The Conjuring 2 – A Evocação, em análise
James Wan regressa para a sequela de The Conjuring com mais sustos, mas sem perder a qualidade do original.
A certo ponto de The Conjuring 2 – A Evocação, o grupo de investigadores de atividades paranormais Ed e Lorraine Warren (novamente interpretados por Patrick Wilson e Vera Farmiga), juntamente com Maurice Grosse (Simon McBurney, no papel do mais conceituado membro da Society for Psychical Research) e a céptica Anita Gregory (Franka Potente) discutem num pub sobre a possível existência de um ser demoníaco numa casa de família em Enfield, no norte de Londres. Tudo poderia ser uma corriqueira conversa de bar, mas sabemos bem que não é disso que se trata. Então, um deles diz que, por vezes, é preciso dar um salto no escuro (no original “take a leap of faith”) e acreditar no inacreditável.
A frase não seria tão importante se não fosse repetida outras tantas vezes, o que reenvia (in)diretamente a Inception (2010) que tem uma das suas personagens a pronunciar exatamente o mesmo. De facto, a comparação até pode não fazer sentido, afinal os filmes são de estética adversa, mas o propósito de ambos é comum, posto que depreendemos que só uma arte como o cinema nos faz acreditar na coexistência de multi-universos. Se o filme de Nolan interligava dimensões oníricas, com final ‘positivo’, quanto ao termo sonho, The Conjuring 2 sustenta-se na quase obrigatoriedade de acreditarmos nos mais temíveis dos nossos pesadelos.
Mesmo assim, e antes de tudo isso, The Conjuring 2 – A Evocação inicia-se com uma breve sequência do caso ‘The Amityville Horror’ e com Ed e Lorraine Warren a experienciar o domínio de entre mundos (entre a vida e a morte), numa mansão em Nova Iorque. De facto, foi em Amityville que os Warren adquiriram a reputação que os tornou no casal mais conceituado do paranormal e até faria naturalmente sentido convocar essa história. Todavia, como esta já foi contada e recontada milhões e milhões de vezes (lembre-se da abominável versão com Ryan Reynolds!), James Wan prefere lidar as controversas aparições do casal em televisão que se seguiram ao caso.
Assim, tido por muitos como expoente máximo dos casos já registados de paranormalidade, Amityville não tem direito a um filme para si próprio (pelo menos por enquanto), ao contrário do que seria de esperar tendo em conta os minutos finais de The Conjuring. Não obstante, James Wan parece ter tomado a atitude correta, ‘migra’ para Londres para contar o mais estranho acontecimento em terras de Sua Majestade, com o mesmo impacto mediático.
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Decorria o ano de 1977 (seis anos depois da ação do primeiro filme da mansão Harrisville), e numa casa que tinha tudo para ser ‘normal’, vive uma mãe divorciada Peggy Hodgson (a soberba Frances O’Connor) com as suas duas filhas Margaret (Lauren Esposito) de 12 anos e Janet (Madison Wolfe) de 11, e com os seus dois filhos Johnny (Patrick McAuley) de 10 anos e Billy (Benjamin Haigh) com 7 que dizem pressentir a presença de um alguém ou de alguma coisa demoníaca. É que, na verdade, a família testemunha fenómenos ‘estranhos’ como móveis a serem movidos aleatoriamente, alguém a bater desesperadamente em portas – o comum knock knock -, incêndios esporádicos que aparecem e desaparecem sem quaisquer motivos aparentes ou a jovem Janet a entrar em estado de transe depois de supostamente ter sido mordida por um fantasma. Desta forma, a entrada de Ed e Lorraine é preponderante para o caso, mas em vez da narrativa saltar de imediato para a ação, conta uma história credível, passo a passo, criando afinidade com a sua audiência.
Quer seja nos momentos tensos que os protagonistas vivem, afinal eles próprios são mais atormentados do que ninguém, quer quando a câmara de Wan está com a ‘família’ londrina, a que falta uma figura paterna de referência, sentimos que nada fica por dizer. Embora, e aqui está o único ponto baixo do filme, existam proximidades com algumas das personagens do filme anterior – veja-se a personagem de Janet que aparenta ser uma Joey King à inglesa -, The Conjuring 2 – A Evocação sustenta-se, quiçá, como o melhor filme de terror que veremos em 2016.
É sabido por todos que James Wan é o mestre do terror – foi o criador da série Saw e de Insidious -, sendo para alguns comparável, discutivelmente, ao mestre do suspense, Alfred Hitchcock. A valer, até calha bem ter um artista visceral assim tão dedicado ao género que por vezes parece estar morto. Depois de rédea solta e prego a fundo com Velocidade Furiosa 7, Wan parece voltar a terreno seguro do terror, onde está mais confortável. Ao contrário do espetador que se sente perturbado com certas imagens.
Em The Conjuring 2 – A Evocação, é provável que feche os olhos mais vezes, do que aquelas em que está a tentar adormecer. Existe uma freira horrenda, um idoso com uma voz grave e um monstro apelidado de O Homem Torto que não lhe vão deixar quieto nem por um segundo. Cada partida que o filme nos prega é de uma destreza total do ponto de vista da realização e da forma como se concilia com o argumento, num sentido profundamente lógico e até emocional. Duas questões fundamentais a considerar: primeiro, o reconhecimento por parte do espetador da dimensão espacial como garante do drama, segundo que nesses espaços são os sons que verdadeiramente assustam, estando a imagem sucumbida a ser mero mecanismo de ilusão. Daí até faz algum sentido questionarmos, se este género cinematográfico seria viável noutras épocas do cinema.
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Enquanto os filmes de terror próprios do expressionismo alemão, se assim os quisermos considerar, como Nosferatu – o Vampiro e O Gabinete do Dr. Caligari faziam uso dos cenários e da maquilhagem para deixar os espetadores com algum medo, The Conjuring 2 usa sons eclesiásticos e sons televisivos, para fazer-nos saltar da cadeira, para de seguida, sentirmos uma espécie de reação nervosa em risos estrondosos, acompanhados com arrepios na nuca para uns e de ardores para outros.
Ao nível das interpretações estamos diante um dos casais com mais química do ano. Wilson e Farmiga conseguem ser ambos charmosos e eloquentes nos seus discursos. Não são estrelas pomposas, a servirem de fantoches pela indústria. Além disso, The Conjuring 2 – A Evocação mostra-se sobretudo como uma carta do amor para alguém que, na vida real já partiu, com cenas a misturar bem o horror e o romance. Ed e Lorraine são enquanto dupla, enquanto marido e mulher, ágeis em enfrentar o inimigo, inimigo que não é palpável nem visível a todos os mortais. Não obstante, Ed e Lorraine não são tanto heróis, mas seres humanos que no seu dia-a-dia tem um dom que muito provavelmente não os enquadra na sociedade e que exige uma certa preparação psicológica dos atores que os interpretam. Notavelmente, esse treino não faltou nem a Vera Farmiga nem a Patrick Wilson.
De mencionar ainda as alusões do filme aos reflexos, imagens que vemos em pinturas, em espelhos, refletidas em água, que uma vez mais convocam esse mundo fantasmático que assombravam as personagens. São imagens que cristalizam uma atitude, um pensamento, ou até mesmo o devir de alguma coisa, que nunca sabemos bem o que é ao certo.
Enfim, sem clichés detetáveis à priori e com uma narrativa que sabe homenagear os filmes predecessores do cineasta e inteligentemente capaz de sustentar a atenção do espetador, The Conjuring 2 – A Evocação é um filme perfeito para uma noite em que tem de ficar de pé, aquelas típicas noitadas de estudo para exames, sem perder a qualidade e criatividade do original, apenas a elevando a outro patamar, o de obra de arte do horror que já fazia falta.
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O MELHOR – A interpretação de Vera Farmiga.
O PIOR – O receio que seja feito um terceiro filme, com menos calibre que os dois primeiros.
Título Original: The Conjuring 2
Realizador: James Way
Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Frances O’Connor, Simon McBurney e Franka Potente
NOS Audiovisuais | Horror | 2016 | 134 min
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VJ
The Conjuring 2 – A Evocação: 4*
Repleto de suspense, contudo destaco o grande desempenho da Madison Wolfe.
Cumprimentos, Frederico.