Trinta e três anos depois de “Um Príncipe em Nova Iorque,” Eddie Murphy volta ao papel de Akeem, herdeiro ao trono de Zamunda. “O Príncipe Volta a Nova Iorque,” também conhecido como “Coming 2 America,” é a sequela produzida pela Amazon que já conquistou várias honras. A maior delas todas é uma nomeação para o Óscar de Melhor Maquilhagem e Cabelos.
Em 1988, Eddie Murphy produziu, escreveu e protagonizou “Um Príncipe em Nova Iorque,” alcançando grande sucesso no box office e um impacto cultural que perdura até hoje entre algumas audiências. Tamanho foi o sucesso da comédia, que se estranha ter demorado tanto tempo para fazer sequela. Enfim, a espera acabou e o Príncipe Akeem de Zamunda volta ao grande ecrã com toda a pompa e circunstância que lhe são devidas. Em certa medida, o primeiro ato da fita é uma prolongada homenagem ao seu antecessor, baseando todo o humor ora em referências diretas ou na reprodução das dinâmicas já representadas no filme original.
Ou seja, no primeiro ato de “O Príncipe Volta a Nova Iorque,” Murphy e seu compincha Arsenio Hall, nos papéis do príncipe e seu mais fiel servo, viajam desde o reino africano de Zamunda até aos Estados Unidos. Mais especificamente, eles vão desde o esplendor fantasioso de uma nação inventada por Hollywood até à realidade brusca e sem enfeites de Queens, em Nova Iorque. O que se altera, além das idades, é o propósito da visita. Se, antigamente, a história de Akeem era a procura pelo amor verdadeiro, a nova odisseia centra-se na busca por um filho varão, herdeiro masculino que possa continuar a linhagem real.
Acontece que o rei de Zamunda está a sentir o peso da idade, fazendo toda a corte refletir sobre os próximos portadores da coroa real. Akeem e sua esposa Americana, Lisa, têm três filhas – Meeka, Omma, e Tinashe – mas, segundo a lei da nação, somente homens podem sentar-se no trono. Confrontado com uma potencial crise de sucessão, o príncipe descobre, para seu grande alívio, que, afinal, tem mais um filho. Fãs do primeiro filme estarão confusos, pois sabemos que Akeem se apaixonou por Lisa e lhe foi fiel ao longo da comédia romântica. Parece que, num daqueles truques de narrativa forçada, os argumentistas decidiram exercitar algum revisionismo.
Assim descobrimos como o jovem príncipe terá sido drogado e violado em 1988, resultando na gravidez da atacante e no nascimento de um menino com sangue real. Esta descoberta é feita em tom cómico e a mãe do herdeiro jamais é pintada como vilã, revelando algum do mau gosto patente no guião. Enfim, lá viaja a comitiva monárquica até à Grande Maçã, onde encontram Mary Junson e seu filho, Lavelle. Longe de ser um cidadão exemplar, ele faz a vida a revender bilhetes a preços exorbitantes, sem saber, pois claro, que tem direito sanguíneo aos privilégios de um futuro rei.
Com a introdução de Lavelle, “O Príncipe Volta a Nova Iorque” ganha personalidade própria. Se, a primeira comédia originou o seu humor no contraste entre culturas, a sequela faz o mesmo só que em reverso. Ao invés de acompanharmos sua Alteza Real na sua peregrinação pelas ruas sujas de Queens, vemos como um Nova-Iorquino moderno se vê Grego para entender o estilo de vida tradicional de Zamunda. Ao invés de piadas sobre um nobre senhor transplantado para as classes trabalhadoras Americanas, temos piadas sobre o homem comum face ao esplendor caricato da vida enquanto príncipe, desde os muitos servos até à luta cerimonial com um leão.
Convém dizer que, não obstante as suas piadas ligeiras sobre agressões sexuais, “O Príncipe Volta a Nova Iorque” é filme do século XXI, pelo que há alguns valores necessariamente questionados, ou até subvertidos. A primogenitura masculina não é aceite passivamente pelas personagens, sendo que a filha mais velha de Akeem deseja ser rainha e se assume enquanto melhor candidata ao trono que o seu meio-irmão Americano. Até voltamos a ter uma história de amor à “Cinderela,” com Lavelle a apaixonar-se por uma criada do palácio ao invés da sua noiva pretendida para matrimónio político.
Fazendo o ponto da situação, há um problema que se evidencia nesta história. Longe de ser o protagonista, Akeem foi relegado a um papel secundário, marginal às narrativas pessoais da sua prole. Admiramos a ideia, mas reduzir Eddie Murphy a uma figura autoritária com poucas cenas verdadeiramente humorísticas é escolha indefensível. Por muito que tentem, os atores mais novos não têm o carisma natural do seu colega patriarca, levando a uma instabilidade tonal no coração da trama. Como Lavelle e Meeka, Jermaine Fowler e KiKi Layne são heróis meio aborrecidos, sendo que as melhores piadas pertencem todas ao elenco subalterno.
Leslie Jones e Wesley Snipes merecem muitos aplausos, roubando o holofote aos seus colegas sem grandes dificuldades. Contudo, as verdadeiras estrelas do filme não são os seus atores. Recentrando a narrativa em Zamunda ao invés da metrópole Americana, “O Príncipe Volta a Nova Iorque” tem carta branca para se render aos excessos da fantasia africana. Nem a fotografia de Jody Williams ou a realização de Craig Brewer ajudam os feitos da equipa criativa, mas nem a pior filmagem do mundo podia esconder este extraordinário desfile de moda. Os figurinos de Ruth E. Carter são ambrósia para os olhos, enquanto os esforços da equipa de maquilhagem trazem o gozo da transformação e uma coleção sem fim de perucas mirabolantes. A sequela pode não chegar aos calcanhares do original em muitos aspetos, mas no que se refere ao elemento estilístico, o filme de 2021 triunfa sobre o seu antecessor.
Segue o LINK para a página de “O Príncipe Volta a Nova Iorque” no Amazon Prime.
O Príncipe Volta a Nova Iorque, em análise
Movie title: Coming 2 America
Date published: 23 de March de 2022
Director(s): Craig Brewer
Actor(s): Eddie Murphy, Arsenio Hall, Jermaine Fowler, KiKi Layne, Leslie Jones, Tracy Morgan, Wesley Snipes, James Earl Jones, John Amos, Shari Headley, Teyana Taylor, Paul Bates, Morgan Freeman
Genre: Comédia, 2021, 110 min.
Cláudio Alves - 55
Marta Kong Nunes - 55
55
CONCLUSÃO:
No esplendor afro-fantástico de Zamunda, “O Príncipe Volta a Nova Iorque” inverte as dinâmicas do primeiro filme. Contudo, não consegue alcançar os mesmos píncaros cómicos. Enfim, esta história de um peixe fora d’água não surpreende, mas pouco ofende. Trata-se de um divertimento ligeiro, vestido a rigor e meio inconsequente.
O MELHOR: Os figurinos coloridos de Ruth E. Carter e as cosméticas indicadas para o Óscar de Melhor Maquilhagem e Cabelos. A nomeação é muito merecida!
O PIOR: O modo como Eddie Murphy é relegado a figura séria contra qual o humor se revela. Ele é muito melhor quando tem chance de ser o principal bobo da corte. Considerando quanto o sucesso do filme de 1988 se centrou na estrela, esperávamos uma maior celebração de Murphy enquanto mestre da comédia.
Licenciado em Teatro, ramo Design de Cena, pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Ocasional figurinista, apaixonado por escrita e desenho. Um cinéfilo devoto que participou no Young Critics Workshop do Festival de Cinema de Gante em 2016. Já teve textos publicados também no blogue da FILMIN e na publicação belga Photogénie.