Foto de Hipersyl, via Wikimedia Commons - CC-BY-SA-4.0

Parque Mayer | Entrevista a grandes nomes do Parque

Conhecido como a ‘Broadway Portuguesa’, o Parque Mayer já foi um dos polos culturais mais importantes de Lisboa e este ano celebra o centenário da sua existência. A MHD esteve à conversa com alguns nomes que marcaram a história deste local.

Imaginem um local cheio de vida em que o cheiro da comida portuguesa servida nos restaurantes se mistura com as vozes entristecidas pelo Fado. Pensem num local em que as barraquinhas de tiro convivem lado a lado com as lutas de boxe ao vivo, ao mesmo tempo em que o cabaré e o teatro de variedades animam as noites daqueles que não resistem ao chamamento deste polo cultural. A rainha da noite é, sem dúvida, a Revista à Portuguesa e a sua grandiosidade chega a esgotar três espetáculos por dia. Podíamos estar a falar da Feira Popular ou da Broadway, mas na verdade estamos a falar de algo muito maior… o Parque Mayer!

Inaugurado em 1922, o Parque Mayer foi durante muitos anos o maior polo cultural da capital. Pessoas de todo o país viajavam para Lisboa para assistir às encenações do momento e ter um contacto próximo com os seus artistas preferidos. Isso não era difícil, tendo em conta que aquele era um ponto de encontro para os atores e atrizes mesmo quando estes não estavam em cima do palco. Passados cem anos, o Parque Mayer virou parque de estacionamento e os teatros foram desaparecendo, restando apenas o Maria Vitória e o Capitólio. Aos resistentes deste complexo cultural junta-se ainda o Restaurante A Gina e pouco mais. Mas o Parque não morreu! Enquanto houver sobreviventes com recordações deste local, a sua memória viverá!

Para celebrar o centenário do Parque Mayer, a RTP gravou um episódio especial do programa “Inesquecível” no palco do Maria Vitória, uma emissão inédita que recorda os melhores momentos deste espaço e que pode ser (re)vista aqui. Durante a gravação do episódio, a Magazine.HD esteve à conversa com alguns dos nomes que fazem parte da história do Parque Mayer. Carlos Alberto Vidal, também conhecido como ‘Avô Cantigas’; Maria Armanda, a intérprete de ‘A Bia da Mouraria’; Heitor Lourenço e Rosa Villa, conhecidos pelo seu trabalho em televisão; e o veterano apresentador Júlio Isidro foram os nossos entrevistados. Fazendo um conjunto de perguntas semelhantes a cada um dos inquiridos, pediu-se para nos revelarem uma memória dos tempos gloriosos do Parque, para definirem este espaço numa palavra e para descreverem o significado destes cem anos.

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CARLOS ALBERTO VIDAL

MHD: Estamos aqui a celebrar o centenário deste espaço, o que é que significa 100 anos de Parque Mayer? 

Carlos Alberto Vidal: Bom, eu como tenho só 68 anos de idade, talvez não consiga responder muito bem a essa pergunta [risos]. Mas pelo que me toca, significa tempos muito bem passados e recordações de um tempo áureo de há umas décadas atrás. Portanto, eu frequentei o Parque Mayer assistindo a variadas Revistas. Era uma vida que, com alguma saudade, se vê hoje que já não existe. Ou melhor, o Parque não está totalmente morto, mas não é bem aquilo que já foi e, portanto, eu penso que estes 100 anos tiveram o seu tempo áureo que não é o tempo de hoje, mas esperamos que mude no futuro. 

MHD: Acima de tudo, que significado têm estes 100 anos para a cultura portuguesa, sendo que o Parque Mayer é um marco da cultura?

Carlos Alberto Vidal: É uma dádiva, obviamente, e não só para o povo de Lisboa, mas o povo de todo o país, porque eram conhecidas as viagens que se faziam da província para o Parque, de modo a que também pessoas que não eram de Lisboa pudessem vir em excursão assistir às revistas do Parque Mayer, um bocadinho à semelhança do que acontece hoje com os espetáculos do La Féria, no Politeama [risos]. 

MHD: Tem alguma memória deste espaço que possa partilhar connosco? 

Carlos Alberto Vidal:  O que me apraz dizer é o seguinte, eu próprio trabalhei aqui no Parque, não em espetáculos teatrais, mas numa altura em que se faziam muitas festas de Natal e as empresas alugavam as salas para fazer a sua festa. De maneira que, numa época já distante, talvez entre 30 a 40 anos, eu atuei muitas vezes no Parque Mayer, em vários dos teatros, precisamente para as empresas que tinham essas salas alugadas para fazer a sua festa. É uma recordação que eu guardo com muito carinho, porque, de certa forma, tive uma ligação profunda com o Parque naquela altura. 

MHD: E se tivesse que definir o Parque numa só palavra qual seria?

Carlos Alberto Vidal: Espetáculos! 




MARIA ARMANDA

Maria Armanda
© Museu do Fado

MHD: Estamos aqui a celebrar 100 anos do Parque Mayer! O que é que isto significa para a Maria Armanda? 

Maria Armanda: Significa muito porque eu canto há 50 anos e quando comecei a minha carreira artística, quando pensei que isto seria o meu modo de vida, o meu emprego, pensei sempre que uma das minhas metas seria atuar aqui no Teatro Maria Vitória, no Parque Mayer. Felizmente estreei-me no Teatro de Revista, mas não aqui, foi no Teatro Laura Alves, que já não existe, mas logo no dia de estreia tive o doce prazer de ter conhecido e falado com alguém que veio ter comigo quando acabou a Revista para me dar os parabéns, um senhor chamado César de Oliveira e que me disse que a minha próxima Revista seria no Teatro Maria Vitória e foi a maior alegria que me podiam ter dado! E tenho imensas saudades! Porque não voltara outra vez um dia? Ainda cá estou para isso [risos]. 

MHD: Que memória tem do Parque Mayer que possa partilhar connosco?

Maria Armanda: Tenho imensas [risos]! Era chegar aqui ao domingo e haver três sessões, duas à noite e uma matiné e eu chegava aqui às 14:00 e olhava para a bilheteira e estava a lotação esgotada. Isso para mim e para todos nós que trabalhamos e que gostávamos imenso de estar onde estamos, foi sempre muito bom e foi sempre uma alegria muito grande. E depois também a maneira como nos recebiam, porque os teatros estavam cheios, e as palmas e as cantigas que eram cantadas também pelo público, porque punham um telão com aquilo que nós estávamos a cantar e o público cantava também… são coisas inesquecíveis que ficam gravadas no nosso coração e que não há nada que as apague. 

MHD: E se pudesse definir o Parque Mayer numa palavra? 

Maria Armanda: Alegaria!




HEITOR LOURENÇO

Heitor Lourenço
Foto de Hipersyl, via Wikimedia Commons – CC-BY-SA-4.0

MHD: Heitor, o que é que significa 100 anos do Parque Mayer? 

Heitor Lourenço: 100 anos de Parque Mayer significa uma comemoração de um género de espetáculos que é muito nosso e, na minha perspectiva enquanto ator, é uma das coisas mais divertidas, mais prazerosas e mais difíceis de se fazer. 

MHD: Se pudesse definir o Parque Mayer numa palavra só…

Heitor Lourenço: Alegria!

MHD: Que memórias guarda do Parque Mayer? 

Heitor Lourenço: A primeira que me vem à cabeça, obviamente, e não me podem nunca levar a mal, mas a primeira que me vem à cabeça, é a da pessoa que me trouxe para o Parque Mayer, a Maria João Abreu. Mas tenho tantas outras memórias… Tantos momentos, tanta coisa, tantos espetáculos… fazer doze espetáculos em quatro dias. É sinónimo de muita diversão, muita alegria e muito trabalho. Aliás, dos sítios onde eu mais trabalhei arduamente e fisicamente foi aqui no Parque Mayer. Mas depois há uma mística entre as pessoas que nós arranjamos e na minha cabeça começo como terminei… com a Maria João Abreu.

MHD: E com todo o respeito ao falar-se de Maria João Abreu, olhando para as paredes do Maria Vitória é olhar para pessoas que fazem parte da história deste teatro e deste Parque? Como é que é pisar um sítio tão histórico e ver pessoas que trabalharam certamente em alguma altura consigo pessoas que não trabalharam, mas que fazem parte da nossa cultura? 

Heitor Lourenço: Eu sentia muito isso quando trabalhava cá e olhava para as paredes e para as fotografias e até para a história, e senti um peso muito grande. Porque estas pessoas estão cá impregnadas nestas paredes e eu pedia que esta impregnação, esta energia que está cá me ajudassem, porque isto era muito difícil para mim. Eu vinha de um outro meio completamente diferente, o Teatro Experimental, e eu caí aqui completamente de paraquedas e foi exatamente numa noite em que eu estava aqui nesta plateia a assistir a um ensaio e de repente entra a Maria Armanda a ensaiar um Fado. E, de repente, caiu-me completamente a ficha. Eu disse assim, «eu estou no Parque Mayer. Eu sou um ator que vou estrear aqui no Parque Mayer com estas pessoas enormes, com estas pessoas deste peso que estão nas fotografias da parede; com esta mulher incrível que eu sempre ouvi cantar; com colegas fantásticos… Portanto, eu estou aqui, e de alguma maneira eu vou pertencer a isto». E esse pensamento deu-me uma grande responsabilidade!

MHD: Para terminar, que desejos existem para o futuro do Parque Mayer?

Heitor Lourenço: Que volte em grande e que se renove sempre! 




ROSA VILLA

Rosa Villa
© Buzico

MHD: Rosa, o que é que significam 100 anos de Parque Mayer?

Rosa Villa: Significa tanto, tanto para tantos atores que por esta Catedral passaram. Eu fui uma delas, mas não foi logo no início, porque eu estreei-me na Revista no Porto, no Teatro Sá da Bandeira. Depois, quando acabou a temporada, vim para o Variedades, depois estive no ABC, e depois vim ao Maria Vitória. Portanto, eu andei sempre entre um e outro. E trabalhei no Capitólio também, quando ardeu o Teatro ABC, nós estivemos a fazer a Revista lá, por isso eu passei por eles todos. 100 anos desta nossa pequena ‘Broadway’ é claro que é muito importante, pelo menos para a resiliência de algumas pessoas, nomeadamente o Hélder Freire que se tem mantido aqui com a traça inicial. Eu Não sou saudosista nem sou contra que se modernizem as coisas, mas acho que aqui a nossa pequena ‘Broadway’ ficou demasiado descaracterizada. É só isso que eu acho, mas de qualquer das maneiras continua a ser a nossa ‘Broadway’. 

MHD: Tem alguma memória que possa partilhar connosco do tempo em que esteve a trabalhar no Parque? 

Rosa Villa: Olha, era fantástico, porque aqui encontrávamos os artistas. Era aqui que nós vínhamos se queríamos encontrar alguém, porque mesmo que não tivessem a trabalhar, vinham aqui tomar café ou almoçar e jantar. Portanto, era um convívio de atores, era onde a gente se encontrava muitas vezes quando não estávamos a trabalhar aqui nos teatros. Isso era importante, era o nosso espaço. Era um espaço muito rico, muito nosso e de trabalho, que era muito importante. 

MHD: Se pudesse definir o Parque Mayer numa palavra só qual é que seria? 

Rosa Villa: Amor!




JÚLIO ISIDRO

MHD: 100 anos de Parque Mayer… o que é que isto significa? 

Júlio Isidro: Significa o centenário de um espaço histórico de Lisboa e também de Portugal, porque a Revista à Portuguesa não nasceu apenas aqui, mas viveu 100 anos aqui e continua a viver. Eu penso que está na hora de nós respeitarmos uma Senhora centenária que é exatamente a Revista à Portuguesa e também este Senhor centenário, que é o Parque Mayer. 

MHD: E que importância tem para o Júlio estar aqui hoje?

Júlio Isidro: A primeira vez que vi uma Revista tinha 18 anos e vim aqui ver de propósito um senhor chamado Raul Solnado, que eu não sabia quem era e que fazia um monólogo, no fundo aquilo que vocês agora chamam stand-up comedy [risos]. Ele inventou o stand-up comedy antes de nós. E portanto, vim aqui com colegas meus, todos estudantes e viemos ver o Raul Solnado e a partir daí vi já inúmeras Revistas, e a certa altura da minha vida também fui repórter de bastidores e de estreias de Revistas para a rádio, o que meu deu imenso gozo, não só porque via os artistas ao pé, mas via também as bailarinas ao pé [risos]. 

MHD: De toda a carreira do Júlio, que momento relacionado com o Parque Mayer destacaria?

Júlio Isidro: Eu diria que, relacionado com a Revista no seu todo, já vi aqui Revistas extraordinárias, porque vi Revistas no tempo em que estavam os senhores de fato cinzento e com uns lápis azuis na mão a cortarem piadas que tinham mesmo muita piada, mas que eles achavam que não deviam ser ouvidas pelo povo português. Esse tempo, felizmente passou e, portanto, depois vimos renascer a Revista com a sua grande tradição, que é exatamente a crítica social, a crítica política, a crítica de costumes, a gargalhada e também a música e grandes músicas que passaram por aqui! Hoje vamos ter aqui um momento que eu acho extraordinário, que é o “Cheira bem, Cheira a Lisboa”, porque a Anita Guerreiro está aqui! Sim, eu consegui tirá-la lado da Casa do Artista para trazê-la aqui [risos]. E vamos recordar também um outro sucesso, “Mocidade, Mocidade”, do António Calvário, que também vai estar aqui. Só só não está a Mariema que cantava um fado que toda a gente gostava tanto, mas que vai ser cantado por outros artistas e provavelmente o público vai cantar connosco! 

MHD: Se pudesse definir o Parque Mayer em poucas palavras, como seria?

Júlio Isidro: O Parque Mayer toda a gente diz que é a ‘Broadway Portuguesa’, mas estão enganados… a Broadway é que é o ‘Parque Mayer Americano’ [risos].

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Que recordações tens do Parque Mayer? Quais os artistas que mais te marcaram?

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