A protagonista é a tenista Tessa Van den Broeck. ©Nicolas Karakatsanis

O Silêncio de Julie, a Critica | A sabedoria de ficar calada no mundo do ténis

Estreado e premiado na Semana da Crítica de Cannes 2024, “O Silêncio de Julie”, do belga Leonardo Van Dijl é uma excelente primeira-obra carregada de suspense e mistério, sobre a questão dos abusos sexuais no desporto, que chega finalmente às salas de cinema e com grande sentido de oportunidade. É um dos filmes nomeados para o LUX – Prémio Europeu do Público para o Cinema, promovido pelo Parlamento Europeu. Estreia a 10 de Abril.

O universo do ténis volta a ser o foco para o desenvolvimento deste “O Silêncio de Julie” (“Julie Keeps Quiet”), do jovem cineasta belga Leonardo Van Dijl, num filme que tem por detrás e nota-se bem, o ‘dedinho’ dos Irmãos Dardenne. Depois da despretensiosa comédia “Challengers” de Luca Guadagnino, do ano passado, a história de uma divertida dinâmica sexual entre uma bela treinadora e dois jogadores do sexo masculino, esta longa-metragem de estreia do cineasta belga Leonardo Van Dijl é um alerta de que, no mundo real, as relações de género entre sexo e poder no desporto bastante diferentes e bem mais complexas. 

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“O Silêncio de Julie” é um filme tenso e absorvente, marcado por ausências, que se desenvolve num terreno difícil de contornar e sobre um assunto que têm sido de certa forma evitado, até há bem pouco tempo, em que explodiram nos media e no mundo do desporto de alta-competição. “O Silêncio de Julie”, é também uma forma de mostrar que, em certas situações-chave, ficar quieto torna-se numa forma de reagir, bem mais estressante e extenuante, do que denunciá-las. Mesmo que seja por um instinto de sobrevivência, muitos jovens têm de aprender, que é muito melhor libertarem essa verdade, por vezes traumatizante e estigmatica, do que guardá-la na sua intimidade.

O SILÊNCIO DE JULIE
Os treinos de ténis de Julie (Tessa Van den Broeck) são geralmente bastante intensos. ©Nicolas Krakatsanis

Um Talento Real no Ténis

Em “O Silêncio de Julie”, tudo se passa numa exclusiva academia belga de ténis juvenil, onde a adolescente Julie é a jogadora estrela e um talento em  progressão. Ela é interpretada de um forma muito convincente por uma estreante no cinema, mas também uma talentosa tenista: Tessa Van den Broeck. À imagem da realidade, também as ferozes habilidades da personagem de Julie estão claramente levando-a à beira do estrelato profissional, sob a égide da Federação Belga de Ténis. Longas sequências no filme mostra-nos precisamente isso: a intensidade colocada pela tenista jogando, rebatendo, treinando ou exercitando o seu físico, ao mesmo tempo que vai revelando as suas normais ansiedades juvenis, sublimadas neste desporto de alta competição. Logo no início, Van Dijl estranhamente, mostra-nos uma Julie simulando estar a jogar ténis, correndo pela quadra, fingindo acertar numa bola inexistente, algo que nos fica como um momento com um certo simbolismo.

O Silêncio de Juçie
Ao contrário das colegas Julie não sde envolve nos rumores. ©Nicolas Karakatsanis

Um Silêncio Conveniente

Como todo a gente na academia de ténis, também Julie fica bastante transtornada com a notícia de que uma jovem chamada Aline, outra ex-aluna estrela do clube há alguns anos atrás, suicidou-se, depois de ter abandonado o ténis e ter sofrido uma depressão; à primeira vista tudo assenta em rumores entre as jovens tenistas de que isso teve algo a ver com um certo ‘bloqueio’ na sua evolução como atleta de alta competição. Porém, Jeremy, o treinador principal — uma figura que nunca vimos o rosto bem definido, apenas só a voz — é suspenso enquanto a academia, anuncia que vai lançar uma investigação interna, cujos procedimentos são de certo modo bastante opacos.

A partir desse momento, todos os olhos se voltam para Julie, que entretanto assumiu o estatuto de Aline, como aluna estrela, mas que vai mantendo todos os dias, um contato íntimo e não supervisionado com Jeremy, continuando aliás a falar com ele ao telefone. Em “O Silêncio de Julie” sempre de uma forma bastante delicada e subtil, a direcção da academia insiste através dos seus professores e jovens colegas tenistas para que Julie se abra em relação ao que está a acontecer. Pretendendo que Julie dê o seu testemunho, já que também foi treinada por Jeremy. No entanto, Julie vai estranhamente manter-se em silêncio.

O Silêncio de Julie
Todos por conveniência preferem manter-se em silêncio. ©Nicolas Karakatsanis

Uma investigação demasiado subtil

A questão em “O Silêncio de Julie” é que todos parecem querer permanecer em silêncio, perante quaisquer suspeitas, não muito bem esclarecidas. O clima do filme, a sua atmosfera de normalidade, perseguida quase obsessivamente, é governada por esse ‘silêncio ensurdecedor’ de todos os intervenientes. Van Dijl mostra-nos que a equipa de direção da academia percebe rapidamente que a principal candidata a acusadora, é Julie. Todos sabem que essa investigação interna, pode ser o prelúdio de uma outra mais rigorosa ação policial.

A possibilidade óbvia de ter havido vários abusos está em cima da mesa mas de uma forma velada. Mas ao mesmo tempo o núcleo de treinadores são suficientemente sensíveis, para não empurrar Julie a revelar o que quer que seja, quando ainda não há, nenhuma questão explícita de irregularidades; essa sensibilidade encaixa-se também convenientemente com o facto de não existir uma grande vontade de todos (inclusive os pais da tenistas?) em descobrir o abuso sistémico, que apontaria também para negligência e cumplicidade, além de comprometer o prestígio do centro de treinos.

O Silêncio de Julie
Julie sofre com as angustias da sua idade e estatuto. ©Nicolas Karakatsanis

Mistérios Nunca Revelados

Julie parece assumir à primeira vista uma certa lealdade para com o seu treinador. A rapariga é suficientemente inteligente, para perceber que testemunhar contra ele, ficaria com toda a sua vida abalada e isso poderia comprometer o seu futuro desportivo. No entanto, não se retrai e reage com o treinador-substituto que logo lhe dá o estatuto de jogadora de topo, fazendo de resto a classe assistir à sua perfeita demonstração técnica do serviço; ou questiona o novo treinador por este recusar-se a puni-la por chegar atrasada ao treino. Julie entende, assim como o resto da classe (e, nós os espectadores), que esse é exatamente o tipo de favoritismo em que Jeremy entrou, e isso pode ser re-interpretado por todos.

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O novo treinador parece compreender melhor o silêncio de Julie. ©Nicolas Karakatsanis

“O Silêncio de Julie” é um filme que explora as questões de abuso, dominação e controle com uma precisão e genuína inteligência cinematográfica. O filme enquadra-se numa fascinante discussão social sobre a verdade ou a ocultação de abusos, que tem feito correr muita tinta. Mas sobretudo assenta num argumento acutilante, numa extraordinária direção artística e, por último, mas não menos importante, na impressionante interpretação da estreante e jovem tenista Tessa Van den Broeck. É um filme que nos convida, com o seu mistério e persistência, a ouvir e respeitar o silêncio de Julie, para finalmente o ultrapassar com compreensão. Absolutamente notável!

JVM

O Silêncio de Julie, a Crítica
  • José Vieira Mendes - 90

Conclusão:

“O Silêncio de Julie”, a primeira longa-metragem do jovem cineasta belga Leonardo van Dijl, com uma impressionante interpretação da estreante e jovem tenista Tessa Van den Broeck,  traça um retrato íntimo e brilhantemente executado sobre uma atleta de alta competição, obrigada a enfrentar, contra tudo e todos, uma decisão muito dolorosa. Este ou melhor os vários temas tratados no filme, prometem agitar os espectadores, tanto dentro como fora do ecrã, até pela sua actualidade, já que se fala tanto de tenistas, treinadores, abuso, consentimento, dominação e controlo, algo que nos parece distante, mas é muito comum no mundo do desporto em geral, como temos verificado nos últimos tempos através dos media. Não é fácil lidar com o silêncio. Um filme fascinante, carregado de mistérios, suspense e inteligência.

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O melhor: Sem dúvida, a impressionante interpretação da estreante e jovem tenista Tessa Van den Broeck. É também um filme com grandes momentos de cinema para os adeptos do ténis.

Cons

O pior: Não é uma experiência fácil de se assistir, mas quem lhe quiser dar uma oportunidade, saberá que é um filme absolutamente útil e não foi tempo perdido.



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