"The Man Who Sold His Skin" | © Kwassa Films

The Man Who Sold His Skin, em análise | Melhor Filme Internacional

The Man Who Sold His Skin”, também conhecido como “L’homme qui a vendu sa peau” e “Alrajol allazi ba’a zahrah”, é um drama sobre a crise dos refugiados e as hipocrisias no mundo da arte. A obra é a representante da Tunísia na corrida para os Óscares e está nomeado na categoria de Melhor Filme Internacional, o raro filme africano a conseguir recognição da Academia de Hollywood.

Em 2007, o artista belga Wim Delvoye revelou aquela que seria a obra mais controversa numa carreira definida por controvérsia. Depois de passar anos a chocar o mundo com arte tatuada em porcos, Delvoye trocou de tela. Tim Steiner, um antigo tatuador de Zurique, vendeu as suas costas e o seu tempo ao artista que lhe ilustrou a pele com motivos religiosos e caveiras mexicanas. Desde então, Steiner apresenta-se em museus de todo o mundo, sentado em pedestal e sem camisa, uma performance do homem tornado em quadro.

Como se deve deduzir, tal criação fez muitos questionar a natureza da arte e a moralidade de tal feito. A situação tornou-se ainda mais rebuscada quando o colecionador Rik Reining comprou o trabalho a Delvoye. Quando Steiner morrer, suas costas serão esfoladas, a pele curtida e tornada em mais um objeto da vasta coleção de Reinking. Efetivamente, parte de um ser humano foi posta para venda, seu corpo tornado numa comodidade de forma inquestionável. Houve quem falasse em escravidão, quem evocasse os fantasmas da História. Também se veio a apagar, em certa medida, quanto Steiner é, por sua autonomia, um coautor em par com Delvoye.

the man who sold his skin critica
© Kwassa Films

Inspirando-se neste acontecimento do mundo da arte, da museologia, da provocação profissional, a cineasta tunisina Kaouther Ben Hania concebeu “The Man Who Sold His Skin”. Se bem que, verdade seja dita, Hania recorreu à história de Steiner como um veículo para a metáfora fácil, para a indignação automática. Sua narrativa preocupa-se com a crise dos refugiados, centrando um refugiado sírio que encontra modo de ganhar entrada para a Europa tornando-se numa obra de arte viva. Ele vende as costas a um artista com o gosto apurado para o escândalo, um verdadeiro Mefistófeles.

Nas costas do homem desesperado, é tatuado um passaporte, um visa para o espaço Schengen. Se Ali não conseguia entrar na Europa enquanto pessoa, entra no continente enquanto comodidade, enquanto objeto, enquanto propriedade de outrem. O capital sobrepõe-se à humanidade, na arte, na política, na vida. Só que, ao contrário de Steiner, Ali rapidamente se afigura mais prisioneiro que colega artístico. Ele é um homem que observa, impotente, enquanto as paredes de uma situação insuportável se erguem e abaterem sobre a sua cabeça. Mais do que explorar francamente a crise dos refugiados, Hania esculpe o trauma de outros em forma de um drama que parece estar sempre na expetativa do chocante.

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A tentativa de sensibilizar o espetador é assim deturpada pelo sensacionalismo da premissa, a falta de nuance, o amor pelo drama sumarento. Os atores bem que fincam os dentes nessa refeição textual, com cada intérprete a contemplar o desafio com diferentes estratégias. Como Sam Ali, Yahya Mahayni, segue o caminho do naturalismo, delineando o sofrimento da personagem com tanta contenção como intensidade. Sua fisicalidade seduz e aterroriza, uma dança estática que se manifesta quando o corpo vibra com energia nervosa, mas não a pode expressar.

Vê-lo em cena é testemunhar alguém a entender que assinou sua própria sentença, que, na busca pela liberdade, pagou um preço que não consegue suster. Trata-se do tipo de trabalho em que ator eleva uma proposta meio medíocre, uma espiral tão desenfreada quanto disciplinada que culmina num momento de comédia negra bombástica. Infelizmente, Mahayni está sozinho na sua abordagem, sendo que seus colegas preferem a vertente mais estilizada que o texto pode sugerir. Koen De Bouw, o putativo vilão da trama, chama particular atenção, tal é o deleite com que saboreia cada fala, deixando a palavra rolar na língua como um bom vinho.

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© Kwassa Films

Enquanto um ator puxa pelo real, o outro leva para o pesadelo melodramático. Essa inconsistência performativa é uma adequada reflexão dos mesmos problemas patentes no guião, na direção. Assim sendo, ao invés de resolverem um imbróglio, os atores intensificam-no. Os restantes elementos cinematográficos seguem exemplo, sempre oscilando entre a vontade de uma crítica social feroz e o medo de confrontar tais assuntos de frente. Veja-se a fotografia de Christopher Aoun, seus laives de azul uma extensão mórbida do interior frio do museu. A certa altura, até a domesticidade de Ali tem a luminosidade de uma exposição.

A cenografia é menos bem conseguida, mesmo que a abstração pálida da galeria chame a atenção desde o primeiro minuto. Não querendo cair no pedantismo, a lógica interna dos museus não convence, algo que tanto devém do design como de um argumento que, a certa altura, exige que acreditemos na insólita posição de uma obra incalculável, exposta a um canto, mal visível, e mesmo a jeito para quem a quiser usar como um adereço estilhaçável. Enfim, este “The Man Who Sold His Skin” é um filme simultaneamente bravo e covarde, um paradoxo de onde floresce uma rosa de crassidade. Cheira a pretensão pútrida, sabe a vacuidade vistosa, um desapontamento com ares de prestígio imerecido.

The Man Who Sold His Skin, em análise
the man who sold his skin critica

Movie title: L'Homme qui a vendu sa peau

Date published: 2 de April de 2021

Director(s): Kaouther Ben Hania

Actor(s): Yahya Mahayni, Dea Liane, Koen De Bouw, Monica Bellucci, Saad Lostan, Darina Al Joundi, Jan Dandoh, Christian Vadim, Marc de Panda

Genre: Drama, 2020, 104 min

  • Cláudio Alves - 45
45

CONCLUSÃO:

De longe, “The Man Who Sold His Skin” é o pior nomeado na categoria para Melhor Filme Internacional em 2021. Este filme coroado com o prestígio dos Óscares é uma polémica fácil e sem bravura. O interesse pelo choque passa rasteira à sofisticação artística, resultando num drama trapalhão, cheio de simbolismo barato e metáforas batidas. Há momentos sublimes, um jogo de espelhos, uma piada sem gosto, uma venda caótica. No entanto, esses rasgos de génio são obscurecidos pela sombra de mediocridade.

O MELHOR: Os reflexos dançantes da primeira cena, a performance irada de Mahayni, a montagem afiada de um leilão.

O PIOR: O modo como lida tão desleixadamente com um tema sensível e complexo. Além disso, a cena em que “Fausto” é indicado no diálogo é tão chapado ao ponto de fazer rir. A profundidade aspirante da fala resvala em comédia acidental.

CA

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