© Teatro da Trindade INATEL

O Amor é Tão Simples, revisitado

“O Amor é Tão Simples” é, acima de tudo, uma ode ao teatro e ao papel do ator dentro e fora de palco, onde a fama assume um papel de destaque.

Em 1939, Noël Coward escrevia “Present Laughter”, uma peça autobiográfica cuja estreia teve de ser adiada três anos em sequência da Segunda Guerra Mundial. A comédia centra-se na personagem de um bem sucedido ator que se prepara para partir numa turné por África, mas que antes tem de lidar com o corropio de mulheres que o tentam seduzir, ao mesmo tempo que enfrenta os seus fãs mais loucos e a sua ex-mulher e secretária implacáveis. Dado o grande sucesso da peça, Diogo Infante decidiu trazê-la para os palcos nacionais sob o título “O Amor é Tão Simples”. Contudo, se a versão original havia sido adiada por conta do conflito armado, também a versão portuguesa ficou suspensa devido à pandemia. Chegado finalmente o momento de estreia no Teatro da Trindade INATEL, o sucesso foi tão grande que deu origem a uma turné pelo país, estando agora com uma curta temporada no Teatro Villaret.

O Amor é tão simples
© Teatro da Trindade INATEL

Mal entra na sala, o público é desde logo apresentado a uma parte do cenário da peça, podendo-se vislumbrar uma pequena sala que se estende para lá do pano. Quando sobe a cortina, somos confrontados com uma arrebatadora decoração muito bem trabalhada, que nos transporta para uma sala de estar de alguém de classe mais elevada. A quantidade e a qualidade dos pormenores existentes no cenário captam desde logo o interesse do espectador. E num piscar de olhos, sobe a palco Gabriela Barros, interpretando uma fã lunática que passa a noite em casa do seu ídolo Guilherme de Andrade, um dos atores mais conceituados do país. A velocidade energética com que Gabriela interpreta a sua personagem é como um gancho que rapidamente prende a nossa atenção. E é através da sua presença no proscénio que nos são apresentadas muitas das outras personagens que fazem parte de “O Amor é Tão Simples”, quase como se de um desfile se tratasse. Primeiro, vem a cena Ana Cloe sob a pele de uma empregada russa que se conecta com o mundo dos espíritos, sendo capaz de arrancar uma gargalhada fácil mal sobe a palco. Segue-se Flávio Gil que se apresenta como o fiel mordomo que respeita ao máximo as rotinas do seu amo, enquanto Rita Salema surge como o ponto de equilíbrio e estabilidade na desorganizada vida de Guilherme de Andrade, de quem é secretária. Sem ela e o seu toque quase maternal, o famoso ator andaria perdido no mundo da fama. Por fim, o rol de personagens conta ainda com a presença da personagem interpretada por Ana Brito e Cunha, a ex-mulher cheia de classe do protagonista que se mantém como a sua melhor amiga e confidente, sendo ela a voz da razão que mantém o lunático ator com os pés firmes em terra.

O amor é tão simples
© Teatro da Trindade INATEL

Finda a apresentação inicial das personagens que mais comumente vemos em palco, eis que surge o protagonista de toda a ação, Guilherme de Andrade, intepretado pelo também encenador da peça, Diogo Infante. A sua personagem mais não é que um ator narcisista que vive numa intensa crise de meia-idade que não o permite conformar-se com a passagem natural do tempo. Absorto por completo no mundo da fama, o ator vive cercado por mulheres que tentam ao máximo lutar pela atenção do seu ídolo, ao mesmo tempo que é incessantemente solicitado pelos seus lunáticos fãs que fazem de tudo para chegar perto dele, como é o caso da personagem interpretada por Cristovão Campos. Com uma interpretação sublime e sem falhas, o maior destaque de “O Amor é Tão Simples” é, sem dúvida alguma, a forma como Diogo Infante se revela um gigante monstro de palco, tendo a capacidade de fazer o público esquecer que está perante uma personagem inventada.

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Um dos maiores segredos para o sucesso de “O Amor é Tão Simples” é a lista de atores que compõe o elenco de luxo desta peça. Para além dos nomes já mecionados, juntam-se ainda António Melo, Miguel Raposo e Patrícia Tavares, todos eles essenciais para o clímax da ação. No fundo, estamos perante uma situação em que, de uma forma ou outra, todas as personagens vivem à custa da fama de Guilherme de Andrade, o que o leva a perder o controlo da situação. Se no início temos um narcisista que não resiste a descer as escadas sem perder uns segundos a admirar o seu próprio retrato, no fim vemos uma pessoa completamente solitária que se esconde sob o véu do bon vivant festivaleiro para tentar compensar a ausência de estabilidade e amor verdadeiro na sua vida. Ao fim e ao cabo, o ator adorado por todos mais não é do que uma marioneta que perdeu há muito o controlo sobre a sua própria vida. Talvez este seja o ponto fulcral da peça criada por Diogo Infante, o ator é um ser-humano que se vê idolatrado mas sem espaço para ser ele próprio, chegando ao ponto em que a sua vida pessoal se torna também ela num espetáculo em que o papel tem de ser interpretado com uma felicidade aparente.

O amor é tão simples
© Teatro da Trindade INATEL

Em suma, “O Amor é Tão Simples” mais não é que uma ode ao teatro e à vida do ator dentro e fora dos palcos, uma existência que o obriga a lidar com a fama e com todas as consequências a ela inerentes. Do início ao fim, a peça tem uma capacidade única de arrancar fortes gargalhadas ao público, fazendo com que este passe um serão totalmente submerso em comédia. A subtileza do guião é um dos maiores destaques apenas superada pela interpretação estrondosa de Diogo Infante. Com um elenco de luxo e um cenário feito com imenso brio, esta divertida comédia merece, sem dúvida, ser vista por toda a gente. Um grande ‘Bravo’ a todos os envolvidos neste trabalho de excelência que mais não é que uma sátira ao mundo do espetáculo!

TEASER| O AMOR É TÃO SIMPLES

“O Amor é Tão Simples” termina a curta temporada no Teatro Villaret a 16 de outubro e segue depois em turné para outros pontos do país.

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