10 musicais para ver antes de La La Land | West Side Story

Apesar de sotaques duvidosos, castings etnicamente problemáticos, descarada dobragem dos atores principais e o casal mais aborrecido na história do cinema musical, West Side Story, vencedor do Óscar de Melhor Filme, é uma obra-prima cinematográfica cheio de inteligentes letras de Sondheim e energética dança tornada poesia do movimento humano pela mão do cineasta Robert Wise.

 


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A abertura de West Side Story é uma sequência justamente lendária. Primeiro temos a música de Leonard Bernstein a ressoar na banda-sonora e a acompanhar uma série de planos aéreos contrapicados que tornam estradas e ruas nova-iorquinas em tableaux urbanísticos quase abstratos. A seguir, a câmara desce dos céus e finalmente encontra as personagens do filme, os membros de dois gangues, os Jets e os Sharks. A partir daí, a ação explode num orgasmo de agressão dançada que o genial Jerome Robbins coreografou e, de forma sucinta e extremamente estilizada, a cena introduz à audiência o espaço geográfico e socioeconómico, as personagens, sua dinâmica geral e os temas principais que vão dominar a história de West Side Story – basicamente a tragédia de Romeu e Julieta recontextualizada na América dos anos 60 e dos conflitos raciais entre porto-riquenhos e descendentes de polacos.

É, em suma, uma das melhores aberturas na história do cinema americano. No entanto, para além da sua espetacularidade e inteligência dramatúrgica, no que se refere a La La Land, a parte mais interessante desta sequência é o modo como trata as ruas de Nova Iorque. Nestes momentos, a partir de cuidadas composições, ritmos precisos e uma coreografia fabulosa, Robert Wise e Jerome Robbins conseguem criar harmonia entre dois conceitos dicotómicos, o realismo inerente às verdadeiras ruas de Nova Iorque e o artificialismo fantasioso do género musical. Assim, essas mesmas ruas tornam-se palcos prontos a receber sonhos cantados e, 55 anos depois, Chezelle repetiria o truque com a sua abertura de La La Land, onde a realidade física de um ambiente urbano, contemporâneo e extremamente específico, é subjugada à fantasia musical.

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Uma grande diferença entre os dois filmes é que, apesar da sua maravilhosa abertura, West Side Story passa a maior parte da sua duração em cenários de estúdio iluminados de um modo que salienta o seu dramatismo – veja-se os céus cor-de-rosa do crepúsculo ou o escarlate sangrento que enche a atmosfera de um beco. La La Land, pelo contrário, utiliza os espaços de Los Angeles e neles insere uma série de detalhes especificamente calibrados para tornaram a cidade na versão sonhada de si mesma. Isso, contudo, não invalida o impacto emocional do filme de 1961 que, apesar de ter dois dos protagonistas mais aborrecidos e insípidos da história dos musicais de Hollywood, consegue ser uma tragédia comovente com rasgos de desenvergonhada comédia. O melhor exemplo disso é evidentemente a personagem de Anita que valeu a Rita Moreno um Óscar. Numa cena, ela faz a audiência querer dançar nos seus lugares e aplaudir a sua hilariante versão de “America”, noutro momento mais à frente, a sua Anita torna-se na impiedosa imagem de uma mulher que foi demasiadas vezes vitimada e agora se mostra indignada com todo o mundo em seu redor.

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Como já esclarecemos na página anterior, La La Land não tem nenhuma personagem secundária de grande importância como Anita e esse foco míope no casal principal é um dos seus maiores defeitos. Felizmente, ao invés de Richard Breyner e Natalie Wood, o filme de 2016 tem Ryan Gosling e Emma Stone que trazem complexidade humana a dois papéis de imensa simplicidade superficial. No entanto, temos de salientar, há alguma influência do casal de West Side Story nas performances mais modernas de La La Land. Veja-se, por exemplo o inocente “I Feel Pretty” onde Natalie Wood se desmancha em epítetos de ingenuidade ameninada que Stone viria a repetir, de forma levemente irónica, no início do esplendoroso número “Someone in the Crowd”.

Outra possível influência nesse número de festa é o duelo de mambo onde a coregrafia de Jerome Robbins toma o filme de assalto e o eleva ao patamar de obra-prima. Crédito há que ser dado também à fotografia de Daniel L. Fapp que captura as cores dos figurinos de Irene Sharaff e do cenário de Boris Leven em todo o seu contrastante esplendor. Para além disso, é o seu uso de desfoque e da mudança drástica de iluminação que ajuda a ilustrar a transição do filme para a perspetiva subjetiva dos dois protagonistas a apaixonarem-se à primeira vista. Damien Chazelle também foi aí buscar inspiração, usando o mesmo truque quando a sua heroína vê pela primeira vez o seu futuro amado a tocar piano e, para as duas personagens, o mundo exterior desaparece e ficam só eles os dois sozinhos, no meio da escuridão e da música.

É claro que existem outras pequenas ligações entre os dois filmes, como os paralelos entre a primeira versão de “City of Stars” e o romantismo solitário de “Maria”, mas o legado histórico de West Side Story também merece destaque. No seu uso de espaços reais, tom trágico e uma história contemporânea cheia de questões sociais ativamente controversas, West Side Story é uma obra que vem anunciar uma mudança drástica nos musicais do cinema americano. A partir daí, os projetos deste género tornaram-se cada vez maiores e mais épicos, mais importantes e prestigiados, mais ambiciosos em termos de escala e monumentalidade até que o edifício desmoronou devido ao seu próprio peso e o género musical entrou num período de desgraçada impopularidade que haveria apenas de ser dissipado com o advento do século XXI.

 


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Na próxima página vamos saltar a distância do Atlântico pela primeira vez nesta lista e dar uma olhadela ao trabalho de um certo cineasta amante de musicais clássicos e romances de Hollywood.

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