Queer Lisboa 2025 | Between Goodbyes – Análise
“Between Goodbyes”, um documentário altamente eficaz e emotivo, fechou a programação do 29.º Queer Lisboa no dia 27 de setembro. Uma obra que explora dinâmicas familiares de forma franca e bela, a longa de Jota Mun destaca-se como uma exploração de trauma que não aponta nunca o dedo e que se eleva através da transparência notável.
Da autoria de Jota Mun, ela própria com uma história de vida semelhante à da sua protagonista, “Between Goodbyes” é um emocionante e cuidado documentário com grande valor. A memória que se preserva aqui é tanto a memória individual dos seus intervenientes, perdidos em tradução, como a memória de um povo. O trauma é familiar, particular, mas também coletivo.
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Traumas individuais e coletivos no Queer Lisboa
Nos últimos 50-70 anos, mais de 200.000 crianças sul-coreanas foram dadas para adoção na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. “Cedidas” pelos pais e vendidas pelas agências, que muito pouco ou nada querem, ainda hoje, fazer no que diz respeito a reencontros, a “transação” de bebés coreanos tornou-se um negócio lucrativo, fruto de uma economia enfraquecida no pós Guerra das Coreias.
Esta é uma história trágica e sobre a qual sabemos muito pouco em Portugal, e que mesmo na Coreia, como o documentário nos indica, continua a estar envolta em muito silêncio, julgamento e preconceito.
Em “Between Goodbyes” acompanhamos, ao longo de vários anos, a história agridoce da família Kim e, mais precisamente, a narrativa de Mieke, que em bebé foi entregue pela sua mãe e adotada nos Países Baixos. A história pessoal de Mieke é pesada e ingrata. Adotada por pais com deficiências físicas graves, o seu pai adotivo acabou por falecer quando Mieke tinha apenas 3 anos, e a sua mãe desapareceu também quando tinha ainda 14 anos, tendo eventualmente acabado no sistema de acolhimento.
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Uma órfã precoce na Europa, sem contacto com o seu lado asiático, Mieke nunca procurou os seus pais “verdadeiros” mas depois de muita insistência e vários anos a tentar, os seus pais biológicos acabaram por a encontrar, tinha a jovem já 19 anos.
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A presença súbita na sua vida foi um desafio para Mieke, e as dificuldades de comunicação e a necessidade constante de um intérprete, que persiste ainda hoje, criaram também tensão e pioraram uma situação já de si desconfortável e ingrata. Profundamente holandesa, Mieke demorou muito tempo a visitar a Coreia e a conhecer melhor os seus pais e as suas irmãs, e quando o fez originou-se, claro está, um sentimento avassalador de identidade dividida. Nem completamente holandesa, nem verdadeiramente coreana, presa algures entre países e culturas.
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Identidade despida em Beetween Goodbyes
“Between Goodbyes” é um documentário extremamente honesto, e nunca simplifica as emoções difíceis sentidas por Mieke ou pela sua família coreana. A obra é excelente na definição do que é a nossa identidade. A identidade de Mieke é perfeitamente palpável para quem vê, da sua ambiguidade cultural à sua natureza como pessoa queer – algo estranho e fora da norma dentro da comunidade sul-coreana.
Embora os pais de Mieke a aceitem e à sua esposa de forma plena, há (literalmente) um continente de distância entre pais e filha, e o tempo perdido não pode ser recuperado. É devastador assistir ao sentimento de culpa que devora os pais de Mieke, que nunca os censura pois sabe que a sua adoção foi mais fruto de um contexto sócio-político e económico do que uma vontade individual de a deixar partir.
E apesar das imensas dificuldades, da impossibilidade de comunicação e da distância, é lindíssimo assistir ao desabrochar da relação desta família que, pouco a pouco, vai conseguindo criar a proximidade que não existiu durante tantos anos. É algo precioso e raro, poder ver relações reais a crescerem, perante o nosso olhar, no decurso de um breve documentário de hora e meia.
Neste campo, Jota Mun faz um trabalho excelente, em grande parte por esta história ser para ela tão familiar e próxima. A história de Mieke é também a sua, as duas são amigas e compreendem-se de um modo raro.
É difícil não nos emocionarmos durante o visionamento de “Between Goodbyes”, um filme com um título perfeito e que descreve na perfeição a bela mas imperfeita relação desta família, para sempre presa “entre despedidas”.
O Queer Lisboa fechou mais uma bem-sucedida edição em setembro de 2025. Para o ano, o festival mais antigo da capital fará 30 anos de existência. As datas foram já anunciadas: uma vez mais na Cinemateca Portuguesa e no Cinema São Jorge entre 18 e 26 de setembro de 2026.
Between Goodbyes
Conclusão
Jota Mun realiza um documentário particularmente belo e capaz de nos fazer compreender a memória individual, familiar e coletiva de um povo. A vida parece acontecer perante os nossos olhos, com traumas antigos a serem explorados com a maior das honestidades.