Procurem Abrigo, em análise

Realizador: Jeff Nichols

Atores: Michael Shannon, Jessica Chastain.

Género: Drama, thriller

Zon | 2012 | 120 min

Classificação:

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Atormentado por uma série de visões apocalípticas e um estado das coisas pouco animador, Curtis é um homem que tem de decidir se deve proteger a família dele mesmo ou de uma tempestade vindoura.Procurem Abrigoé terror para gente grande e ataca-nos com intensidade máxima no ponto mais fraco: aquela certeza que tantas vezes receamos conscientemente relembrar. A certeza de que, na face do desastre maior, não estaremos à altura.Jeff Nichols, que escreveu e realizou o título, alcança a excelência no storytelling ao misturar alquimicamente os elementos mais mundanos na narrativa com os eventos mais bizarros. O resultado é uma solução fluída com o dom de incrustar em nós uma espécie de esquizofrenia por afinidade: também nós deixamos de conseguir distinguir o real do imaginário.Mas mais do que um character study, o que o realizador americano criou foi uma brilhante alegoria para os tempos negros do presente, que entre a paranoia e a ilusão, nos guarda muito do que devemos recear.

O mundo em que vivemos é um lugar permanentemente inquieto, uma realidade que qualquer um de nós não tem dificuldade em atestar, mas que os filmes têm, de alguma forma, tanta dificuldade em reproduzir. E Procurem Abrigo é um daqueles títulos raros que tem o dom de carregar consigo o sentido do mundo presente em cada frame. Esta é uma obra habilmente controlada a todos os níveis, numa modulação perfeita do mood que se alia a uma precisão emocional exímia.

Os efeitos visuais são incrivelmente avançados – as imagens apocalípticas são fascinantes, mas não menos o são as da vida quotidiana – e a banda Sonora composta por David Wingo acompanha a angústia e desespero de Curtis como parte da mesma unidade.

Procurem Abrigo é um cenário típico para um showcase do talento dos protagonistas – e logo se juntam dois dos atores mais dotados da uma geração: Michael Shannon e Jessica Chastain.

A escolha de Shannon é, contudo, um exemplar do célebre pau de dois bicos: se por um lado fica a sensação de que o sujeito passa a vida a interpretar personagens avariados da cabeça, por outro temos a certeza de que este era uma história que tinha nele o único veículo possível. O dilema deste homem é construído por Shannon de uma forma direta e tocante, e desde a suavidade à ameaça, e da calma ao pânico, a modulação do ator é radiosa, num crescendo até à explosão fogosa entre uma reunião de locais que oferece a sua quota de olhares surpreendidos e esgazeados.

A performance de Chastain encaixa com uma naturalidade tremenda na de Shannon, sendo dotada de uma natureza implosiva capaz de nos deixar de coração nas mãos – afinal, é ela o vaso emotivo conector entre nós e a obra.

O ritmo será lento para muitos, e Procurem Abrigo é definitivamente demasiado longo. Mas nem o ritmo nem a duração são o maior dos problemas. O pior sucede no momento em que o realizador decide escolher. O sumo está no processo, em todos os momentos silenciosos que intervalam os acontecimentos, em todas as subtilezas riquíssimas do enredo. E o momento em que Nichols “decide decidir” – se Curtis é um homem tomado pela loucura ou uma espécie de profeta maior – é aquele em que Procurem Abrigo se torna, subitamente, num filme menor.

Mas Nichols é um homem que, num pedaço de poesia negra, sabe construir um sentimento de temor em crescendo. O seu génio, e consequentemente, do próprio filme, está justamente nas subtilezas. A economia fragilizada, as contas por pagar, a burocracia interminável para marcar uma operação, o destino ambíguo da herança genética, e, derradeiramente, a constante sensação de que o Universo (ou um Deus), num movimento impiedoso, se pode ver livre de nós como meras formigas. E nada podemos fazer senão procurar abrigo.