João Borsch (fotografia de Igor Pjorrt)

A nossa noite romântica com João Borsch na Musicbox

Viemos passar Uma Noite Romântica com João Borsch à Musicbox e apaixonámo-nos pelo ambiente, pela banda e por aquela bateria.

João Borsch fez a transição dos palcos do Funchal para a lendária Musicbox, no coração de Lisboa. O músico e a banda atuaram numa sala de ouvintes frenéticos, em harmonia com o frenesim da música que ouvimos. O álbum de estreia, Uma Noite Romântica com João Borsch, era o que esperávamos da noite, mas o concerto superou as expectativas.

Foi quando as portas abriram, meia hora antes do início do concerto, que a Musicbox nos recebeu, com o palco já montado e o ambiente a florescer. A bateria assumia um lugar de destaque na disposição do palco – o centro. A iluminação acolhedora que os pratos da bateria refletiam contrastava com a onda azul e roxa que inundava os quatro cantos da sala. A espera não se fez sentir, foi mitigada pelo bom ambiente que nos envolvia.

Entraram dois homens, que constataram com desilusão do público não serem o João Borsch, mas com a promessa da sua chegada em breve. Começou a soar “Uma Noite Romântica com João Borsch”, ironicamente sem o João Borsch em cena, pelos incríveis Vasco Vilhena nas teclas e João Mesquita na guitarra. Presto se juntaram Inóspita (Inês Matos) na guitarra elétrica e Francisco Nunes no baixo e a banda ficou completa, preparada para acolher a estrela, João Borsch, que entrou e arrancou o espetáculo com “Douradinhos”.

Da primeira à última canção tocada  o artista surpreendeu com a disposição pouco usual da banda- um vocalista-baterista é uma combinação rara, mas correu extremamente bem. Seguiu-se uma daquelas que foi um momento francamente emocionante. Foi com a canção “Bárbara” que João Borsch pôs a nu o seu talento absurdo para a bateria; a intensidade nada desmesurada e em perfeita harmonia com todos os outros instrumentos tocados provocou pasmo numa audiência que não esperava a qualidade instrumental que descobriu. “A Emancipação de João Borsch” foi na realidade a emancipação da bateria, de novo, e sucederam-lhe duas canções ausentes do álbum mas já apresentadas pelo artista no passado. Eram singles de antes, “Desinteresse” e “Contra-Relógio”, e foram a oportunidade de Vilhena e Mesquita para brilharem, oportunidade essa que agarraram e cumpriram com sucesso. As faixas seguiram-se umas após as outras e enquanto nos aproximávamos das últimas do álbum começámos a detetar uma relação de proporcionalidade direta entre a passagem do tempo lá dentro e a euforia do público, que aumentava bem como a qualidade dos passos de dança executados.

Com “Boca Cheia” e “Sorte a Minha”, Inóspita consolidou a excelente impressão que tinha provocado nas canções previamente entoadas, e como ela também Francisco Nunes, no baixo. A qualidade instrumental foi a substância deste concerto: pode dizer-se que o álbum, com o trabalho de produção a assumir o papel de protagonista, não enfatiza o talento instrumental da banda que é possível testemunhar ao vivo, e essa distinção foi a matriz do concerto e principal razão para este ter sido tão bom. A qualidade de cada membro da banda a solo não entrava em conflito com a unidade musical que se sentiu durante a performance, o que constitui uma virtude rara em bandas em que cada intérprete se sobressai. O destaque individual foi possível numa banda em que o conjunto não foi afetado por isso.

“Madrugada”, “Superego 2000” e “Bem” pareciam fechar o concerto, fechando também o álbum, mas quando a última tocou, absorvendo toda a energia dos espetadores ávidos de pretextos para não acabar a noite, o público teve de chorar por mais para João Borsch admitir que tinha reservado um presente para os fãs que o seguiam com atenção. Foi esse o momento designado para anunciar que a canção seguinte e a derradeira seria uma canção inédita, estreada aos ouvidos do público naquela sala de espetáculos. Batizada “Pólvora”, foi de facto o motor de uma explosão final, em que o público avaliava, suspendendo as suas emoções em jeito de concentração, o som que lhe era dado a ouvir de antemão. O refrão gerou reações que destronaram o silêncio compenetrado da sala e rematou com uma pergunta que o público fez sua, cantando-a a plenos pulmões: “Quem é este escandaloso?”.

A particularidade deste álbum era o trabalho de produção, cunho pessoal de Borsch e distingue-o de outros trabalhos portugueses. A promiscuidade de estilos abrangidos neste longa-duração fascina e vale ao artista apelidos como “eclético” ou “extravagante”. Do ritmo quase infantil que marca “A Emancipação de João Borsch” ao tom épico sob a influência dos Queen em “Bem”, a versatilidade do disco é intencional- bem como o caos aparente num LP que nada tem de romântico. Depois de ver a luz do dia, este trabalho de João Borsch precisava de ganhar vida nos palcos portugueses, e, apesar do desafio aparente, a banda não desiludiu.

O bom ambiente foi a constante a destacar durante o concerto, tanto da parte da banda como do público extremamente recetivo e amistoso que João Borsch encontrou. A noite acabou com um shoutout à avó Isilda, que lá estava no seu dia de anos e à banda irrepreensível que deu corpo àquele álbum singular. O meu shoutout também é para a banda e para os fãs que conheci Rodrigo, Margarida e  Sofia, que por serem seguidores fiéis fizeram daquela noite a prova de que uma banda talentosa pode crescer com os seus ouvintes como testemunhas desse processo bonito. Os agradecimentos foram aplaudidos com pena de ver o final do concerto, com expectativas relativamente a futuros trabalhos e vontade séria de conhecer cada um dos instrumentistas melhor, visto que foi essa a verdadeira memória nascida nessa noite.

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