Última obra de David Lynch ganha nova vida
David Lynch, o realizador que nos ensinou a temer os cortinados vermelhos e a ouvir eletrodomésticos deixou um último enigma por desvendar.
David Lynch não era um homem comum. Era um alquimista do cinema que transformou o banal em inquietante e o absurdo em sublime. Quando faleceu em janeiro de 2025, aos 78 anos, levou consigo segredos que só ele conhecia — mas um deles pode, finalmente, vir à luz. A sua família está a ponderar publicar o guião da sua última obra inacabada, uma série limitada para a Netflix.
Era típico de David Lynch deixar-nos a vaguear no escuro, entre pistas desconexas e finais que desafiavam a lógica. Agora, as suas ultimas palavras — cruas, surrealistas, intocadas — podem ainda ver a luz do dia. Será este o último presente de um génio que nunca nos deu respostas fáceis?
O guião final de David Lynch
A revelação veio através de Jennifer Lynch, filha do realizador e uma cineasta por direito próprio. Num raro momento de abertura, admitiu que a família está a considerar publicar o guião de Unrecorded Night, a série que David Lynch desenvolvia para a Netflix antes da sua morte.
“Nenhum de nós tentou fazer a série no seu lugar,” disse Jennifer ao The Times. “Estamos a ponderar oferecê-la como uma peça publicada, para que as pessoas possam mergulhar nas suas ideias. Seria muito triste se nunca a vissem.”
Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, confirmou que David Lynch chegou a apresentar-lhes o projeto — uma série limitada, repleta do seu habitual mistério e risco. “Queríamos embarcar nessa viagem criativa com ele,” admitiu Sarandos. Mas a pandemia, seguida dos problemas de saúde do cineasta, adiaram o projeto indefinidamente. Agora, resta-nos a possibilidade de o ler, em vez de o ver.
O legado de um visionário
David Lynch nunca teve pressa. Twin Peaks: The Return (2017) demorou 25 anos a materializar-se, e mesmo assim deixou mais perguntas do que respostas. Mark Frost, seu parceiro criativo, revelou que chegaram a discutir uma quarta temporada, mas nada foi posto no papel. “Quem sabe?” disse Frost, com a ambiguidade que Lynch certamente aprovaria.
Os colaboradores de longa data de David Lynch — Kyle MacLachlan, Laura Dern, Naomi Watts — eram inegavelmente como família. Watts recordou um almoço com Lynch meses antes da sua morte: “Ele queria voltar a trabalhar. Eu e a Laura dissemos-lhe: ‘Consegues! Podes trabalhar até do trailer.’” Mas o seu corpo, frágil devido a um enfisema, já não acompanhava a mente incansável.
Jennifer descreveu os últimos meses de David Lynch como um período de organização dos arquivos, de respiração difícil, mas de lucidez criativa intacta. “Ele estava a trabalhar até ao fim,” contou. Assim, se Unrecorded Night for publicada, será a última peça desse puzzle — um manuscrito que, como tudo na obra de Lynch, provavelmente nos deixará mais perplexos do que esclarecidos.
Um convite ao debate
David Lynch nunca nos deu inegavelmente o que queríamos — deu-nos o que precisávamos: histórias que ecoam na mente anos depois, imagens que perturbam sem explicação. Assim, a possível publicação do seu último guião acrescentaria mais um artefacto ao seu universo singular.
Lerias este guião da David Lynch, mesmo sabendo que nunca será realizado pelo mestre? Deixa a tua opinião nos comentários.