Loucamente, em análise

 

Estreado em Cannes 2016, chega finalmente às nossas salas o maravilhoso ‘Loucamente’, do italiano Paolo Virzì, (‘Capital Humano’), um filme que faz rir, chorar, emocionar e reflectir, no fundo a essência do cinema. Depois de ‘Thelma & Louise’ (1991), de Ridley Scott, talvez nunca um filme sobre duas vidas de mulheres, possa tocar tanto a alma e as emoções dos espectadores. 

Loucamente
As semelhanças com ‘Thelma & Louise’.

Loucamente o novo filme do italiano Paolo Virzì, — co­-escrito com Francesca Archibugi — o realizador de Capital Humano (2013) — um brilhante mosaico de histórias cruzadas de três personagens à procura de si próprias — foi apresentado na Quinzena dos Realizadores, na secção paralela não-competitiva do Festival de Cannes 2016.  

Loucamente
Um filme feito à medida das duas actrizes.

Loucamente é um daqueles filmes que poderia ter estado perfeitamente na competição, não fosse quase como sempre os selecionadores dos festivais terem uma espécie de alergia às comédias. No entanto, já na altura em Maio passado, a história protagonizada por Valeria Bruni Tedeschi (Um Castelo na Itália) e pela mulher de Virzì, a bela actriz italiana Micaela Ramazzotti (A Primeira Coisa Bela), foi recebida com fortes aplausos e muita emoção na sala de uma paralela à Croisette.

Vê trailer de Loucamente 

Loucamente conta a história de duas mulheres (Valeria Bruni Tedeschi e Micaela Ramazzotti) que se escapam de uma comunidade terapêutica, para revisitarem o seu passado. Beatrice (Tedeschi) é uma sofisticada condessa bilionária por um ex-casamento falhado, mas falida por herança e restrição dos tribunais, que acredita que tem uma boa relação com os líderes mundiais e a elite de políticos italianos. Donatella (Ramazzotti) é uma jovem silenciosa e tatuada, fechada no seu próprio mistério e tragédia de vida. As duas são pacientes de uma instituição mental onde vivem com uma liberdade restringida.

Loucamente
Uma loucura desbragada na Itália de hoje.

Depois de Thelma & Louise — a comparação como irão ver é mais do que inevitável — nenhum filme sobre duas mulheres que se tornam amigas improváveis, emocionou tanto um espectador. É de facto um filme feito à medida das duas actrizes, brilhantemente dirigidas por Virzì. 

Loucamente
Humor mas também ternura.

Loucamente é uma escolha excelente para o título em português (no original La Pazza Gioia), para definir esta esplêndida ‘tragicómedia’ — chamar-lhe assim é mais exacto tendo em conta o seu tom amargo — pela diversidade de sensações que vai produzindo no público, ao longo do seu notável desenvolvimento. E depois um bem-estar e uma memória que dura muito para além do final.

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Valeria Bruni Tedeschi — talvez num dos melhores papéis da sua carreira, mesmo melhor do que quando fez quase de ela própria, em Um Castelo na Itália, um filme baseado na sua família —  e Micaela Ramazzotti são duas mulheres que as circunstâncias da vida fizeram com que se encontrassem num lugar que não podia ser mais inapropiado para viverem: um hospital psiquiátrico instalado numa ‘vila burguesa’, numa Itália, que ‘é um manicómio a céu aberto’, uma definição que está em concordância com as palavras do próprio realizador Paolo Virzì.

Para interpretar a Beatrice, a actriz Valeria Bruni Tedeschi parece ter-se inspirado no snobismo da mítica personagem de Blanche DuBois, do clássico Um Eléctrico Chamado Desejo, (1951) de Elia Kazan. Na verdade, Beatrice é uma figura que se protege da dureza e da doença do resto dos personagens que a rodeiam, com uma mistura de loucura e imaginação para se proteger da sua própria fragilidade. Beatrice (Tedeschi) é extrovertida, exagerada, exuberante, terna, agressiva, mentirosa e malcriada por vezes. É notável como a actriz muda de registo com uma elegância e uma naturalidade de arrepiar.

Como a Blanche, a Beatrice parece confiar na bondade dos desconhecidos, e como conhece toda a gente, falta-lhe pouca bondade para descobrir. Donatella, (Ramazzotti), pelo contrário é introvertida, nostálgica, amargurada, triste e sonhadora. De facto Ramazzoti — e já o tinha-mos visto no drama familiar de A Primeira Coisa Bela — é uma daquelas actrizes que só com um olhar consegue expressar toda a dor do mundo.

Por isso, esta dupla tal como Thelma & Louise torna-se explosiva. Primeiro no manicómio, e depois ainda mais radical e emocionante quando as duas mulheres decidem escapar do trabalho comunitário e irem resolver uns assuntos, há algum tempo, pendentes nas suas vidas. Do internado forçado à liberdade total, o filme desenvolve-se entre jogo e o risco, e pouco a pouco sobre a consciencialização dessas mulheres relativamente a um passado difícil de recuperar.

Loucamente é um daqueles filmes que não pode passar despercebido e ser mais uma estreia nas salas de cinema. É sem dúvida um dos filmes do ano pela sua impressionante força, pelo seu humor corrosivo, e pela sua profunda ironia. Os planos são de luxo e imersos numa maravilhosa fotografia que mostra para além da fotogenia da duas actrizes, as maravilhosas tonalidades dos céus azuis, ocres dos edifícios e da terra e os belos entardeceres italianos. A banda sonora faz lembrar as velhas, inteligentes e românticas comédias do anos de ouro do cinema italiano.

O MELHOR: A interpretação da duas actrizes sobretudo com Valeria Bruni Tedeschi, a transcender-se;

O PIOR: Se de facto esta estreia de Loucamente não tiver a visibilidade que merece.



Título Original:
 Loucamente

Realizador:  Paolo Virzì
Elenco:  Valeria Bruni Tedeschi, Michaela Ramazzotti
Alambique | Comédia | 2016 | 118 min

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JVM

 

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