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Guerra Civil, a Crítica | Kirsten Dunst dá vida ao novo filme de Alex Garland

Kirsten Dunst, Wagner Moura e Cailee Spaeny dão corpo e alma a “Guerra Civil”, o novo filme do visionário realizador Alex Garland.

Primeiro salientemos um expediente dramático que os produtores e argumentistas de “Civil War” (Guerra Civil), 2024, realizado por Alex Garland, usam e abusam a seu favor neste filme de antecipação on the road camuflado de filme de acção mergulhado num universo de ficção de contornos bélicos e jornalísticos. Trata-se aqui de relatar acontecimentos que, se ainda não aconteceram, pela visão das imagens de arquivo inseridas nos primeiros minutos podem muito bem vir a acontecer, leia-se, repetir, numa dimensão de fazer arrepiar os mais cínicos. Na prática, essa chamada ao real funciona de algum modo como a premonição de um conflito em larga escala projectado ficcionalmente para um futuro relativamente próximo. E o expediente de que falamos chama-se pura e simplesmente ambiguidade.

CIVIL WAR NEWS, ON THE ROAD…!

Guerra Civil Kirsten Dunst Wagner Moura Alex Garland
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Logo a abrir percebemos que os Estados Unidos da América estão mergulhados numa devastadora guerra civil. Todavia, não sabemos quando a dita começou, nem a verdadeira natureza política dos que nela participam (ou dos que a ela viram as costas), nem as estratégias que estão por detrás das partes em confronto. De facto, nem sequer se refere o ano em que decorre a acção. Na verdade, ao contrário da outra guerra civil americana que realmente existiu, a Guerra de Secessão que dividiu o país e podemos situar entre o ataque a Forte Sumter pelas forças confederadas do Sul (12 de Abril de 1861) e a Batalha de Gettysburg que precipitou a sua derrota a 9 de Abril de 1865, nesta guerra moderna que o filme expõe na sua mais ampla crueza não existem campos absolutamente definidos.

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Nem há exércitos nem do Norte nem do Sul, nem os Estados da União lutam contra os Estados da Confederação. Temos, sim, uma força aparentemente dominadora e bem apetrechada militarmente, a WF ou Western Forces, constituída por dois Estados que se perfilam como secessionistas, mantendo-se unidos numa coligação militar que ostenta uma bandeira onde em vez das cinquenta do actual pavilhão americano figuram apenas duas grandes estrelas, representando o Texas e a Califórnia. Entretanto em Washington, D. C., na ainda capital não conquistada do país, o ainda presidente em exercício procura através da habitual retórica demagógica dar a percepção de que os serviços secretos e a Casa Branca continuam a controlar a situação, evitando a derrocada do poder que alguns julgam iminente.




Sobre esta figura mais ou menos caricata do estadista acossado podemos especular se não terá sido inspirada num senhor que já ganhou uma vez e que este ano se arrisca a ganhar de novo as eleições. Tudo está em aberto, pelo menos, para quem pensou ficcional e ambiguamente o argumento de “Guerra Civil” subordinado a um conflito que pelas minhas contas (mais do que subjectivas, mas curiosas de fazer a partir de indícios salpicados nos diálogos) decorre entre 2028 e 2032. Por isso, se acreditarmos nas profecias dos autores e se quiserem ir visitar a família ou amigos aos good old USA, não hesitem…vão agora ou então…daqui a uns anos não há ninguém que nos valha…!

Guerra Civil Kirsten Dunst Wagner Moura Alex Garland
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Mas nestes filmes apocalípticos há sempre uma classe profissional ou um conjunto de cidadãos que se destaca. Neste caso, o protagonismo foi dado aos jornalistas. Por esta razão, “Guerra Civil” concentra desde cedo a atenção num grupo de “guerrilheiros” da informação, liderado pela consagrada fotojornalista Lee Smith (Kirsten Dunst), que será coadjuvada por um jovem mas experiente repórter da Reuters, Joel (Wagner Moura) e por um veterano do New York Times, Sammy (Stephen McKinley Henderson).

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Diga-se que o velho senhor da imprensa nova-iorquina, visivelmente desgastado pelos anos e com uma bengala que atesta a sua falta de vigor físico, fora mentor dos dois jornalistas anteriormente citados, e para os devidos efeitos surge no contexto narrativo, precisamente por causa da sua idade e maturidade, como a voz da razão crítica, pelo menos da razão jornalística, no meio da irracionalidade de um conflito fratricida.




Mas para o ramalhete funcionar junto dos mais novos que pagam bilhete e não apenas o preço das pipocas aparece uma pseudo-personagem, uma muito jovem e inexperiente Jessie (Cailee Spaeny), caída do céu no meio da confusão gerada nos arredores de Manhattan e que procura a qualquer preço acompanhar os mais velhos na perigosa e quase impossível missão, ou seja, percorrerem incólumes a distância de Nova Iorque até Charlottesville (Estado da Virgínia) e posteriormente participar no assalto a Washington, D(istrito) de C(olumbia). Mais peripécia, menos peripécia e o improvável “bando dos quatro” acaba por embarcar num SUV com o objectivo de relatar e fotografar o que fossem vendo pelo caminho mas, sobretudo, de ir ao encontro do presidente no sentido de lhe fazer aquela que pressentiam ser a sua derradeira entrevista numa cidade cercada e prestes a cair nas mãos dos rebeldes.

Guerra Civil
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Todo o filme, até ao ponto alto e espectacular do final, o assalto ao poder, dá conta de episódios de grande violência que ao longo dos muitos quilómetros de devastação vão atestar a selvajaria de uma guerra que em alguns casos excede as piores expectativas do ponto de vista do macabro, assim como no campo do comportamento arbitrário. E, como sempre, o padrão de ambiguidade na abordagem de quem combate será mantido, mesmo quando os nossos heróis se cruzam com forças que não são nada ambíguas na manifestação proto-fascista do seu nacionalismo rafeiro. Num outro ponto da estrada param e percebem que membros de milícias não identificadas (provavelmente mercenários, nunca se sabe ao certo) disparam em resposta ao fogo de um sniper que se esconde numa casa em frente.

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Os jornalistas perguntam se eles sabem contra quem estão a disparar, e a lógica assumida não podia ser mais básica. “Não”, diz um dos “soldados” estendido no chão. E acrescenta algo do género: “só sabemos que ele nos quer matar, e nós queremos matá-lo”. Frase que encerra a visão dantesca que prevalece na maioria dos conflitos designados por guerras civis, onde as razões de parte a parte já não encontram qualquer base sustentável de lucidez, muito menos de humanidade, que não seja um olhar destituído de qualquer perspectiva ideológica, identitária ou até nacionalista no pior ou melhor sentido da palavra.




Em suma, sejamos francos, os argumentistas de “Guerra Civil” não escreveram o argumento a pensar em pessoas como eu que fazem perguntas atrás de perguntas. Garanto que só deixei aqui algumas das minhas interrogações. Se fosse citar o que por lá se encontra e aquilo que faz falta para credibilizar a odisseia dos jornalistas e não só, mais o previsível cliché final do sacrifício que, por razões óbvias, não irei revelar, em vez de uma crítica escrevia um ensaio.

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Felizmente, muitas pessoas comungam das minhas dúvidas, e se forem ver o filme, porque vale a pena vê-lo como puro filme de acção, darão seguramente conta desses e de outros aspectos. Dito isto, veja-se então este filme por aquilo que o projecto no fundo acaba por ser, um filme de aventuras que pegou num assunto muito interessante e que podia ir muito mais longe se não fossem as fragilidades da ambivalência com que preferiu desenvolver as potenciais linhas de força da narrativa.

Guerra Civil, a Crítica

Movie title: Civil War

Director(s): Alex Garland

Actor(s): Kirsten Dunst, Wagner Moura, Cailee Spaeny, Nick Offerman, Jesse Plemons

Genre: Drama, 2024, 109min

  • João Garção Borges - 60
60

Conclusão:

PRÓS: Filme de acção que foca um assunto muito sério de um modo ambíguo que justificava uma outra abordagem ficcional. Não obstante, se pensarmos do ponto de vista da sua faceta de “entretenimento”, acaba por merecer uma ida ao cinema e a um ecrã da dimensão do IMAX.

CONTRA: Para já, o que havia a dizer está dito. Seja como for, mais uma vez, nada contra o projecto se encarado como action thriller, antecipação ficcional e espectacular sobre a possibilidade de os EUA caírem no inferno de uma guerra civil e nas ruínas de um futuro distópico que esperemos nunca se concretize.

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