Operação Antropoide © NOS Audiovisuais

JUDAICA ’17 | Operação Antropoide, em análise

Uma das maiores vitórias da Resistência europeia face aos nazis é trazida para o grande ecrã com admirável visceralidade em Operação Antropoide de Sean Ellis, um dos filmes mais emocionantes da JUDAICA ’17.

operação antropoide judaica

Em dezembro de 1941, Jozef Gabčík e Jan Kubiš, dois agentes do governo Checoslovaco exilado na Inglaterra, infiltraram-se no território checo sob controlo nazi de para-quedas, juntamente com um grupo de sete soldados. Durante os meses seguintes, eles estiveram em Praga a planear os detalhes para a execução da sua missão secreta. Conhecida como Operação Antropoide, esta missão tinha como objetivo o assassinato de Reinhard Heydrich que era um dos mais importantes oficiais do Terceiro Reich, o principal arquiteto da Solução Final, assim como o homem encarregue de controlar a capital checoslovaca invadida – a sua atitude implacável e sanguinária valeu-lhe a alcunha do talhante de Praga. Em 27 de Maio de 1942, os agentes checoslovacos levaram a cabo o seu plano que, devido a uma arma encravada, não sucedeu como planeado mas acabaria por resultar na morte de Heydrich. No rescaldo do assassinato, as forças nazis perseguiram impiedosamente todos os envolvidos, culminando no assalto à Igreja de S. Cirilo e S. Metódio, onde Gabčík, Kubiš e outros tantos agentes perderam as suas vidas após resistirem durante seis horas. Ao todo, mais de 5000 checoslovacos foram chacinados, incluindo mulheres e crianças, como consequência do assassinato o que levou à dissolução do acordo de Munique de 1938, que tinha cedido parte do território Checoslovaco aos Nazis com o apoio dos Aliados.

O cinema checo já abordou este acontecimento histórico inúmeras vezes, sendo que existe já mais de uma dezena de filmes sobre a Operação Antropoide e os seus heróis martirizados. O filme em análise neste texto representa uma das primeiras versões anglófonas dos acontecimentos desta missão contra os nazis, sendo uma coprodução britânica checa e francesa realizada pelo cineasta inglês Sean Ellis e protagonizada por um elenco composto principalmente por atores britânicos e irlandeses. Curiosamente, este ano vai estrear outra produção anglófona sobre a Operação Antropoide, intitulada HHhH, realizada por Cédric Jimenez e com um elenco de luxo que inclui Rosamund Pike, Mia Wasikowska, Jack O’Connell e Jason Clarke. Aparentemente, não passou pela cabeça de nenhum destes cineastas que fazer um filme sobre heroísmo checo com um elenco a falar inglês com atrozes sotaques da Europa de Leste poderia ser um pouco risível, ou mesmo ideologicamente incoerente.

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Pelo menos no caso de Operação Antropoide, a maior parte dos atores consegue transcender o absurdo dos seus sotaques. Como Gabcík, Cillian Murphy é especialmente eficaz e, apesar de ter muito poucos detalhes caracterizantes ao seu dispor, consegue conjurar uma figura de grande humanidade abalada por um nervosismo constante. De louvar são também Toby Jones, Hana Frejková, Bill Milner e Anna Geislerová em papéis secundários. Esta última, em particular, tem pouco tempo em cena mas faz da sua personagem uma das mais cativantes do filme, de tal modo que a sua morte offscreen é um dos maiores abalos emocionais do projeto. Numa perspetiva mais negativa, Jamie Dornan e Charlotte Le Bon como Kubis e a sua noiva são um terrível erro de casting. Para além de oferecerem prestações desenxabidas, os dois atores parecem glamourosas estrelas de cinema de um modo distrativo quando postos em comparação com o restante elenco.

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O seu carisma luminoso é particularmente prejudicial quando consideramos a abordagem antidramática, complexa e realista de Sean Ellis face a esta história verídica da Resistência checa. Longe de retratar a Operação Antropoide como um esforço de incontestável heroísmo, o filme explora as complicações morais e éticas latentes aos esforços da Resistência que, pelo caminho, assassinam também muitos dos seus compatriotas. A ambivalência moral das personagens é ainda mais sublinhada pelas constantes objeções de outros checos face ao plano, temendo a resposta sanguinária dos nazis sobre o seu país. Tais complicações não são somente manifestas ao nível do argumento e da direção de atores, mas também afetam o modo como a ação é filmada. Pode ser um cliché deste tipo de projetos realistas, mas Ellis filma Operação Antropoide quase exclusivamente em planos apertados com a câmara ao ombro, mas não deixa que essa escolha suplante outras preocupações estéticas. A iluminação, por exemplo é belíssima no seu naturalismo e as imagens granulosas em película de 16mm, com ajuda de uma recriação cenográfica quase arqueológica da Praga dos anos 40, têm uma fisicalidade frágil mas robusta, visceral na sua materialidade mas efémera como a vida dos seus protagonistas.

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Também a nível de ritmo, este realismo anti dramático e francamente anti romântico insiste em marcar a sua presença. Ao contrário de muitos outros filmes históricos, Operação Antropoide não subjuga os factos históricos a uma convenção estrutural de Hollywood. Pelo contrário, Sean Ellis permite que a primeira metade do seu filme seja um jogo de espera, aborrecimento tingido por tensão subliminar e um tipo de planeamento silencioso que, no grande ecrã, se traduz em inação frustrante. Muitos têm sido os críticos que vêm nesse anti dramatismo a maior falha do filme, mas tal conclusão parece assumir que as histórias do passado apenas devem ser representados no cinema se os seus enredos forem moldados aos padrões de uma narrativa dramática. Há algo respeitoso e profundamente humano, na aceitação que os ritmos da vida, da história e da resistência política não são padronizados ou facilmente tornados em entretenimento.

Outro elemento que os cineastas de Operação Antropoide se recusam a reduzir a um mecanismo de entretenimento popular é a violência e o sofrimento humano. Isso sim, é uma raridade preciosíssima no cinema sobre esta época. Veja-se, por exemplo, a visão pornográfica que Mel Gibson tem da chacina na batalha de Hacksaw Ridge, ou mesmo o modo como Steven Spielberg, no maior passo em falso de A Lista de Schindler, usa a angústia de mulheres que julgam ir morrer nas câmaras de gás para criar uma empolgante sequência de suspense Hitchcockiano com uma reviravolta catártica. Em Operação Antropoide nada do género acontece, não há júbilo com as mortes dos inimigos, não há uma perspetiva clínica e desumana sobre os acontecimentos, não há um dramatismo operático a tornar os mártires da resistência em santos modernos, não há sequer a sugestão que, para estas pessoas, a morte de outro ser humano não tem impacto ou preço.

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Na grande sequência do assalto da igreja, esse tratamento da violência chega ao seu píncaro. Mesmo no auge da batalha, Ellis encontra tempo para retratar a humanidade traumatizada das suas personagens. Face a uma morte certa, estes rebeldes da Resistência não são heróis estoicos, mas sim pessoas desesperadas que esperam estar a fazer o que está certo mas não deixam de ficar chocados com o inferno que os envolve, que os obriga a matar e insiste em lhes ceifar as vidas. É difícil não sermos arrebatados pela representação cinematográfica desta batalha, cuja sequência de acontecimentos foi respeitosamente copiada diretamente da documentação histórica. O som, até aqui modesto, explode numa cacofonia agonizante, a câmara atinge novos níveis de instabilidade, mas a montagem parece mais preocupada em enfatizar o estado mental dos combatentes do que a violência física. Nada disto é verdadeiramente empolgante, mas sim sofrível e tortuoso.

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Infelizmente, Ellis não consegue manter esta austeridade durante todo clímax e, nos últimos minutos do filme, há uma triste rendição a um romantismo francamente desnecessário. Luz, sonoplastia e acompanhamento musical tornam a morte de Gabcík num gesto quase impressionista que é apimentado por uma visão angelical a chamá-lo e a incitar o seu sacrifício. Cillian Murphy bem tenta redimir este deslize tonal, mas o mal está feito. Juntamente com a crítica falta de continuidade temporal – raramente se entende a duração dos eventos ou a abrangência dos saltos temporais – esta fragilidade afeta o filme de modo muito pernicioso. Enfim, Operação Antropoide está longe de ser um filme perfeito, mas é um projeto de inegável valor e importância, quer seja pelos seus esforços no sentido de recriar os exatos factos históricos, quer na sua ocasionalmente brilhante execução formal.

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O MELHOR: A obsessiva reconstrução dos factos verídicos merece respeito, nem que seja pela sua veemente recusa em seguir padrões de fácil digestão narrativa pela parte do espetador acostumado a emocionantes thrillers de espiões na tradição dos clássicos americanos.

O PIOR: Os malfadados minutos que encerram ação principal.



Título Original:
Anthropoid
Realizador:
Sean Ellis
Elenco:
Jamie Dornan, Cillian Murphy, Toby Jones, Charlotte Le Bon, Anna Geislerová
Drama, História, Thriller | 2016 | 120 min

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CA

One thought on “JUDAICA ’17 | Operação Antropoide, em análise

  • Muito boa história, muito agradável. O intérprete do galã Christian Grey vai protagonizar ao lado de Cillian Murphy, de “DUNKIRK ”(aqui: https://br.hbomax.tv/movie/TTL612333/Dunkirk os detalhes, fez uma atuação incrível) , o thriller “Anthropoid“, ambientado na 2ª Guerra Mundial e que acompanha a tentativa de assassinato do oficial nazista Reinhard Heydrich. Com certeza o grande acerto deste filme são as cenas de ação, que são bastantes eletrizantes mas elas são sempre focadas no que está acontecendo, mostrando tudo que é relevante, sem querer enganar o espectador com câmeras tremidas e excesso de artifícios visuais. O filme é um thriller de guerra muito bem conduzido, um trunfo que infelizmente passou despercebido por 2016.

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