Veneza 73 (Dia 8): ‘Une Vie’ Como Ela É

‘Une Vie’, do francês Stéphane Brizé, apresentado na competição oficial é um belíssimo retrato de época de uma mulher maravilhosa, baseado na obra de Guy de Maupassant, e mais um excelente cruzamento da literatura com o cinema.

Pouco mais de um ano depois de A Lei do Mercado (2015), um filme sobre desemprego no contexto da crise actual, — que deu prémio de interpretação em Cannes a Vincent Lindon — o realizador Stéphane Brizé apresentou a concurso em Veneza 73, este Une Vie, um belo filme de época e um retrato de uma mulher, a partir da obra do grande escritor francês, com muitas das suas obras adaptadas ao cinema. Na verdade, o tom quase cinematográfico da escrita Guy de Maupassant e a diversidade das sua histórias da sua época tem sido matéria mais do que generosa, para muitas adaptações cinematográficas inclusive, um mesmo Une Vie (1958), dirigida então por Alexandre Astruc, com algumas lendas do cinema francês do século passado: Maria Schell (em Jeanne Dandieu), Christian Marquand (em Julien de Lamare), Pascale Petit (em Rosalie).

Une Vie

Este regresso a Une Vie de Stéphane Brizé, como no romance é ambientado numa casa aristocrática do século XIX (1819), não muito longe das belas e frias praias da Normandia, no norte de França. Após o seu regresso à casa paterna (Jean-Pierre Darroussin e Yolande Moreau) depois de completar seus estudos num convento, Jeanne (Judith Chemla), uma mulher jovem, inocente, sensível, superprotegida e carregada de sonhos de infância, acaba por casar, embora com alguma hesitação dos pais, com Julien de Lamare (Swann Arlaud), um visconde falido, que se vai revelar um marido mesquinho e sobretudo infiel. Pouco a pouco, Jeanne vai perdendo as suas ilusões (e a sua riqueza patrimonial) em relação à vida.

Une Vie

O formato 4:3 dá um tom clássico a Une Vie, contudo todo o filme é rodado num tom intimista e quase documental, com os actores a serem filmados de lado e mesmo raras vezes olham de frente para a câmera. Na verdade o filme documenta os momentos íntimos de uma vida de uma alma pura, recorrendo inclusive aos flashbacks — numa montagem notável — para ilustrar o passado, memórias e sonhos de Jeanne. Pois Jeanne le Perthuis des Vauds, após o seu casamento com Julien, entra na vida adulta sem nunca ter enfrentado a perda desse paraíso perdido que é a infância, onde tudo parece perfeito, feliz e alcançável. E sem garantir os mecanismos de proteção que lhe evitem uma profunda decepção quando se vai pouco a pouco deparando com a brutalidade das relações humanas e inclusive dos seus mais próximos.

Une Vie

Só que Jeanne parece não quer, não conseguir ou não saber como evoluir no seu conceito de vida. E isso torna-a ao mesmo tempo para o espectador uma pessoa muito especial, uma criatura maravilhosa e raras vezes vista no cinema. É muito curioso como Brizé em Une Vie consegue tirar partido dos curtos olhares de Jeanne — numa fabulosa interpretação Chemla, que pode dar prémio —, para a câmera, tornando a personagem tão fascinante — pois a vida não é sempre boa nem sempre má —  como credível nas suas profundas convicções. Atenção à excelente banda sonora de Une Vie, feita apenas através de vários acompanhamentos ao piano.

JVM (em Veneza)



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