"Dois Perfeitos Estranhos" | © Netflix

Óscares 2021 | As curtas-metragens premiadas

No mês passado, a Academia de Hollywood premiou três curtas-metragens, nas categorias de live-action, animação e documental. Estes vencedores dos Óscares 2021 variam grandemente em qualidade, desde mau gosto ofensivo a inspiradora introspeção.

O trauma e o modo como este se impregna na vida de indivíduos e comunidades, de inteiras sociedades e culturas, é um dos temas transversais aos três filmes que ganharam os Óscares para curtas-metragens em 2021. Depois do annus horribilis que já passou, é normal que o cinema e sua indústria estejam de olhos postos nas cicatrizes mentais que o sofrimento deixa para trás. Quer seja num panorama de conflito racial, massacres estudantis ou história belicosa, a dor é comum a todos e não é pela sua banalidade que ela menos lacera. Ilustrar, capturar, quiçá sintetizar, essa experiência humana no objeto cinematográfico não é tarefa fácil.

Aplaudimos os artistas que esses logros tentam fazer, mesmo quando os resultados não sejam sempre gloriosos. As boas intenções muito valem e a ambição do criativo também. Em menos de 45 minutos, os cineastas destas três curtas-metragens propõem-se ao desafio de sensibilizar a audiência, de alertar para cismas e problemas do nosso mundo, a educar. Também querem o choque, essa corrente elétrica que nos percorre o corpo na forma de emoções fortes. Ousadia não falta a este tríptico de miniaturas cinematográficas, isso é certo.

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O melhor de tudo é que, não obstante essa natureza ousada, os campeões dos Óscares estão acessíveis. Referimo-nos tanto à facilidade com que são consumidos pelo espetador como ao facto de que, ora por streaming ou outros serviços online, os filmes estão disponíveis ao público geral. Tal sorte dá-nos uma oportunidade rara para discutir as curtas favoritas da Academia, partilhar informação sobre onde as podes ver e até analisar seus méritos e desméritos. Sem mais demoras, aqui seguem três mini críticas. Como queremos acabar o texto numa nota positiva, começamos por abordar a fita mais pobre, estando as curtas organizadas qualitativamente de pior para melhor.

 

DOIS PERFEITOS ESTRANHOS

two distant strangers critica oscares
© Netflix

Violência policial motivada por discriminação racial é um dos grandes problemas da nossa sociedade. Trata-se, por isso, de um assunto complexo e sensível, o tipo de tema que deve ser retratado em cinema com cuidado, contenção, empatia e humanidade. “Dois Perfeitos Estranhos”, realizado por Travon Free e Martin Desmond Roe, segue outro caminho. Procurando um tom de realismo mágico, os cineastas usaram a ideia do time loop e uniram-na à morte de um jovem afro-americano por um polícia racista. Acompanhamos o nosso protagonista ao longo de uma manhã infernal que acaba sempre com o seu homicídio.

Cada vez que ele morre, volta a acordar, volta a repetir o fado tortuoso, uma injustiça cosmicamente invariável. O problema devém do modo como a agressão racista é tornada em entretenimento barato pela premissa do filme e sua execução descurada. A certa altura, há rasgos de tragicomédia descarada, logo contraditos pelo niilismo cínico de um final sem conclusão. O exercício é demasiado risonho para fazer justiça ao horror dos seus temas, sua máxima complexidade. É superficial e deixa um mau gosto na boca do espetador.

“Dois Perfeitos Estranhos” está disponível na Netflix.

 

SE ACONTECER ALGUMA COISA, ADORO-VOS

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© Netflix

Os realizadores e animadores Will McCormack e Michael Govier seguem a mesma linha dos criadores de “Dois Perfeitos Estranhos”. Tanto esse filme como “Se Acontecer Alguma Coisa, Adoro-vos” confrontam um problema calcinante da sociedade Americana apelando a um registo que transcende o realismo, almejando algo mais estilizado, mais abstrato, mais mágico. Contudo, o filme animado não confronta o racismo policial, preferindo retratar a dor que vem depois de um tiroteio escolar, de um massacre. Ao invés de ir pelo caminho da tragicomédia, “Se Acontecer Alguma Coisa, Adoro-vos” é completamente sério, preocupando-se com o luto de dois pais cuja relação sofre no rescaldo da morte filial.

O diálogo não existe ou é ininteligível, mas o significado dos sentimentos está bem patente, projetado em sombras emocionais que fazem aquilo que os corpos tentam reprimir. É um filme extremamente manipulador, devastador com uma nota esperançosa para deixar a audiência confortável mesmo a tempo de os créditos rolarem. Acima de tudo, é um fantástico exemplo de como a animação pode dar imagem àquilo que a palavra não consegue articular, materializando a inefabilidade da alma em suplício.

“Se Acontecer Alguma Coisa, Adoro-vos” está disponível na Netflix.

 

COLETTE

oscares colette critica
© Electronic Arts

Por vezes, um filme é feito com um objetivo e não o atinge. Contudo, esse fracasso é o caminho para outro tipo de sucesso, uma glória acidental, mas não por isso menos valiosa. Enquanto documentário sobre o legado da Segunda Guerra Mundial e as proezas da Resistência Francesa, “Colette” não é um trabalho particularmente interessante. Suas considerações são pouco específicas, suas explorações pouco profundas. Apesar disso, trata-se de um soberbo filme. Acontece que, na sua pesquisa histórica, o realizador Anthony Giacchino decidiu centrar o trabalho em Colette Marin-Catherine, uma idosa que, em tempos de guerra, foi um membro adolescente da Resistência.

Longe de delinear os esforços de heróis passados, “Colette” transfigura-se num assombroso estudo de personagem, uma obra de cinema que toma sua força e sua forma pela relutância da protagonista. Ao contrário da mensagem central do filme, Colette Marin-Catherine quer esquecer a guerra, ela quer esquecer todos aqueles que perdeu, a violência, o trauma. Vê-a resistir às manipulações dos cineastas, testemunhar como ela vacila e, no fim, desvenda a vulnerabilidade, é uma experiência de tirar a respiração. Pode não ser um ótimo filme sobre as especificidades da Resistência Francesa, mas “Colette” é um grande retrato de uma grande mulher. Giacchino muito mereceu o Óscar que conquistou. É algo impressionante, considerando que o filme começou a produção como um extra para um videojogo sobre a época histórica. Do gaming para os Óscares é uma trajetória halucinante.

“Colette” está disponível no Youtube Oficial do The Guardian.

 

Não percas a oportunidade de ver estes filmes em miniatura. Diz-nos também se concordas com as escolhas da Academia de Hollywood.



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