Queer Lisboa ’19 | One Taxi Ride, em análise
“One Taxi Ride”, também conhecido como “Un Viaje en Taxi”, retrata uma família a lidar com verdades dolorosas sobre um dos seus membros. A obra, realizada pelo cineasta singapurense Mak CK, é um dos documentários em competição no Queer Lisboa 23.
Quando “One Taxi Ride” começa, é um pouco difícil esmiuçar qual será o propósito do filme. Dizemos isto, pois a mais recente obra de Mak CK começa como um retrato meio desconexo das dinâmicas de uma família mexicana. Apercebemo-nos que há algo errado neste seio familiar aparentemente unido por fortes laços de amor e de sangue. No entanto, o porquê de tal sensação é um mistério, tanto para nós como para a maioria das pessoas em cena. Só Erick sabe o que fraturou a união familiar e tem vindo a enraizar-se nas relações interpessoais de todos eles, corroendo-os a todos e a ele em particular.
Erick tem 27 anos e, depois de uma década a guardar um segredo doloroso, está pronto para o contar e se desfazer do fardo que tanto pesa sobre os seus ombros e que lhe parte o corpo e a mente. Ele não consegue manter relações românticas e, de um dia para o outro, tornou-se distante dos irmãos e da mãe. Em certa medida, ele é um recluso dentro de si mesmo, uma ilha de abrasão antissocial num oceano de amor familiar e apoio incondicional. Entrevistas com os familiares descrevem um rapaz que foi quase como um pai para os irmãos, mas que, de repente, ficou calado. Para este homem, é mais fácil não falar, rejeitar abraços, não querer nada de ninguém, do que confrontar aquilo que lhe envenena o espírito.
Quer seja por sofrimento ou por fúria, Erick permanece num limbo, como que anestesiado para a sua própria vida. Assim é até que ele decide falar. Quando ele faz isso, “One Taxi Ride” ganha forma e a sua aparência de ser um projeto sem rumo dissipa-se para dar lugar a algo mais concreto e também mais angustiante. Como o seu aniversário é no fim de outubro, Erick nunca gostou muito de celebrar a data. O tempo já está a esfriar e as pessoas gostam de aparecer com máscaras de Halloween e do Dia de los Muertos, mesmo quando ele explicitamente pedia para não o fazer.
Quando fez 17 anos, o jovem decidiu festejar na cidade, com amigos. No regresso a casa, ele apanhou um táxi e o que ali aconteceu mudou para sempre a vida dele. Erick foi atacado pelo taxista e mais outros dois homens que o imobilizaram e violaram repetidamente. Ele não contou à polícia, não contou aos amigos, não contou à família. Passaram 10 anos e o seu isolamento é uma ramificação do trauma, um modo de lidar com o choque e catastrófica perda de autonomia, de controlo sobre o seu próprio corpo às mãos de três agressores que nunca irão ser punidos pelos crimes que cometeram.
O espectador que vá ver o filme sem não o ter investigado primeiro, só sabe destes passados cerca de 30 minutos, o que efetivamente divide a experiência deste documentário em três atos distintos. A primeira meia hora de “One Taxi Ride” estabelece a vida de Erick, especialmente as dinâmicas fraturadas que ele tem com a sua família chegada. Daí por diante, o documentário torna-se numa coleção de revelações, a namorados, a amigos e, por fim, à família. Por fim, o filme cai num ciclo de meta comentário sobre si mesmo, mostrando-nos as reações de pessoas a um primeiro corte de “One Taxi Ride”.
Vemos sessões de Q&A depois de apresentações do documentário e somos testemunhas ao modo como a família de Erick está sempre lá para o apoiar através deste processo pelo qual ele parece expiar o trauma através da purificação do cinema. Ao longo desta descrição, há um certo conforto em ver como o apoio familiar vai aliviando o fardo deste sobrevivente de um crime horrível, mas “One Taxi Ride” não tenta oferecer ao espectador, ilusões demasiado otimistas. Erick foi irreversivelmente transformado pelo que lhe aconteceu e até o seu organismo sofreu as marcas e repercussões do horror.
Os homens que o violaram infetaram-no também com o vírus do HIV e esse estatuto enquanto seropositivo tem vindo a ser parte da razão que leva ao desabamento de qualquer uma das suas relações românticas que ele tenta formar com outros homens. Este é um retrato franco, que tanto quer dar esperança, como quer ser realista e lacerante. Esteticamente, “One Taxi Ride” não é particularmente notável, sendo que a sua construção e exploração temática são as principais mais-valias do projeto.
Verdade seja dita, como um trabalho artístico de cinema, este projeto deixa um pouco a desejar, mas é um grande trabalho de jornalismo e investigação, de retrato humano e empatia que magoa e elucida. Há uma qualidade necessariamente incompleta ao filme e à sua experiência, algo que remete para os temas sugeridos pela própria estruturação da obra. Afinal, este filme ainda não está completo na medida em que é um retrato do processo gradual de um sobrevivente a ultrapassar a violação. Talvez nunca esteja completo porque essa recuperação é a odisseia de toda uma vida.
One Taxi Ride, em análise
Movie title: Un Viaje en Taxi
Date published: 24 de September de 2019
Director(s): Mak CK
Genre: Documentário, 2019, 84 min
-
Cláudio Alves - 70
CONCLUSÃO:
“Indianara” é um valioso gesto de ativismo político e indignação cinematográfica para abrir o Queer Lisboa em grande. Não se trata de um documentário perfeito, mas é um justo retrato de Indianara Siqueira, mostrando suas contradições e maravilhas em igual proporção.
O MELHOR: A sequência da piscina e o aniversário de Indianara, celebrado nas ruas e com ativismo político contra um Brasil que se afunda num oceano de insanidade, de ódio e de intolerância.
O PIOR: A estrutura meio amorfa que resulta muito de questões de timing das rodagens, mas também é um dano colateral da própria falta de estrutura dramatúrgica da vida real.
CA