Wolverine, em análise
Depois de X-Men Origins: Wolverine, o caos no universo cinematográfico dos mutantes X-Men foi amplamente aumentado. Houve falhas cronológicas graves e incoerências narrativas que levaram os produtores a dividir os filmes em segmentos lógicos e a evitar que o público fizesse cruzamentos e comparações, nomeadamente entre os filmes da trilogia principal e o fraco filme a solo que criaram para Wolverine.
Acontece que após a “Origem”, o novo filme sobre o herói interpretado por Hugh Jackman decide seguir a história deixada em “X-Men: The Last Stand”. Se por um lado se vê um adensar do novelo cronológico destas adaptações, por outro percebe-se a tentativa de remediar os erros do passado e construir uma narrativa que faça uma ligação coerente entre a trilogia X-Men e o segmento desenvolvido no futuro do aguardado “X-Men: Days of Future Past”.
Seguindo os eventos deixados em “X-Men: The Last Stand”, viajamos com Logan (Hugh Jackman) na sua atormentada aventura: perdido do mundo, vivendo alucinações com a morte Jean Grey e incapaz de lidar com a sua condição de imortal que, nesta fase da sua vida, funciona como um veneno que o mantém vivo. Os acontecimentos de Nagasaki, onde salvou o soldado japonês Yashida da bomba atómica de 1945, têm um papel determinante no início desta nova aventura que rapidamente conduz Wolverine numa jornada de revisitação do passado, no Japão.
Yashida, agora CEO de uma grande empresa de tecnologia, está a morrer de câncro e espera que Logan regresse ao Japão com Yukio (Rila Fukushima) a fim de Yashida o compensar por este o ter salvado há longos anos atrás. Yashida pretende, através dos seus desenvolvimentos tecnológicos, que Wolverine transfira os seus poderes de imortalidade e que cure dois males de uma só vez: ele fica livre da sua penosa doença e Wolverine finalmente a salvo da sua fatigante imortalidade.
James Mangold (Walk the Line) segue nos primeiros minutos a fórmula que temos assistido nos filmes do género dos últimos anos e para o qual “Batman Begins” foi pioneiro: a humanização do herói. A desconstrução psicológica de Logan e do seu passado é feita de forma bastante satisfatória. É-nos apresentado um herói abalado psicologicamente e que exterioriza a sua raiva em atos nobres como o de proteger um animal das atrocidades da raça humana. O contexto do ataque nuclear em Nagasaki é também ele muito bem conseguido, criando um ponto de partida bastante negro e realista que expõe toda a força física deste herói e revela as origens da sua debilidade psíquica.
A decisão de transportar o herói fragilizado para o Japão é um dos principais trunfos de “Wolverine”. Essa decisão permite estudar alguns detalhes da cultura japonesa que conduzem o filme para um novo patamar ao nível cénico, nomeadamente no que diz respeito ao cuidado guarda-roupa ou às belas paisagens que enchem a câmara. Também há que realçar a qualidade de algumas cenas de ação bem coreografadas onde ninjas e samurais desempenham um papel determinante – a cena onde Wolverine é atacado pelas costas com inúmeras setas é digna de registo.
No entanto, a viagem de Wolverine pelo Japão fica manchada no último terço do filme. Destinado a salvar Mariko (Tao Okamoto) – neta e herdeira do império de Yashida – dos Yakuza, Wolverine vê-se envolvido numa teia de problemas onde ele próprio é o alvo a caçar e onde Viper (Svetlana Khodchenkova) se assume como a principal caçadora.
No último terço, as ideias que James Mangold havia desenvolvido anteriormente rendem-se às necessidades dos estúdios, passando a partir desse momento a reinar a lógica do entretenimento fácil. Casos amorosos previsíveis, cenas que colocam em causa a nossa inteligência (como a de Wolverine a tentar chegar com a mão ao seu coração) e situações que contrariam por completo a natureza realista revelada no início são meros exemplos do fraco remate final. “Wolverine” sujeita-se a satisfazer as necessidades das audiências esfomeadas por cenas de ação onde se é obrigado a desligar o cérebro, e perde todo o potencial que ainda poderia ter.
Há também uma enorme dificuldade em perceber as reais motivações de alguns personagens do elenco secundário. Viper é caso mais evidente porque pouco se percebe os seus objetivos, parecendo ser introduzida na história apenas por conveniência – para exibir o seu poder que serve para explicar um dos detalhes das pretensões de Yashida.
E para completar algum caos narrativo, há alguns plotholes que podem arruinar a visualização do filme para quem conhece os outros filmes da saga. Por exemplo, se “Wolverine” é uma continuação de “X-Men: The Last Stand”, como é que Wolverine se consegue recordar do que ocorreu na Segunda Guerra Mundial e do ataque em Nagasaki? Este é um dos muitos erros do argumento dado que em X-Men Origins: Wolverine, após a adição adamantium, Wolverine perde a memória (situação que se prolonga na trilogia X-Men). Se para alguns espectadores está é uma situação que pode ser facilmente esquecida com a sua ação bem encenada, para outros, o limite do nonsense é muitas vezes atingido.
Hugh Jackman é mais uma vez incansável na forma como se entrega ao personagem. Um ator que luta para construir o seu personagem e levar o filme às costas. O mesmo não se poderá dizer do elenco mais secundário onde talvez apenas Rila Fukushima se salve no meio de personagens tão superficiais.
No momento onde cai o pano, somos inundados pelos créditos finais que transportam um decair da fé neste género de filmes… mas rapidamente uma luz ao fundo do túnel se abre. Chama-se “X-Men: Days of Future Past” e consegue em apenas uma cena, justamente a meio dos créditos, restabelecer a fé numa narrativa poderosa que dignifique os mutantes depois destes últimos atropelos.
Não estamos perante um mau filme, principalmente considerando a defeituosa qualidade de X-Men Origins: Wolverine. Ainda assim, estamos convictos que o futuro nos reserva mais e melhor.