Tom Cruise, o ultimo grande herói. ©José Vieira Mendes

Entre protestos e palmas, Tom Cruise e McQuarrie celebram o cinema que desafia limites | Diário do Festival de Cannes 2025 (Dia 5)

O Festival de Cannes 2025 está a ser tudo menos previsível. Entre protestos laborais, críticas ferozes à seleção oficial e discursos inflamados, a Croisette fervilha de tensões e emoções. No meio da ebulição, um encontro especial captou a atenção de todos: o realizador Christopher McQuarrie partilhou bastidores, ideias e metáforas sobre a arte de fazer cinema, quando, a meio da conversa, surge Tom Cruise — parceiro inseparável na saga Missão: Impossível. Um momento raro, inesperado e cheio de energia, que reavivou o fascínio pelo cinema feito com risco, respeito e reinvenção.

Um festival que arde por dentro: críticas, protestos e declarações

Cannes 2025 abriu com pompa, mas a festa rapidamente deu lugar à tensão, mesmo com os sorrisos de Tom Cruise. A comédia musical Partir Un Jour, de Amélie Bonnin, inaugurou o certame com aplausos divididos. Enquanto alguns elogiaram a leveza e a nostalgia da narrativa, a crítica britânica foi implacável — o The Guardian e o Daily Telegraph deram apenas uma estrela ao filme, apontando-lhe um “romantismo plastificado”.

Juliette Binoche
Juliette Binoche, presidente do júri, não evitou o ‘tema Depardieu’. ©José Vieira Mendes

A pena suspensa para Depardieu

O ambiente aqueceu com a reação ao caso Gérard Depardieu, recentemente condenado a pena suspensa por agressões. Juliette Binoche, presidente do júri, afinal não evitou o tema: “O tempo da impunidade acabou. O cinema tem de olhar-se ao espelho.” Esta frontalidade marca uma nova era para o festival, historicamente discreto nestas questões.

Leonardo DiCaprio e Robert De Niro
Robert De Niro recebe das mãos de Leonardo DiCaprio a Palma Honorária. ©Sammer Al-Doumy/AFP

A democracia segundo De Niro

Ainda no campo das declarações contundentes, Robert De Niro recebeu uma Palma honorária e não perdeu tempo: atacou Donald Trump, alertando para a “normalização do autoritarismo” e apelando a uma defesa ativa da democracia. Aplaudido de pé, o ator provou que Cannes continua a ser um palco político por excelência.

Festival de Cannes 2025
Críticos de cinema denunciaram a exclusão crescente dos espaços de acesso privilegiado. ©José Vieira Mendes

Bastidores em ebulição: crítica especializada vs. influencers

O festival vive também uma tensão nos bastidores. Críticos de cinema denunciaram a exclusão crescente dos espaços de acesso privilegiado, em detrimento de influencers e criadores de conteúdo digital. Por exemplo, Tom Cruise deu as entrevistas de Missão: Impossível – O Ajuste de Contas Final, em Londres, antes do Festival. Marco Consoli, fundador do International Film Festivals Journalists, lamentou: “Estamos a perder o espaço para o debate profundo. O festival está a transformar-se num espetáculo de superfícialidade.”

Festival de Cannes 2025
A confusão e a vaidade da passadeira vermelha. ©José Vieira Mendes

Manifestações na passadeira vermelha

Entretanto, trabalhadores e freelancers manifestaram-se na passadeira vermelha, exigindo contratos dignos e condições de trabalho justas. Um protesto silencioso, mas visualmente marcante, que revelou a insatisfação de quem mantém o festival a funcionar nos bastidores, para além da presença das estrelas, onde este ano Tom Cruise, parece concentrar todas as atenções nesta primeira semana de Festival.

Tom Cruise
Os sorrisos de Tom Cruise na passadeira vermelha. ©José Vieira Mendes

Christopher McQuarrie: escrever, realizar e mover montanhas

No meio deste turbilhão, o encontro com Christopher McQuarrie ofereceu um raro momento de introspeção cinematográfica. O realizador partilhou o seu percurso pouco convencional: começou como argumentista (autor de Os Suspeitos e Operação Valquíria), e só depois assumiu a realização. “A indústria acha que um sucesso de 5 milhões prepara-nos para liderar um orçamento de 200. É uma ilusão perigosa”, confessou, com franqueza. Sobre o ofício, usou uma imagem reveladora: “Escrever é empurrar uma pedra montanha acima. Realizar é deixá-la rolar. E quanto maior o orçamento, mais pesada é a pedra.” McQuarrie vê o cinema de ação como um trabalho de precisão, onde cada decisão conta — técnica e emocionalmente.

Christopher McQuarrie e Tom Cruise.
Christopher McQuarrie & Tom Cruise © Joachim Tournebize / FDC

Entrada surpresa: Tom Cruise e a arte do medo

Quando menos se esperava, Tom Cruise entrou em cena. O auditório aplaudiu de pé. Sem confirmarem se Missão: Impossível – O Ajuste de Contas Final será o capítulo final da saga, Cruise e McQuarrie falaram da importância de manter a integridade artística mesmo num mundo de blockbusters. “Não espero por autorização para criar. Faço. Mesmo que falhe”, disse Cruise, visivelmente entusiasmado. O ator confessou viver alimentado pelo medo — mas não um medo paralisante, antes um motor criativo. “Gosto da sensação de estar no limite. É isso que me faz crescer. O medo dá-me energia.” McQuarrie confirmou: “Quando filmamos juntos, não há espaço para o fácil. Tom obriga-nos a pensar cada cena como se fosse a última.”

A Quimera de Ouro
A exibição restaurada de A Quimera do Ouro, de Charlie Chaplin,  emocionou a audiência. © mk2 Films

De Chaplin a Cruise: o cinema clássico e a reinvenção

A sessão foi também uma celebração do cinema do passado. Cruise partilhou o seu amor pelos grandes planos e pela fisicalidade do cinema mudo, enquanto McQuarrie sublinhou a importância de exibir mais clássicos em streaming. “Adoro Piratas das Caraíbas, mas há toda uma geração que nunca viu Rio Bravo ou A Regra do Jogo, lamentou. A exibição restaurada de A Quimera do Ouro, de Charlie Chaplin, com a presença de dois netos do cineasta, como já tinha-mos dito, emocionou a audiência e reforçou a ideia de que a história do cinema é um património vivo — e deve ser visto, não apenas reverenciado.

Festival de Cannes 2025
© Les Films 13 – Um Homem e uma Mulher de Claude Lelouch (1966) / Design gráfico © Hartland Villa

Cannes 2025 entre ruptura e reinvenção

O Festival de Cannes 2025 mostra-se como um reflexo do nosso tempo: cheio de tensões, contradições, protestos e paixão. Enquanto alguns lutam por espaço e dignidade, outros renovam o amor pelo cinema com ideias, coragem e riscos, como Christopher McQuarrie e Tom Cruise. Entre todos, uma certeza persiste — o cinema continua a ser um campo de batalha simbólico onde se negoceia o futuro cultural do mundo. E é precisamente aí que reside o seu poder.

JVM



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