Lucy, em análise
Imediatamente captando a atenção de ambos os géneros – masculino e feminino – o que se deve (já se percebeu) a essa sensualidade que algumas actrizes possuem em percentagens abismais – e não, não só 10% -, mas da qual os realizadores e ‘costume designers’ também se sabem utilizar de forma inteligente, Scarlett Johansson é a rainha da história. Debaixo da pele de Lucy.
E Lucy vê-se, subitamente, apresentada ao universo do tráfico de droga. E esse envolvimento não tem nada de voluntário, antes se resume a um apossamento do seu corpo para transportar uma substância de nome CPH4. Contra o expectável, os pacotes de CPH4 vertem o composto pelo sistema orgânico de Lucy, o que desencadeia, gradualmente, um super controle das capacidades cognitivas, bem como das suas forças e de todo o ambiente que a rodeia, nomeadamente da vontade alheia. Entretanto, e a par deste super poder, o discurso de um teórico e catedrático, Professor Norman (Morgan Freeman), vai acompanhando a contagem decrescente…Ou crescente.
Tempo. Humanidade. Conhecimento. Mulher. Idealismo transcendental.
Luc Besson aborda estes conceitos através de um argumento vivo e extremamente visual, e que, dentro do género, satisfaz o nosso desejo de entretenimento. As raras omissões de adrenalina na forma de perseguições, lutas e violência física são substituídas por uma ou outra cena de relevante carga emocional, como é exemplo o diálogo mantido entre Lucy e a mãe. Uma comovente viagem no tempo.
S. Johansson e o seu percurso cinematográfico têm, em “Lucy”, mais um motivo de reflexão. Não deixa de ser interessante a ‘trilogia robótica’ a que a actriz deu corpo em três dos seus últimos trabalhos – “Her”, “Under the Skin” e agora este explosivo “Lucy”.
Mas à semelhança de um guião, não só existe o protagonista – essa interacção conceptual sob a forma de acção/crime/ficção científica, que domina toda a película -, mas também o antagonista. Porque, tal como tantas outras produções, esta não estará isenta de defeitos. E no universo da ciência e medicina, as hipóteses de falhanço tendem a aumentar, devido à tecnicidade e necessidade de rigor na explanação de teorias que ultrapassam a ficção. E por mais que os criadores se justifiquem com prévias consultas a especialistas na matéria, haverá sempre alguém a colocar em causa as equações traçadas.
L. Besson, em declarações acerca da sua criação, entende-a como que dividida em três partes: uma primeira, “Léon”, uma segunda, “Inception”, uma terceira, “2001 – Space Odyssey”. A questão é que se a primeira criação é sua, as outras duas não são, e corre o risco (e sabe-o, pois também o refere no seu “Statement Of Intent”) de roçar a pretensão, atendendo a que os filmes para que remete são marcos do crime/drama, acção e ficção científica, respectivamente.
Sem prejuízo das eventuais falhas nas teorias avançadas, objectivos pretendidos, e de uma certa derrapagem nos últimos minutos, a verdade é que esta história é daquelas que se vêem e sentem, mesmo antes de se compreenderem. Mesmo refém da sua estrutura tecnológica e racional, há pontos de luz que nos transportam. Para o que somos, e para o tempo. O precioso tempo.
E só o facto de chamar o tempo – e a sua escassez – já é motivo suficiente para o seu visionamento.
Sofia Melo Esteves