Com cosmética mortífera e genitais mortificados, “Yummy” é um filme de terror descarado e sem vergonha. A obra de Lars Damoiseaux está inserida na secção Boca do Inferno do 17º IndieLisboa.
Há algo a admirar na falta de vergonha de “Yummy”. Aqui temos um filme de terror que não esconde o seu desejo de chocar por detrás de qualquer pretensiosismo de seriedade. O filme de Lars Damoiseaux não faz parte da tão falada onda do “elevated horror” e nem quer fazer. Esta é uma obra feita para apelar ao lado mais mórbido e perverso do espectador, para titilar com esbeltos corpos femininos e fazer rir com o humor mais básico que se pode imaginar. “Yummy” quer entreter com nudez, machismo, sangue e vísceras, personagens vis e um argumento desbocado.
De novo dizemos, há que se admirar essa falta de pretensão. No entanto, tais qualidades não fazem necessariamente grande cinema. Perdoem-nos a rispidez, mas “Yummy” está tão longe do “elevated horror” como está de qualquer definição de grande cinema. O frustrante no meio de tudo é que se veem na obra final os esboços de algo melhor. Se o filme fosse só medíocre ainda aguentávamos, mas ser mau com traços de genuína inspiração é o cúmulo da desgraça. Enfim, tentemos aligeirar a crítica e falar mais concretamente da narrativa sanguinária que temos em mãos.
“Yummy” passa-se maioritariamente numa zona incerta da Europa de Leste. Aí situa-se um hospital especializado em cirurgia cosmética para onde os nossos heróis se destinam. Allison é uma jovem com peito avantajado que, apesar do transtorno de todos os homens que a veem, deseja ter uma redução mamária. Por seu lado, a mãe de Allison é uma viciada em operações plásticas e tem uma lista de procedimentos que quer fazer à cara e ao corpo. A guiar este duo antagónico de mãe e filha está o namorado da mulher mais nova, Michael que em tempos estudou medicina, mas teve de abandonar a vocação devido ao seu medo de sangue.
No hospital, a comédia familiar começa a retorcer-se em formas grotescas à medida que o ambiente clínico é revelado em toda a sua sordidez. Para transtorno de Michael, os médicos não parecem seguir qualquer tipo de protocolo e até levam Allison para a sala de operações sem saberem sequer o seu grupo sanguíneo. Contudo, a negligência médica está longe de ser o maior pecado da instituição. Por entre seus labirínticos corredores, escondem-se verdadeiras câmaras de horror.
Fechados em quartos indiscretos, alguns pacientes são usados como ratos de laboratório para experiências anti envelhecimento com células de fetos abortados. É quando um desses infelizes é liberto do seu açaime que o terror realmente começa. Parece que nas suas inovações médicas, os doutores do hospital conceberam uma espécie de zombie. Basta ter a boca descoberta para um destes mortos-vivos fugir da cama de hospital e começar a causar o pânico. Em pouco tempo, todo o edifício se tornou num campo de batalha e Damoiseaux não poupa no gore.
Apesar de Allison e Michael serem os protagonistas putativos do enredo, a câmara não tem problemas em separar-se deles para se focar noutras figuras mais caricatas. Durante uma passagem particularmente dramática de “Yummy”, a ação corta para as tribulações de dois pacientes presos na morgue do hospital. Aí, um homem de meia-idade que fez extensão peniana seduz uma miúda mais nova e acaba por sacrificar a vida dos dois quando o seu membro fica mutilado. O humor é feito à base do choque sensabor, da imagem de um pénis queimado cuja cabeça se desfaz de forma tão gráfica quanto nojenta.
Como já dissemos, nem tudo é mau. Apesar de, no papel, a personagem de Allison ser única e exclusivamente definida pelo seu peito, a atriz Maaike Neuville consegue encontrar gradações de pânico visceral no papel. Também temos a orgia de sangue que são os efeitos especiais e de maquilhagem. Nesse sentido, “Yummy” é uma obra-prima do género com o cenário clínico a servir de excelente pretexto para se criarem alguns massacres da carne particularmente coloridos. Desde esfoliações que derretem a cara até crânios partidos ao meio e genitais esmigalhados, há muita carnificina para saciar os maiores fãs do gore.
Yummy, em análise
Movie title: Yummy
Date published: 4 de September de 2020
Director(s): Lars Damoiseaux
Actor(s): Maaike Neuville, Bart Hollanders, Benjamin Ramon, Clara Cleymans, Annick Christiaens, Eric Godon, Joshua Rubin, Taeke Nicolaï, Tom Audenaert
Genre: Ação, Comédia, Terror, 2019, 88 min
Cláudio Alves - 40
40
CONCLUSÃO:
Cheio de sangue e carne despedaçada, muito sofrimento e humor sem graça, “Yummy” é uma comédia de terror que vale mais pelo choque visceral do que pela angústia do espetador. Alguns componentes técnicos espantam pela positiva, mas o guião juvenil e uma realização tonalmente perdida são a desgraça do projeto.
O MELHOR: Os efeitos de maquilhagem. Quanto mais sangrentos melhor!
O PIOR: O machismo virulento do guião, especialmente o modo como encara a figura central de Allison.
Licenciado em Teatro, ramo Design de Cena, pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Ocasional figurinista, apaixonado por escrita e desenho. Um cinéfilo devoto que participou no Young Critics Workshop do Festival de Cinema de Gante em 2016. Já teve textos publicados também no blogue da FILMIN e na publicação belga Photogénie.