambulância e ele deixado para trás. Nem Nino ou Caterina sabem, mas nunca mais se voltarão a ver.

Como que em gesto misericordioso, o argumento de Pupi e Tommaso Avati fragmenta a perspetiva do conto. Ao invés de nos afundarmos na aflição do velho esposo, visitamos o ponto de vista filial, e é através dos filhos que nos apercebemos da real gravidade da situação. Numa cena tocante, ao saber que Caterina escondeu o telemóvel entre as roupas da cama, Nino tenta falar-lhe no hospital. Um enfermeiro rigoroso depressa põe termo aquilo, uma dessas escolhas textuais que apontam para uma manipulação desavergonhada do espetador, suas emoções.

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© Festa do Cinema Italiano

Enfim, as notícias da morte não surpreendem quem vê o drama revelar-se no ecrã, mas certamente abalam as personagens dentro dele. Nino, em particular, parece entrar num estado de profunda desconexão, quase catatónico no luto. Elisabetta, sua filha querida, parece ser a única capaz de reconhecer a perdição do pai. Sem saber para onde se virar, ela tem a ideia de distrair Nino com um projeto memorialista. Como que em homenagem à sua esposa, o senhor idoso desbobinará a lembrança e dela se fará um livro – um romance sobre Caterina.

Nesta conjuntura, “Lei mi parla ancora” revela quanto o seu primeiro ato foi prólogo. A verdadeira estrutura da peça incide na crispação que se desenvolve entre Nino e Amicangelo, o escritor encarregue de transformar as recordações do viúvo num texto publicável. Acontece que, nestas duas pessoas, o filme desenha um conflito de personalidades baseado no modo como cada homem encara a questão amorosa. Temos um romântico e um cínico, um devoto marido e um amante negligente. É evidente, pois claro, que da tensão nasce a amizade, não fosse esta uma fita lamecha.

A partir desse ponto, um filme bifurca-se em dois. Por um lado, observamos Nino e Amicangelo trabalhando no livro e no seu periclitante entendimento. Por outro, visitamos as memórias amorosas e aprendemos a história do casal que a morte tão cruelmente separou. O tom nostálgico chega a píncaros sentimentais, mas não deixa, por isso, de iluminar as dificuldades que o par enfrentou nos primeiros anos do matrimónio. As relações difíceis com a família de Nino são especialmente evidenciadas, culminando num momento em que a separação parece inevitável.

Ao todo, trata-se de um engenho bem oleado e construído com a função de puxar as lágrimas ao espetador. O esforço é tão óbvio que repugna, mas há uma estranha qualidade redentora neste trabalho. Pupi Avati e seus atores são sinceros, tão perdidamente genuínos que é impossível assumir o filme enquanto um gesto mercenário ou inautêntico. Existe, pelo contrário, um apelo cândido a uma sensibilidade sentimental, ao elogio da paixão e a crença no amor que nasce à primeira vista e jamais esmorece.

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© Festa do Cinema Italiano

Em certa medida, este registo representa um curioso ponto evolutivo na carreira do realizador. Nos inícios da carreira, Pupi Avati ganhou fama enquanto criador de giallos, policiais lascivos, filmes de terror cheios de estilo e violência. Em tempos mais recentes, o trabalho televisivo não demonstra inclinação para esses géneros negros, mas gostaríamos que o cineasta tivesse mantido algum do aprumo formalista desses filmes no seu passado. Fitas como “Zeder” não eram obras-primas audiovisuais, mas tinham mais caráter que “Lei mi parla ancora.”

A fotografia de Cesare Bastelli dá ao projeto toda uma estética televisual, como se de um telefilme se tratasse. A montagem de Ivan Zuccon corresponde às demandas do texto, mas nada surpreende ou inova. Só mesmo os cenários têm algum brilho, materializando muitos anos de história sugerida e nunca totalmente articulada em diálogos. Diríamos que só a cenografia de Giuliano Pannuti mereceria prémios. Apesar disso, as academias italianas discordam com tal julgamento. Nas recentes nomeações para os galardões David di Donatello, tanto argumento como a prestação de Renato Pozzetto conquistaram nomeações.

Lei mi parla ancora, em análise

Movie title: Lei mi parla ancora

Date published: 4 de April de 2022

Director(s): Pupi Avati

Actor(s): Renato Pozzetto, Lino Musella, Fabrizio Gifuni, Stefania Sandrelli, Isabella Ragonese, Chiara Caselli, Nicola Nocella, Gioele Dix, Serena Grandi, Alessandro Haber

Genre: Drama, 2021, 100 min

  • Cláudio Alves - 50
50

CONCLUSÃO:

“Lei mi parla ancora” será um deleite para aqueles que procurem um entretenimento sentimental para passar uma calma tarde em frente ao ecrã. Quem quiser um trabalho mais sofisticado, não encontrará tal coisa nestes lados. O mais recente filme de Pupi Avati prima pela simplicidade, pelo simplismo e pelo sentimento.

O MELHOR: A sinceridade tonal que domina o projeto. Além disso, só a cenografia merece especial aplauso.

O PIOR: A desconjuntura estrutural do texto, o modo como Caterina é marginalizada em prol do marido até ao ponto em que é mais ideia que pessoa.

CA

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