10 musicais para ver antes de La La Land | A Roda da Fortuna

Ginger Rogers podia ser melhor atriz, mas é certo que Cyd Charisse é uma parceira de dança infinitamente mais sofisticada para Fred Astaire e A Roda da Fortuna é prova dessa mesma conclusão controversa.

 


<< Serenata à ChuvaWest Side Story >>


 

Quer queiramos assumir isso ou não, o musical enquanto género cinematográfico é algo um pouco démodé e homenagens nostálgicas como La La Land pouco fazem para apagar essa leve pátina de artefacto histórico ou pesquisa arqueológica. No entanto, nada disso implica que seja um género sem méritos (muito pelo contrário) e se há alguma coisa que a história do cinema musical nos tem mostrado é que ambição, criatividade, muito esforço e talentos monumentais são capazes de tornar em algo mágico a mais empoeirada das velharias. Se há um filme no cânone dos grandes musicais que assume essa mesma qualidade como seu tema principal é, sem dúvida, A Roda da Fortuna, um filme que tem vindo a ser historicamente ofuscado pelo sucesso de Serenata à Chuva mas que, de certo modo, constitui uma espécie de imagem espelhada do filme de Stanley Donen.

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Afinal, num projeto temos os estúdios cinematográficos de Hollywood e o solarengo brilho de Los Angeles, no outro, temos os teatros da Broadway e a colorida noite nova-iorquina. Serenata à Chuva foi realizado por um jovem cineasta de 28 anos cheio de ambições e amor de cinéfilo, enquanto A Roda da Fortuna foi assinada por Vincente Minnelli que, aos 50 anos, era já um dos grandes veteranos dos musicais americanos. Mas, acima de tudo, é a relação entre os seus protagonistas masculinos que nos trouxe esta comparação pois na mesma medida em que Gene Kelly revolucionava a dança dos filmes com o seu estilo atlético e ideais democratizantes, o tipo de elegância afetada e graciosidade elitista de Fred Astaire perdia cada vez mais popularidade nos anos 50. Não é por acaso que a personagem de Astaire neste filme é um veterano da Broadway que tem dificuldade em arranjar novos papéis, é assombrado por inseguranças venenosas e passa o filme inteiro a resistir a qualquer sugestão de progresso. A cereja no topo do bolo é mesmo a primeira cena, em que uma cartola e uma bengala são itens tão pouco desejados num leilão, que o leiloeiro pede apenas cinquenta cêntimos.

Convém também dizer que, ao contrário de Serenata à Chuva, A Roda da Fortuna é um filme muito mais melancólico e adulto. É evidente, contudo, que não há maturidade ou seriedade a mais nesta receita cinematográfica, pois o filme é também um dos mais desenvergonhados apelos ao poder e importância do simples entretenimento despretensioso. O argumento, que está cheio de piadas privadas dos seus criadores e uma série de paralelos quase meta textuais, é inexoravelmente explícito a esse respeito e não deixa qualquer dúvida: o propósito final deste projeto é entreter as massas. Como tal, podemos falar infinitamente sobre a mestria de Minnelli no uso da cor (que deixa marcas bem visíveis na estética de La La Land), ou da complexidade das coregrafias mas, no final, é o simples prazer criado pelo seu imaculado produto final que interessa.

Isso traz-nos ao momento seminal d’A Roda da Fortuna e a razão pela qual a presença do filme nesta lista era incontornável. Referimo-nos, pois claro, a melhor dança alguma vez capturada em celuloide, uma mostra de elegância coreográfica sem igual, executada por dois mestres no píncaro dos seus talentos e filmada por um cineasta que, acima de tudo, sabia quando criar um cenário atraente e deixar que o movimento dos atores guiasse o olho da audiência. Cyd Charisse, como uma bailarina clássica, e Fred Astaire, como um veterano da Broadway, são a junção perfeita de dois mundos distantes que, sob a luz da lua, se encontram num momento de paixão florescente e transcendente beleza.

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Por muito que a coregrafia de Top Hat tenha sido a base para “Lovely Night” em La La Land, é a elegância e a imagem de “Dancing in the Dark” que Damien Chazelle estava a tentar emular. Substitua-se o horizonte urbano de Nova Iorque mergulhada no azul-cobalto da noite pela Los Angeles ao crepúsculo, e o branco do vestido de Charisse pelo amarelo do de Emma Stone e a semelhança é impossível de ignorar. Para além do mais, como já muito mencionámos, é de Minnelli que vem o uso de cores contrastantes para a produção de reações emocionais fortes e espetacular artificialidade. É verdade que vemos o mesmo em muitos musicais de Donen e George Cukor, entre outros, mas Minnelli foi o mestre desta técnica estilística.

Para concluir, gostaríamos de deixar duas pequenas notas. Em primeiro lugar, a comparação entre La La Land e A Roda da Fortuna nem sempre favorece o filme mais recente, especialmente quando vemos o modo como a obra de 1953 é capaz de apresentar uma coleção de personagens secundárias bem desenvolvidas e com números tão variados e interessantes como os do par central (alguns desses números são verdadeiramente bizarros no seu humor negro, há que dizer). La La Land, infelizmente, é incapaz de tais feitos. Por último, para fãs de Fred Astaire que queiram saber de onde vem a ideia de ter um ator a subir ao céu noturno para se exibir numa dança aérea (como a cena do observatório em La La Land), deem uma olhadela a The Belle of New York de 1952, por muito inferior que essa projeto seja em comparação com A Roda da Fortuna em termos de criatividade, ambição e puro mérito artístico.

 


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Na próxima página dizemos adeus aos anos 50 para nos aventurarmos pela década seguinte, quando o musical de Hollywood começou a morrer e, na Europa, as novas vanguardas deram azo a insanas experimentações com os códigos e artificialismos inerentes ao género.

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