Martin Scorsese revela o motivo de existir um erro neste famoso filme com Robert De Niro
Por detrás de cada obra-prima como “Goodfellas” esconde-se uma série de decisões artísticas que desafiam as convenções estabelecidas.
No mundo do cinema, existem regras sagradas que os estudantes de realização aprendem logo nos primeiros dias de aulas. Uma das mais fundamentais é a manutenção da continuidade visual entre planos — aquela consistência mágica que nos faz acreditar que o copo que estava meio cheio numa cena, permanece exactamente com o mesmo nível na cena seguinte. No entanto, quando se trata de verdadeiros mestres da sétima arte, as regras tornam-se meras sugestões, e Martin Scorsese é precisamente o tipo de realizador que sabe quando — e porquê — quebrá-las.
O charuto desaparecido de Goodfellas
Martin Scorsese deixou deliberadamente um erro de continuidade flagrante em “Goodfellas”, um dos seus filmes mais aclamados de sempre. Durante uma cena crucial entre o chefe mafioso Paulie Cicero (interpretado por Paul Sorvino) e Sonny Bunz (Tony Darrow), um charuto aparece e desaparece misteriosamente da boca de Sorvino, sem qualquer explicação visual.
Este tipo de “erro” seria impensável para um realizador menos experiente, e certamente motivo de crítica feroz em qualquer trabalho académico de cinema. Contudo, na visão de Scorsese e da sua editora de longa data, Thelma Schoonmaker, esta decisão estava longe de ser um lapso.
Segundo Schoonmaker, vencedora de três Óscares pela sua edição magistral, “a prioridade é absolutamente dada ao melhor ‘take’ em termos de interpretação, e francamente não compreendo porque é que as pessoas ficam tão fixadas nestes aspetos.” Numa entrevista à Film Comment, a editora revelou que após perder o Óscar de Melhor Edição para “Danças com Lobos“, um dos editores vencedores terá citado precisamente este erro de continuidade como justificação para a sua derrota.
A montagem como expressão da realidade subjetiva
Para compreender esta abordagem aparentemente negligente de Goodfellas, é necessário entender que a montagem nos filmes de Scorsese nunca pretendeu ser invisível ou meramente funcional. Influenciado pelos mestres da Nouvelle Vague francesa e do Neorrealismo italiano, Scorsese não se interessa em espelhar a vida real. O realizador está mais interessado em criar uma linguagem visual que exprima algo inegavelmente mais profundo.
No caso específico desta cena com Paulie Cicero, a performance extraordinária de Tony Darrow, um ator sem formação formal, foi considerada tão valiosa que preservá-la intacta superou qualquer preocupação com a posição de um charuto. “Era muito mais importante para nós capturar esta bela interpretação deste ator não treinado do que preocuparmo-nos com onde está o charuto na mão de Paul Sorvino”, explicou Schoonmaker. Assim, no final de contas, o que mais recordamos desta cena: a posição de um charuto ou as inesquecíveis interpretações de Sorvino e Darrow?
Embora não seja uma declaração artística explícita, estas quebras de continuidade evocam o estilo de montagem elíptica do filme que distorce a realidade, tal como Henry Hill, o narrador pouco fiável que demonstra comportamento frenético ao longo da história. “Ser levado pelo poder do filme”, como Schoonmaker descreveu à Film Comment, é o primeiro objetivo de qualquer obra de Martin Scorsese. A montagem de Goodfellas de Scorsese é, em última análise, uma sinfonia de expressões concisas mas compreensíveis.
Da próxima vez que notares um “erro” num filme, pergunta-te: será mesmo um erro, ou uma escolha que coloca a emoção acima da perfeição? Partilha connosco o teu “erro” cinematográfico favorito nos comentários.
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