Minha Mãe, em análise

 

Após a antestreia no último Lisbon & Estoril Film Festival chega às salas de cinema o novo trabalho de Nanni Morretti, Minha Mãe – marco deste ano acerca da crise de identidade de uma realizadora, cuja mãe está às portas da morte.

Minha Mãe Título Original: Mia Madre
Realizador: Nanni Moretti
Elenco: Margherita Buy, John Turturro, Nanni Moretti e Giulia Lazzarini
Género: Drama, 
Leopardo Filmes | 2015 | 106 min [starreviewmulti id=18 tpl=20 style=’oxygen_gif’ average_stars=’oxygen_gif’]

 

Durante as filmagens do seu anterior trabalho Habemus Papam, Moretti recebeu a trágica notícia da morte da sua mãe, por isso este filme busca prestar-lhe a devida homenagem. O seu enredo é centrado em Margherita (Margherita Buy) possível alter-ego de Moretti, uma realizadora de cinema cuja noticia de que a Ada, a sua mãe (Giulia Lazzarini) em breve falecerá dificulta o seu processo criativo. A protagonista não consegue conciliar vida pessoal com a vida profissional, enervando-se sistematicamente durante as rodagens do seu projeto. Por sua vez, quem lhe serve de maior apoio é seu irmão Giovanni (Nani Moretti), permanentemente preocupado com o estado em que se encontra e que todos os dias visita a mãe no hospital.

Magistralmente, Minha Mãe busca homenagear todas as mães – a ideia que trespassa é que por detrás de uma grande mulher existe outra grande mulher, neste caso uma ex-professora de Latim, que toda a vida só fez sentido quando ajudava os outros. Razão pela qual Ada não seja exemplo mais rigoroso de um envelhecimento solitário, porque soube dar-se aos outros e num momento terminal os outros também se dão a ela. Num duplo real, a casa da matriarca serve de porto de abrigo que a protagonista sempre encontrará – o momento que encaminha a esse espaço pode confundir o espectador que não sabe se Margherita sonha ou está acordada. De facto, a presença/ausência da sua mãe está sistematicamente presente no decorrer da trama, com um argumento que faz repensar sobre os problemas da perda, na rutura com o maior elo familiar.

Minha Mãe

Vê também: Minha Mãe | Nos cinemas a 26 de novembro

Se Minha Mãe é um filme sobre cinema, não poderíamos dizer o contrário, uma vez que o enredo empurra sempre nessa direcção, sustentando-se no debate contínuo sobre a identidade da protagonista. Quando observamos Margherita a dirigir e coordenar as tarefas do seu filme depreendemos a árdua tarefa dos cineastas – assombrados com a ideia de quererem criar teimosamente obras de arte. A rodagem serve como momento fundador, isto é, como mãe de todo o processo fílmico que sempre terá outras obras a quem respeitar. Mesmo que os nomes de Roberto Rossellini, Antonioni e Petri surjam para Moretti nos revelar os cineastas que serviram de inspiração, é na cinematografia de Fellini, mais especificamente no seu filme sobre cinema 8 e Meio, que encontramos um paralelo com Minha Mãe.

Minha Mãe
Lê ainda: Nomeações para os 28º EFA European Film Awards

Nele todas as cenas oníricas reportam uma certa excentricidade, dissuadindo as fronteiras entre sonho e realidade. Outra sequência é a da conferência de imprensa porque Margherita pensa duas vezes antes de responder a qualquer pergunta feita pelos jornalistas – no seu insconsciente, a personagem pensa sobre a perspetiva que o cinema deverá adotar.

Nesse sentido, também diríamos que de artificialismo se faz não apenas o filme dentro do filme, mas a própria realidade. Margherita está extremamente preocupada em filmar o dia a dia de operários de fábricas que querem manter o seu emprego, mas os figurantes selecionados são demasiado exuberantes no cuidado com a imagem – o real está mascarado, em que tanto homens como mulheres estão maquilhados, arranjam as unhas e depilam as suas sobrancelhas.

Muito dessa excentricidade reflete-se na personalidade de Barry Huggins (John Turturro, que se torna o intérprete que é), um idiota cómico e ao serviço do espetador, proporcionando-lhe algumas risadas sonantes. Barry é, por conseguinte, uma crítica a Hollywood – a insistência que trabalhou com Stanley Kubrick uma metáfora disso mesmo. Desde o primeiro minuto revela-se sarcástico que certamente descontrai a plateia, mas que enerva Margherita que já não consegue fazer o seu filme (vejamos a cena em que Barry dança com uma assistente, numa perfeita sincronia entre o momento mais risonho e o caráter pesado da cena seguinte).

Minha Mãe

Consulta ainda: Guia de Estreias | Novembro 2015

Minha Mãe é uma história poderosa que nos prolonga a imaginação acerca possíveis relações familiares entre os mais variados cineastas da história. Nanni Moretti consegue expor a nostalgia sentida aquando da perda da figura que nos criou, ágil em explorar os talentos de Margherita Buy e de Giulia Lazzarini num dos mais envolventes enredos do ano sobre a perfeita simbiose entre realismo e sonho, na arte que dá à luz a ilusão.

VJ

 


Também do teu Interesse:


Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *