Spider-Man: O regresso do filho pródigo
A Odisseia do Herói
No que diz respeito ao mundo do entretenimento a maior notícia do ano até agora é, sem dúvida, a incorporação de Spider-Man ao universo cinematográfico da Marvel.
Depois de um longo período de negociações, Marvel e a Sony chegaram finalmente a um acordo para resolver a situação do aracnídeo no grande ecrã.
Para quem não está ao corrente, os direitos de adaptação para o grande ecrã de Spider-Man pertencem à Sony, que os adquiriu há muitos anos atrás. Naqueles tempos a Marvel não era a companhia próspera que é hoje, e vender os direitos cinematográficos das suas personagens mais famosas fazia todo o sentido de um ponto de vista financeiro já que a possibilidade da própria Marvel fazer os filmes naquela altura era praticamente nula.
Num princípio, esta decisão revelou-se extremamente acertada. O primeiro filme baseado na personagem detonou as bilheteiras do mundo todo, convertendo-se no terceiro maior filme de 2002, superando inclusive a receita conseguida pelo episódio 2 da saga Star Wars. Os únicos dois filmes capazes de superar o herói da Marvel nesse ano foram os segundos capítulos de outras duas sagas bilionárias: O Senhor dos Anéis e Harry Potter.
O sucesso monumental do primeiro Spider-Man (2002) foi algo extremamente positivo para ambas as companhias. Por um lado, a Marvel ganhou com a revalorização massiva da personagem que, se bem já era um ícone da cultura popular antes do lançamento do filme, tornou-se ainda mais relevante para as novas gerações com o novo blockbuster. Por outro lado, a Sony saiu ainda mais beneficiada do acordo, obtendo um lucro enorme com o primeiro filme e deparando-se com aquele que se transformaria de forma quase instantânea no franchise mais valioso do estúdio. Na verdade, a Sony deu-se conta em 2002 que havia comprado uma máquina de fazer dinheiro chamada Spider-Man. Uma conclusão que se tornaria ainda mais óbvia depois dos sucessos de bilheteira conseguidos por Spider-Man 2 e Spider-Man 3.
Foi então que a Sony tomou uma decisão praticamente inexplicável. Refiro-me obviamente à decisão de fazer um reboot do franchise, ou seja, começar de novo.
Sam Raimi, o realizador da saga até então, foi substituído por Marc Webb, e Toby Maguire foi obrigado a ceder o fato de Homem-Aranha ao ator britânico Andrew Garfield, então um jovem ator revelação que havia se destacado no filme A Rede Social.
Nasce então a segunda saga cinematográfica do adolescente que se transforma em super-herói graças a uma mordida de uma aranha radioativa (ou geneticamente modificada, dependendo da versão).
Embora o slogan publicitário da nova versão, intitulada The Amazing Spider-Man (O Fantástico Homem-Aranha em Portugal), fosse The Untold Story (a história jamais contada), a verdade é que o novo filme era bastante parecido com a versão de 2002, apresentando bastante pouco em termos de material novo. A única diferença significativa entre os dois filmes é que a narrativa do reboot é consideravelmente mais complicada que a do primeiro, mas nem por isso melhor. Muito pelo contrário, a nova versão não conseguiu capturar a magia do original além de ser repetitiva para os fãs do original. Mesmo assim, O Fantástico Homem-Aranha foi um sucesso de bilheteira, angariando 758 milhões de dólares no mundo inteiro. Uma cifra alta que no entanto ficou aquém dos mais de 800 milhões angariados pelo filme de 2002, que havia custado quase a metade do preço para ser produzido. Era uma cifra também menor dos 783 milhões angariados por Spider-Man 2 e 890 milhões gerados por Spider-Man 3 cinco anos antes.
O Fantástico Homem-Aranha 2: O Poder de Electro basicamente repetiu o rendimento do seu antecessor, mas ligeiramente pior. Apesar de ter produzido um lucro de cerca de 400 milhões de dólares, as suas receitas de bilheteira (708 milhões de dólares) foram as mais fracas de todos os filmes baseados no herói aracnídeo. O mais preocupante, no entanto, foi a reação dos fans e dos críticos que consideraram o filme pior do que todos os seu antecessores.
Um Universo de Heróis
Enquanto a Sony estava entretida a extrair centenas de milhões de dólares da sua aranha de ovos de ouro, a Marvel estava a trabalhar na construção de um império. Apoiada pela poderosa Disney, a Marvel construiu o seu próprio estúdio de cinema, assim como o seu próprio universo cinematográfico que, a cada ano que passa, se torna maior e melhor.
A criação e posterior expansão do universo cinematográfico levantou, no entanto, um problema que a Marvel não tinha previsto. Essencialmente, todos os direitos que a Marvel tinha vendido têm agora que ser readquiridos a preços bem superiores se a companhia quiser adicionar esses personagens ao seu universo partilhado.
Num primeiro momento essa questão era um problema menor. Afinal de contas, ao dispôr de diversos heróis como Iron Man, Thor, Hulk ou Capitão América, a Marvel dispunha de um arsenal suficientemente amplo para constituir um grupo poderoso de Avengers e lançar um vasto universo cinematográfico.
Na verdade, o facto da” casa das ideias” não poder contar com heróis mundialmente conhecidos como Spider-Man ou Wolverine até foi positivo num primeiro momento, já que obrigou os estúdios Marvel a empregar todos os seus recursos em personagens que necessitavam uma maior exposição e que até nunca tinham sido feitos no cinema. No início do século XXI heróis como Iron Man, Thor e Capitão América tinham praticamente caído no esquecimento do público em geral, e é apenas graças aos filmes dos estúdios Marvel que são hoje universalmente conhecidos e celebrados.
No entanto, o sucesso do universo partilhado é tal que chegamos a um ponto em que a grande maioria dos fãs quer ver os seus heróis favoritos da Marvel fazer parte desse grande e brilhante universo. Se antes estávamos contentes em ver Thor e Iron Man, agora exigimos ver estrelas do mundo dos super-heróis como Spider Man e Wolverine num universo partilhado. A Marvel sabe perfeitamente disso e como tal está a trabalhar incansavelmente para repescar os seus grandes heróis “perdidos”.
É essencialmente neste contexto que se produz o regresso de Peter Parker à casa Marvel. A casa das ideias finalmente logra recuperar a sua grande estrela, a sua jóia da coroa, a sua cara mais conhecida. Trata-se verdadeiramente de uma espécie de regresso do filho pródigo, sendo portanto com um enorme entusiasmo que tanto a Marvel, como a Disney, como nós, os fãs, recebemos esta notícia de que o Homem-Aranha partilhará os ecrãs com Thor, Hulk, Capitão América, Iron Man, Hawkeye, Black Widow, Black Panther e muitos mais.
O Regresso a Casa
Porém, não devemos precipitar-nos. Afinal de contas, o acordo entre Marvel/Disney e Sony pode não ser tão bom como aparenta à primeira vista.
Em primeiro lugar, a Sony ainda tem os direitos cinematográficos da personagem. Como tal, mantém o controle criativo, o que quer dizer que no fundo o próximo Spider-Man não será realmente um filme da Marvel, mas da Sony. É verdade que será feito em regime de coprodução, com a Marvel a ter uma participação importante, mas isso não quer dizer que será totalmente uma produção dos estúdios Marvel como os outros filmes do universo partilhado.
Em segundo lugar, e mais importante, de acordo com os termos do acordo o novo Spider-Man será essencialmente um segundo reboot do franchise. Tendo em conta os resultados do último reboot, é sensato perguntarmo-nos se essa é a melhor solução. Afinal de contas, o que é que nos diz que o novo filme será melhor do que o cancelado O Fantástico Homem-Aranha 3 seria? Por outro lado, o cancelamento do terceiro capítulo da saga atual basicamente deixa essa história inacabada, já que o final do segundo filme foi claramente pensado para dar lugar a uma continuação. O próprio spin-off Sinister Six que estava planeado e cuja existência depende, em teoria, dos eventos narrados em O Fantástico Homem-Aranha 2, fica também essencialmente anulado, o que é uma pena já que era um projeto bastante interessante.
Praticamente desde que o universo cinematográfico da Marvel foi inaugurado em 2008 com Homem de Ferro e Incrível Hulk que os fãs de super-heróis de todo o mundo sonhavam em ver Spider-Man neste universo. Principalmente nos últimos anos, com a expansão deste espetacular universo e com a reunião dos “maiores heróis da terra” em Os Vingadores (2012), esse desejo vinha ganhando mais força. Saber que finalmente veremos Spider-Man junto a Iron Man e Capitão América em Captain America:Civil War é realmente fantástico.
Apesar disso, os termos concretos deste acordo provavelmente convém menos aos fãs do que às produtoras. Isto é, embora se entenda que os estúdios Marvel queiram ter o “seu” próprio Spider-Man, e que não queiram ser associados a uma saga que suscita tantas dúvidas como O Fantástico Homem-Aranha, o certo é que é duvidoso se este reboot beneficiará realmente o franchise.
Apesar de todos os seus problemas, a verdade é que os últimos dois filmes do Spider-Man foram bastante razoáveis apesar de não serem tão bons como os filmes de Raimy e Maguire. The Amazing Spider Man 2 pode não ter sido um dos melhores filmes do ano, mas foi ainda assim um filme razoável que teve um lucro mais que decente e que preparou o terreno para O Fantástico Homem-Aranha 3 e The Sinister Six. O reboot significa o cancelamento destes filmes, essencialmente deixando a saga O Fantástico Homem-Aranha inacabada o que é uma falta de respeito ante aos fãs que pagaram pelo privilégio de assistir esses filmes nos cinemas ou em DVD ou Blu-ray.
O regresso do filho pródigo neste caso, tal como na bíblia, acaba por ser uma notícia agridoce, já que se dá graças ao seu fracasso longe da família. Mesmo assim recebemo-lo com os braços abertos e conferimos-lhe o nosso afeto e apoio para que possa conquistar grandes sucessos que redimam os seus fracassos passados. Bem vindo a casa Peter Parker. Bem vindo a casa Spider-Man.