Martin Scorsese revela segredos de Silêncio

Numa fenomenal entrevista para a Film Comment, Martin Scorsese falou da longa e atribulada viagem de Silêncio desde as páginas até ao grande ecrã.

Pode não ter sido nomeado para o Óscar de Melhor Realizador este ano, mas Martin Scorsese continua a ser um dos cineastas mais admirados e celebrados de todo o mundo. Com a sua mais recente obra, o iconoclasta autor por detrás de Taxi Driver e Touro Enraivecido veio mostrar como ainda tem muito que dizer e explorar com os seus filmes, sendo Silêncio um projeto de cariz particularmente pessoal. O épico passado no passado histórico japonês demorou quase três décadas a ser feito e constitui em si uma adaptação cinematográfica de um dos livros mais marcantes na vida do realizador, a obra homónima de Shûsaku Endô.

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Recentemente, Scorsese falou com o prestigiado crítico de cinema Nick Pinkerton sobre Silêncio, revelando alguns dos seus segredos e influências na criação deste épico sobre a perigosa odisseia de padres Jesuítas portugueses no Japão do século XVII, quando as autoridades perseguiam os cristãos de modo impiedoso. Tal descrição pode sugerir um filme de escala monumental, e o produto final assim parece ser, mas, na verdade, a produção gastou somente 22 milhões de dólares, sendo que Scorsese e outras pessoas envolvidas não receberam salário para permitir que o filme finalmente visse a luz do dia. No entanto, devido a uma série de problemas jurídicos e judiciais que envolveram os direitos de adaptação do livro, a equipa por detrás do filme gastou mais de 24 milhões em advogados.

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Foi só em 2006 que Scorsese se sentiu confortável o suficiente no seu conhecimento e entendimento da obra de Endô para escrever o guião. Esse processo revelou-se difícil e cheio de problemas inerentes à estrutura bizarra da obra que passa de um romance epistolário, a uma espécie de reflexão na primeira pessoa em forma de prece. Foi através da voz-off, um reflexo da constante existência introspetiva de um religioso do século XVII, que o cineasta lá foi construindo o esqueleto narrativo do seu filme Infelizmente, ao mesmo tempo que isso acontecia, ainda os direitos de adaptação andavam incertos e foi preciso muito esforço e tempo perdido para que a situação, que até já envolvia presidiários italianos, fosse resolvida.

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Felizmente, tudo acabou bem e Scorsese pode completar o seu projeto de sonho, criando, ao mesmo tempo, uma sublime adaptação da obra literária e suas complexas ideias. É de salientar como, ao contrário do que muitos têm dito em críticas desfavoráveis, Scorsese está perfeitamente ciente de questões colonialistas e sociopolíticas no que diz respeito á arrogância das personagens cristãs. Na entrevista, o cineasta chega mesmo a mencionar a sua experiência, conversas e correspondência com vários padres jesuítas que viram o filme. Ele salienta, em particular, a carta de um cristão das Filipinas sobre a ignorância destrutiva dos missionários face às cicatrizes colonialistas e especificidades culturais dos países asiáticos onde eles tentaram disseminar a Fé Cristã. Aí, Scorsese e seu correspondente destacam os diálogos entre o protagonista lusitano e o inquisidor Inoue, onde as respostas e argumentações da personagem de Andrew Garfield estão longe de serem satisfatórias apesar da sua crença devota.

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Muito Scorsese fala da espiritualidade do filme, recordando as suas memórias de prisioneiros de guerra regressados aos EUA como referência para a ostracização e falta de piedade cristã na sociedade em que ele viveu. Mas as suas inspirações e referências não se reduzem somente a lembranças pessoais, englobando também o trabalho de outros cineastas admirados por Martin Scorsese. Yasujiro Ozu, mestre dos retratos domésticos nipónicos, e Robert Bresson, rei do cinema austero e espiritualmente lacerante do panorama europeu, foram duas grandes influências, sendo o seu uso de planos apertados de objeto, detalhes e faces, uma particular ajuda a Scorsese na sua procura pela dimensão espiritual a um nível formalista. Não que, o próprio realizador salienta, ele estivesse a tentar copiar, por exemplo, a beleza dos filmes de Masaki Kobayachi, pois, pelas suas próprias palavras, por muito que tentasse, nunca conseguiria tal coisa.

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Durante a entrevista, Martin Scorsese fala ainda de algumas das suas escolhas mais idiossincráticas para Silêncio, um filme que, pela sua ênfase na ideia de purgatório para o apostata, acaba por se juntar a muitos outros projetos de Scorsese com temas semelhantes (Touro Enraivecido, Tudo Bons Rapazes, O Lobo de Wall Street, etc.). Uma das anedotas divulgadas por Scorsese remete para a montagem dos primeiros diálogos do filme, quando a narrativa ainda se situa em Macau. Aí, o poder do grande plano suplantou qualquer desejo por imagens mais gerais e, por muito que a editora Thelma Schoonmaker objetasse, o realizador escolheu alguns esquemas de montagem verdadeiramente bizarros. Scorsese dá o exemplo de um plano de Ciarán Hinds que é sucedido por uma imagem quase igual num angulo diferente, uma escolha inorgânica feita para manter a direção dos olhos do ator e a intensidade humana subjacente a tal imagem.

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Para saberes mais detalhes sobre as filmagens de Silêncio, visita o site da Film Comment onde poderás encontrar a versão integral desta entrevista. Entre outros temas, Scorsese fala ainda da sua experiência a trabalhar com o elenco japonês, do uso singular de câmara lenta e até da sua visão íntima e pessoal sobre os temas teológicos presentes no livro original.


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