Raised by Wolves | © HBO Portugal

Raised by Wolves, primeiras impressões

Raised by Wolves“, a nova aposta original da HBO produzida por Aaron Guzikowski e Ridley Scott, pode muito bem vir a ser a melhor coisa que o sci-fi já viu na última década e meia. É excêntrico, mordaz e cheira a “Alien” por todo o lado!

“Raised by Wolves” tem sem dúvida um nome “catchy”, senão misterioso, mas existe qualquer coisa de magnético e ininteligível ao falar em lobos que comanda a nossa total atenção. Será por admiração? será por medo? Talvez, tenhamos sido criados em torno de mitos efabulados, que sempre demonizaram a figura do lobo como um bicho papão de criancinhas ao pequeno almoço ou de capuchinhos vermelhos perdidos num bosque. E é com esse chamariz primitivo, que somos introduzidos a um pequeno prólogo narrado por Campion (Winta Mcgrath) – uma das destemidas crianças “pioneiras”, a nova geração de humanos fabricados para reiniciarem a sua civilização, num planeta extraterrestre com a supervisão parental de dois andróides em tudo quase semelhantes a eles. Mas o Pai (Abubakar Salim) e a Mãe (Amanda Collin), não são humanóides quaisquer, para além do multiculturalismo da sua aparência, possuem diretrizes muito rigorosas na programação educativa dos seus meninos, sobretudo no que diz respeito à renúncia religiosa. Claramente que Guzikowski vai beber das inspirações alienígenas de Scott, já que estas duas criaturas artificiais encerram em si mesmas o mesmo significado paradoxal relativo às crenças do criador e da criação, tão implícitas nas suas obras sci-fi.

Raised by Wolves Primeiras Impressões Corpo
Raised by Wolves | © HBO Portugal

A observação é ainda mais válida e pertinente, quando percebemos logo que assinatura visual e artística tem declaradamente a sua impressão digital, nem fosse ele a dirigir os primeiros episódios para Guzikowski. Aliás, “Raised by Wolves” parece mais uma espécie de “parque de diversões infantil” dos devaneios mais loucos e sobrenaturais de Ridley, do que outra coisa qualquer. E é quase com uma descarada pitada de déjà vu do filme “Prometheus”, que mais uma nave colonizadora em forma de charuto rasga ao meio um desfiladeiro arenoso, criando o primeiro frisson dramático numa aterragem nada segura. Mas, curiosamente, graças a esse input emotivo ficamos a conhecer a índole psicológica do robô masculino, que perante uma situação de elevadíssima tensão, resolve atirar-nos umas larachas de humor fácil, apenas para minimizar os níveis de stress da sua congénere feminina, como se as máquinas sentissem fosse o que fosse. Será que Guzikowsky e Ridley querem vender-nos a ideia de que estes ditos sintéticos pensam que pensam como os seres de carne e osso? A eterna dúvida existencial de “Blade Runner” persiste, e nós voltamos a cair na esparrela de não acusarmos a fadiga dessa fórmula percetiva já testada, porque simplesmente não conseguimos desligar o móbil natural da curiosidade inata por tudo aquilo que desconhecemos. E “Raised by Wolves” joga tão bem no tabuleiro das ilusões mentais, dando-nos aquilo que acabamos por ansiar silenciosamente: encantamento, superstição e misticismo.

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As vistas melancólicas de um paupérrimo planeta rochoso e árido (Kepler-22b), que começa a permitir o florescimento das primeiras micro-floras indispensáveis à vida, captura-nos o olhar para fixarmos as panorâmicas pungentes e os zooms expressionistas de Dariusz Wolski – o habitual diretor fotográfico de Ridley Scott, como se por detrás de cada pincelada imagética sua, existisse um anjo e um demónio a uivarem múltiplos estados de espírito. Mas o feitiço é ainda maior, quando a premissa da imagem ficcional assenta na ideia de que o espetador está de facto a assistir à descoberta de um novo mundo civilizacional minimamente plausível, que nas palavras do diretor de fotografia Emery Ross “é um cruzamento entre o extremamente avançado e o pré-histórico”. Assim sendo, o “feeling” visual é quase como se estivéssemos a visionar um documentário do “National Geographic” sobre uma tribo africana e, de repente, envez de cair uma garrafa de Coca-Cola do céu, temos uma reduzida mala esférica que brota do solo e é insuflada num generoso habitáculo com estojos metálicos repletos de embriões congelados. Não estamos a insinuar aqui nenhuma ironia, antes pelo contrário, o contraste abruto entre o orgânico e o tecnológico oferece novas possibilidades à imagem de “Raised by Wolves”, que possui truques de magia tão belos quanto invulgares, o que para uma nova propriedade inteletual é sempre um bónus acrescido.

Raised by Wolves Primeiras Impressões Corpo
Raised by Wolves | © HBO Portugal

Mother, a andróide mulher é a expressão máxima da teatralidade e snobismo da narrativa, que Amanda Collin magistralmente interpreta com a androgeneidade de uma mãe alfa tão inofensiva quanto letal. A duplicidade da sua personalidade é simultaneamente uma afronta e um aceno aos antigos e novos modelos de parentalidade, impondo-se a uma figura paterna invertidamente mais tolerante, submissa e até dispensável, e uma criança intrigada que é instigada à restrição rígida da sua liberdade de pensamento. Campion é, por isso, o tradicional elemento clássico desafiador da “Auctoritas”, que encontra no seu Pai o moderador moral dos excessos impulsivos da Mãe. É nesta frágil e movediça aliança familiar, que Gozikowski nos vai atiçando com uma aparente tranquilidade sempre com um subtom levemente ameaçador, como se as ovelhas estivessem a dormir sossegadas com os lobos a mirá-las de longe. Mas os lobos estão mais perto do que se possa pensar, e nunca a expressão “O Homem é o lobo do homem” fizera tanto sentido.

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E embora esta progenitora de aluguer, que se ligou a tubos para gestacionar uma ninhada de crias anónimas sem lhes desejar mal nenhum, mesmo escondendo no seu âmago o gatilho gratificante de uma arma destruidora, o verdadeiro inimigo parece ser, no entanto, a restante fação sobrevivente da humanidade, que povoa uma “Arca” espacial, e sob o credo religioso dos “Mitraicos” (inspirado num culto romano), pretende resgatá-las a estes pais feitos de lata, sangue leitoso e circuitos eletrónicos. Mas desengane-se redondamente quem pense que “Raised by Wolves” possa ser uma série televisiva vocacionada para um público juvenil, pois todo o material apresentado é bem graúdo e maturado, a roçar por vezes até o delirante e obsceno. Dizemos já, que a toada mais “slow burner” de um guião ainda esquivo, e o arrojo da apresentação não será do agrado de todos e dividirá opiniões, mas temos cá para nós que “Raised by Wolves” agrega todos os ingredientes e condimentos para seguir as pisadas de um “Battlestar Galatica”.

Raised by Wolves
Raised by Wolves Póster

Name: Raised by Wolves (HBO Portugal)

Description: Esta série foca-se em dois androides incumbidos de criar crianças humanas num planeta virgem. Quando a colónia ameaça ser dividida por diferenças religiosas, os androides descobrem que controlar as crenças dos humanos é uma tarefa difícil.

Author: Miguel Simão

  • Miguel Simão - 90
  • Marta Kong Nunes - 85
88

CONCLUSÃO

“Raised by Wolves” é um provocador e atrevido vislumbre de mais uma realidade utópica, mas que ao invés de povoar a sua tela com o “wallpaper” futurista da praxe, reinventa o seu futurismo a partir de um cenário primitivo com adereços tecnológicos, tornando o seu universo mais credível e aceitável. Mas mais do que isso, o argumento de Guzikowsky oferece-nos um novo “spin” na relação homem/máquina, tendo como base temática a parentalidade. E é neste quesito que o enredo parece querer insinuar mais uma questão espinhosa, a somar às que já foram formuladas acerca dos alegados sentimentos e emoções destes simuladores de consciências: será que depois dos andróides de Philip K. Dick sonharem com ovelhas elétricas, também sonham em ter filhos? As possibilidades argumentativas de “Raised by Wolves” são promissoras, mas só o tempo dirá se a laranja tem o sumo necessário para se tornar relevante. Para já, estamos entusiasmados como há muito não estávamos com esta nova proposta de ficção científica.

O MELHOR: Belíssima fotografia e direção artística; Amanda Collin é uma “Mother” eletrizante; argumento promissor.

O PIOR: Episódio piloto algo vago e disperso, embora bombástico, ainda não consegue aprofundar e conectar coerentemente as ramificações da sua história; passada mais pausada poderá entediar os mais impacientes.

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