Warfare – Análise
“Warfare”, co-dirigido por Alex Garland (“Guerra Civil”, “Aniquilação”) e o ex-militar Ray Mendoza, veterano da Guerra do Iraque, é um filme de guerra que pretende revelar a brutalidade crua do conflito moderno, despido de qualquer glamour cinematográfico. A experiência de IMAX é fantástica. Como não estreou na salas em Portugal, está disponível no streaming da Prime Video.
A narrativa de “Warfare” da dupla Alex Garland e Ray Mendoza foca-se sobretudo num único evento ocorrido em novembro de 2006, em Ramadi, Iraque, durante a ocupação norte-americana, e procura ser o mais fiel possível aos relatos dos soldados envolvidos. Mas será que esse compromisso com o realismo sacrifica a narrativa? A experiência num grande ecrã de IMAX é substancialmente diferente!
Um retrato cru da guerra – ou apenas um fragmento?
A ambição de “Warfare” é clara: não quer ser ‘mais um filme de guerra’, mas sim uma simulação hiper-realista da experiência em combate. A câmara imerge-nos num bairro iraquiano deserto, durante uma missão noturna dos Navy SEALs, apoiados por batedores iraquianos e marines. O cenário é limitado, concentrando toda a ação numa única casa onde os soldados se instalam enquanto aguardam pela movimentação do inimigo. O som ambiente — disparos distantes, ruídos abafados — cria tensão, mas o filme recusa-se a oferecer qualquer tipo de catarse dramática.
As personagens à procura do(s) realizador(es)
Não há enredo tradicional, nem desenvolvimento de personagens, nem sequer uma contextualização clara para o público. Tudo o que vemos é o desenrolar técnico de uma operação militar, com diálogos em jargão e ordens transmitidas via rádio. A personagem mais proeminente, Elliott Miller (interpretado por Cosmo Jarvis), é o sniper da equipa, mas até ele permanece uma figura opaca, observada à distância pela lente da objetividade extrema do filme.
Realismo como proposta… e obstáculo
A primeira metade de “Warfare” é marcada por uma espera prolongada. Espreitamos com os soldados através da mira de uma espingarda de precisão, acompanhamos trocas de comunicações confusas e tentativas de identificação de insurgentes. Há uma tensão constante, mas pouco ou nada acontece em termos narrativos. Quando finalmente surge um ataque — uma granada lançada por um buraco na parede — o filme muda de tom e mergulha no caos.
Desconstruir a ideia de guerra
Um IED (dispositivo explosivo improvisado) atinge os soldados no momento da evacuação, e é aqui que “Warfare” atinge o seu clímax emocional. Um dos militares, Sam (Joseph Quinn), sofre ferimentos devastadores. A câmara não desvia o olhar: a dor, o sangue, os gritos prolongados, tudo é mostrado de forma explícita. Este momento é, talvez, o que melhor encapsula a proposta do filme: desconstruir a ideia de que a guerra é emocionante ou cinematograficamente ‘épica’.
Entre o documentário e o cinema
É inevitável comparar “Warfare” a filmes como “Cercados-Black Hawk Down”, de Ridley Scott, ou até “O Resgate do Soldado Ryan”, de Steven Spielberg. Estes conseguiram combinar realismo com narrativa, emoção e personagens memoráveis. Garland, por sua vez, opta por uma abordagem quase documental, onde a estética da objetividade parece ser o único propósito.
Interpretações bastante competentes
O problema é que, ao abdicar de estrutura dramática, “Warfare” corre o risco de afastar o espectador. Por mais que a experiência se pretenda imersiva, ela torna-se, paradoxalmente, distante. As personagens são tratadas como elementos operacionais, não como indivíduos com histórias ou dilemas morais. Falta carne emocional que nos prenda ao ecrã. Mesmo com interpretações bastante competentes de Will Poulter, Charles Melton e Michael Gandolfini, o filme mantém-nos na periferia da experiência.
Filme anti-guerra? Ou apenas uma experiência limitada?
É tentador também classificar “Warfare” como um filme anti-guerra — e, em muitos sentidos, ele é. Mas o que significa ser ‘anti-guerra’ no cinema? Filmes como “Platoon-Os Bravos do Pelotão” ou “Apocalypse Now” questionaram profundamente a moralidade dos conflitos em que se baseavam. Já “Warfare” limita-se a mostrar, sem comentar. E essa objetividade, ainda que louvável em termos de rigor, deixa o filme sem uma tese clara.
Garland parece querer dizer-nos que a guerra é infernal, imprevisível, desumana. E fá-lo com competência técnica e momentos de grande impacto visual, como o sobrevoo rasante de caças a baixa altitude ou o silêncio ensurdecedor entre explosões. Mas será isso suficiente? Um aviso, não desistam e vejam até ao fim do genérico final, que vos ajuda a tirar algumas conclusões de quem colaborou e quem não quis participar neste projecto de quase ‘guerra em directo’ ou relembrar um passado traumático.
“Warfare” — Análise | Alex Garland mostra a guerra…mas onde está a história?
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José Vieira Mendes - 60
Conclusão:
Entre a inovação e a frieza, “Warfare”, da dupla Alex Garland e Ray Mendoza torna-se num exercício cinematográfico ousado, que recusa os moldes clássicos do género e aposta tudo na fidelidade ao real. No entanto, ao abdicar de narrativa, empatia e personagens fortes, corre o risco de se tornar num filme mais admirado do que sentido. É uma obra que irá dividir audiências: uns verão nela uma experiência revolucionária (aliás vista ém IMAX é completamente diferente), outros apenas um retrato clínico de uma realidade incompreensível. Talvez esse seja o verdadeiro propósito de Garland: mostrar-nos que, por mais que tentemos compreender a guerra, como civis, nunca saberemos realmente o que é vivê-la.
Overall
60User Review
( votes)Pros
O melhor: Realismo brutal e sem filtros, mergulhando-nos no caos da guerra moderna. Imersão sensorial com destaque para som, câmara e ritmo tenso. Atuação física e contida dos actores Cosmo Jarvis e Joseph Quinn. Fidelidade histórica e atenção ao detalhe técnico. Coragem em evitar clichés heróicos.
Cons
O pior: Falta de enredo e de arcos dramáticos prende o filme à superfície. Ausência de personagens com profundidade ou ligação emocional. Distanciamento emocional que pode alienar o público. Objetividade levada ao extremo que dispensa qualquer comentário moral. Mais admirável como experiência técnica do que como cinema envolvente.